Textos sobre Leis de Vergílio Ferreira

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Textos de leis de Vergílio Ferreira. Leia este e outros textos de Vergílio Ferreira em Poetris.

A Solidão do Artista

Diz-se às vezes de certas pessoas, e para isso se reprovar, que têm dupla personalidade. Mas dupla ou múltipla têm-na normalmente os artistas. Ela é pelo menos a do convívio exterior e a do seu intimismo. Se trazem esta para a rua, são quase sempre insuportáveis. Só se suporta o que é de um profundo interesse, quando isso é rentável. Imagino que o capitalista tenha na sua vida íntima um mundo de cifrões. Se o cifrão vier à rua, tem ainda cotação. Mas o artista? Mesmo a coisa minúscula da sua pequena vaidade é irritante. Um político pode blasonar pimponice, que tem adeptos a aplaudir. O artista é um condenado, com o ferrete da ignomínia. O seu dever social é ocultar a degradação ou então marginalizar-se. Para efeitos cívicos ou mundanos, só depois de bem morto. A solidão é assim o seu destino. Aí sofre ou tem alegrias, aí obedece a um estranho mandato que lhe passaram na eternidade. Discreto, envergonhado, todo o seu esforço, no domínio das relações, é esconder a sua mancha. Nenhum povo existe senão pelo seu espírito. Somos o que somos pelo que foi excepção dos que nos precederam. Mas o dia a dia não é espiritual,

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A Dádiva da Evidência de Si

Que havia, pois, mais para a vida, para responder ao seu desafio de milagre e de vazio, do que vivê-la no imediato, na execução absoluta do seu apelo? Eliminar o desejo dos outros para exaltar o nosso. Queimar no dia-a-dia os restos de ontem. Ser só abertura para amanhã. A vida real não eram as leis dos outros e a sua sanção e o seu teimoso estabelecimento de uma comunidade para o furor de uma plenitude solitária. O absoluto da vida, a resposta fechada para o seu fechado desafio só podia revelar-se e executar-se na união total com nós mesmos, com as forças derradeiras que nos trazem de pé e são nós e exigem realizar-se até ao esgotamento. Este «eu» solitário que achamos nos instantes de solidão final, se ninguém o pode conhecer, como pode alguém julgá-lo? E de que serve esse «eu» e a sua descoberta, se o condenamos à prisão? Sabê-lo é afirmá-lo! Reconhecê-lo é dar-lhe razão. Que ignore isso o que ignora que é. Que o despreze e o amordace o que vive no dia-a-dia animal. Mas quem teve a dádiva da evidência de si, como condenar-se a si ao silêncio prisional? Ninguém pode pagar, nada pode pagar a gratuitidade deste milagre de sermos.

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