Textos Longos de Arthur Schopenhauer

70 resultados
Textos longos de Arthur Schopenhauer. Leia e compartilhe textos de Arthur Schopenhauer em Poetris.

A Infelicidade da Juventude

O que faz da juventude um período infeliz é a caça à felicidade, na firme pressuposição de que ela tem de ser encontrada na existência. Disso resulta a esperança sempre malograda e, desta, o descontentamento. Imagens enganosas de uma vaga felicidade onírica pairam perante nós revestidas de formas caprichosamente escolhidas, fazendo-nos procurar em vão o seu original. Por isso, nos anos da juventude, estamos quase sempre descontentes com a nossa situação e o nosso ambiente, não importando quais sejam; porque lhes atribuímos o que na verdade pertence, em toda a parte, à vacuidade e à indigência da vida humana, com as quais só então travamos o primeiro conhecimento, após termos esperado coisas bem diversas. Ganhar-se-ia bastante se, pela instrução em tempo apropriado, fosse erradicada nos jovens a ilusão de que há muito a encontrar no mundo. Porém, é o contrário que acontece: na maioria das vezes, conhecemos a vida primeiro pela poesia, e depois pela realidade.
Na aurora da nossa juventude, as cenas descritas pela poesia resplandecem diante dos nossos olhos, e o anelo atormenta-nos para vê-las realizadas, a tocar o arco-íris. O jovem espera que o curso da sua vida se dê na forma de um romance interessante.

Continue lendo…

Controlar o Desejo de Posse

É difícil, senão impossível, determinar os limites dos nossos desejos razoáveis em relação à posse. Pois o con­tentamento de cada pessoa, a esse respeito, não repousa numa quantidade absoluta, mas meramente relativa, a sa­ber, na relação entre as suas pretensões e a sua posse. Por isso, esta última, considerada nela mesma, é tão vazia de sen­tido quanto o numerador de uma fração sem denomina­dor. Um homem que nunca alimentou a aspiração a cer­tos bens, não sente de modo algum a sua falta e está com­pletamente satisfeito sem eles; enquanto um outro, que possui cem vezes mais do que o primeiro, sente-se infe­liz, porque lhe falta uma só coisa à qual aspira.
A esse respeito, cada um tem um horizonte próprio daquilo que pode alcançar, e as suas pretensões vão até onde vai esse horizonte. Quando algum objecto se apresenta a ele nos limites desse horizonte, de modo que possa ter confian­ça em alcançá-lo, sente-se feliz; pelo contrário, sente-se in­feliz quando dificuldades advindas o privam de seme­lhante perspectiva. Aquilo que reside além desse hori­zonte não faz efeito sobre ele. Eis por que as grandes posses do rico não inquietam o pobre, e, por outro lado, o muito que já possui,

Continue lendo…

O Carácter dos Homens é Pouco Flexível

É apenas a experiência que nos ensina quanto o carácter dos homens é pouco flexível, e durante muito tempo, como as crianças pensamos poder, através de sensatas representações, através da prece e da ameaça, através do exemplo, através dum apelo à generosidade, levar os homens a deixarem a sua maneira de ser, a mudarem a sua conduta e a desistirem da sua opinião, a aumentar a sua capacidade; o mesmo se passa quanto à nossa própria pessoa. É preciso que as experiências venham ensinar-nos o que queremos, o que podemos: até essa altura ignorámo-lo, não temos carácter; e é preciso mais do que uma vez que rudes fracassos venham relançar-nos na nossa verdadeira via. – Enfim, aprendemo-lo, e chegamos a ter aquilo que o mundo chama carácter, isto é o carácter adquirido. Aí existe, portanto, apenas um conhecimento, o mais perfeito possível da nossa própria individualidade: é uma noção abstracta, e por consequência clara das qualidades imutáveis do nosso carácter empírico, do grau e da direcção das nossas forças, tanto espirituais como corporais, em suma, do forte e do fraco em toda a nossa individualidade.

O Desejo e a Posse

Um homem não se sente totalmente privado dos bens aos quais nunca sonhou aspirar, mas fica muito satisfeito mesmo sem eles, enquanto outro que possua cem vezes mais do que o primeiro sente-se infeliz quando lhe falta uma única coisa que tenha desejado. A esse respeito, cada um tem também um horizonte próprio daquilo que lhe é possível atingir, e as suas pretensões têm uma extensão semelhante a esse horizonte. Quando determinado objecto, situado dentro desses limites, se lhe apresenta de modo que o faça acreditar na possibilidade de alcançá-lo, o homem sente-se feliz; em contrapartida, sentir-se-à infleliz quando eventuais dificuldades lhe tirarem tal possibilidade. Tudo o que estiver situado externamente a esse campo visual não agirá de forma alguma sobre ele. Por esse motivo, as grandes propriedades dos ricos não perturbam o pobre, e, por outro lado, para o rico cujos propósitos tenham fracassado, serve de consolo as muitas coisas que já possui. (A riqueza assemelha-se à água do mar; quanto mais dela se bebe, mais sede se tem. O mesmo vale para a glória).

O facto de que o nosso humor habitual não resulte muito diferente do anterior após a perda de uma riqueza ou do bem-estar,

Continue lendo…

A Actividade é Indispensável ao Homem

Desenvolver uma actividade, dedicar-se a algo ou simplesmente estudar são coisas necessárias à felicidade do ser humano. Ele deseja activar as suas forças e, de alguma maneira, sentir o êxito dessa actividade. (Talvez porque isso lhe seja uma garantia de que as suas necessidades podem ser supridas pelas suas próprias forças). Por esse motivo, durante as longas viagens de recreação, de quando em quando o homem se sente muito infeliz.
Esforçar-se e lutar com resistência constitui a necessidade mais essencial da natureza humana: a pausa, que seria plenamente auto-suficiente no prazer tranquilo, é impossível para o homem: superar obstáculos representa o prazer mais completo da sua existência; para ele, não há nada melhor. Esses obstáculos podem ser de natureza material, como no caso de agir e operar, ou de natureza espiritual, como no caso de estudar e pesquisar: a luta contra eles e a vitória sobre eles constituem o prazer supremo da existência humana. Se lhe falta a oportunidade para tal realização, o homem cria-a como pode: inconscientemente a sua natureza o impele ou a procurar conflitos, ou a tramar intrigas, ou ainda a cometer vigarices e outras maldades de acordo com as circunstâncias.

A Dor e o Tédio São os Dois Maiores Inimigos da Felicidade

O panorama mais amplo mostra-nos a dor e o tédio como os dois inimigos da felicidade humana. Observe-se ainda: à medida que conseguimos afastar-nos de um, mais nos aproximamos do outro, e vice-versa; de modo que a nossa vida, na realidade, expõe uma oscilação mais forte ou mais fraca entre ambos. Isso origina-se do facto de eles se encontrarem reciprocamente num antagonismo duplo, ou seja, um antagonismo exterior ou oubjectivo, e outro interior e subjectivo. De facto, exteriormente, a necessidade e a privação geram a dor; em contrapartida, a segurança e a abundância geram o tédio. Em conformidade com isso, vemos a classe inferior do povo numa luta constante contra a necessidade, portanto contra a dor; o mundo rico e aristocrático, pelo contrário, numa luta persistente, muitas vezes realmente desesperada contra o tédio. O antagonismo interior ou subjectivo entre ambos os sofrimentos baseia-se no facto de que, em cada indivíduo, a susceptibilidade para um encontra-se em proporção inversa à susceptibilidade para o outro, já que ela é determinada pela medida das suas forças espirituais. Com efeito, a obtusidade do espírito está, em geral, associada à da sensação e à ausência da excitabilidade, qualidades que tornam o indivíduo menos susceptível às dores e aflições de qualquer tipo e intensidade.

Continue lendo…

Vontade Intuitiva

Devemos tomar como guias das nossas considerações não as imagens da fantasia, mas sim conceitos claramente pensados. Na maioria das vezes, entretanto, ocorre o contrário. Mediante uma investigação mais minuciosa, descobriremos que, em última instância, o que decide as nossas resoluções não são, na maioria das vezes, os conceitos e juízos, mas uma imagem fantasiosa que representa e substitui uma das alternativas.
(…) Em especial na juventude, a meta da nossa felicidade fixa-se na forma de algumas imagens que pairam diante de nós e amíude persistem pela metade da vida, ou até mesmo por toda ela. São verdadeiros fantasmas provocadores: se alcançados, esvaecem-se, e a experiência ensina-nos que nada realizam do outrora prometido.
(…) É bem natural que assim se passe, pois, por ser imediato, o que é intuitivo faz efeito mais directo sobre a nossa vontade do que o conceito, o pensamento abstracto, que fornece apenas o universal sem o particular. É justamente este último que contém a realidade: ele só pode agir indirectamente sobre a nossa vontade. E, no entanto, só o conceito mantém a palavra: portanto, é índice de formação cultural confiar apenas nele. Decerto, por vezes precisará de elucidação e paráfrase mediante certas imagens,

Continue lendo…

Boa e Má Literatura

O que acontece na literatura não é diferente do que acontece na vida: para onde quer que se volte, depara-se imediatamente com a incorrigível plebe da humanidade, que se encontra por toda a parte em legiões, preenchendo todos os espaços e sujando tudo, como as moscas no verão.
Eis a razão do número incalculável de livros maus, essa erva daninha da literatura que tudo invade, que tira o alimento do trigo e o sufoca. De facto, eles arrancam tempo, dinheiro e atenção do público – coisas que, por direito, pertencem aos bons livros e aos seus nobres fins – e são escritos com a única intenção de proporcionar algum lucro ou emprego. Portanto, não são apenas inúteis, mas também positivamente prejudiciais. Nove décimos de toda a nossa literatura actual não possui outro objectivo senão o de extrair alguns táleres do bolso do público: para isso, autores, editores e recenseadores conjuraram firmemente.
Um golpe astuto e maldoso, porém notável, é o que teve êxito junto aos literatos, aos escrevinhadores que buscam o pão de cada dia e aos polígrafos de pouca conta, contra o bom gosto e a verdadeira educação da época, uma vez que eles conseguiram dominar todo o mundo elegante,

Continue lendo…

Entendimento Lúcido do Futuro

Uma diferença característica e muito frequente na vida diária entre as cabeças comuns e as sensatas é que as primeiras, na sua ponderação e avaliação sobre possíveis perigos, querem saber e levam em conta apenas o que de semelhante já terá acontecido. As outras, pelo contrário, ponderam o que possivelmente poderia acontecer. É como se tivessem em mente o provérbio espanhol: «O que não acontece num ano, acontece num instante». Decerto, a diferença em questão é natural, pois, para abarcar com a vista aquilo que pode acontecer, é preciso entendimento; já para ver aquilo que aconteceu, são suficientes os sentidos.
A nossa máxima, então, é: sacrifica-te aos demónios malignos. Por outras palavras, não se deve temer uma certa perda de esforço, tempo, desconforto, transtorno, dinheiro ou privação, para fechar as portas à possibilidade de uma desgraça. E quanto maior a desgraça, tanto menor, mais remota e improvável a sua possibilidade. O exemplo mais claro desta regra é o prémio do seguro. Ele é um sacrifício público oferecido por todos no altar dos demónios malignos.

Sempre nos Reduzimos às Limitações do Nosso Interlocutor

Ninguém pode ver acima de si. Com isso quero dizer: cada pessoa vê em outra apenas o tanto que ela mesma é, ou seja, só pode concebê-la e compreendê-la conforme a medida da sua própria inteligência. Se esta for de tipo inferior, então todos os dons intelectuais, mesmo os maiores, não lhe causarão nenhuma impressão, e ela perceberá no possuidor desses grandes dons apenas os elementos inferiores da individualidade dela própria, isto é, todas as suas fraquezas, os seus defeitos de temperamento e carácter. Eis os ingredientes que, para ela, compõem o homem eminente, cujas capacidades intelectuais elevadas lhe são tão pouco existentes, quanto as cores para os cegos. De facto, todos os espíritos são invisíveis para os que não o possuem, e toda a avaliação é um produto do que é avaliado pela esfera cognitiva de quem avalia.
Disso resulta que nos colocamos ao mesmo nível do nosso interlocutor, pois tudo o que temos em excedência desaparece, e até mesmo a auto-abnegação exigida em tal atitude permanece irreconhecida por completo. Ora, se considerarmos o quanto a maioria dos homens é de mentalidade e inteligência inferiores, portanto, o quanto é comum, veremos que não é possível falar com ele sem,

Continue lendo…

Aprender a Escrita pela Leitura

Ao lermos um autor, não temos a capacidade de adquirir as suas eventuais qualidades, como o poder de convencimento, a riqueza de imagens, o dom da comparação, a ousadia, ou o amargor, ou a concisão, ou a graça, ou a leveza da expressão, ou o espírito arguto, contrastes surpreendentes, laconismo, ingenuidade e outras semelhantes. No entanto, podemos evocar em nós mesmos tais qualidades, tornarmo-nos conscientes da sua existência, caso já tenhamos alguma predisposição para elas, ou seja, caso as tenhamos potentia; podemos ver o que é possível fazer com elas, podemos sentir-nos confirmados na nossa tendência, ou melhor, encorajados a empregar tais qualidades; com base em exemplos, podemos julgar o efeito da sua aplicação e assim aprender o seu uso correcto; somente então as possuímos também actu.
Esta é, portanto, a única maneira na qual a leitura nos torna aptos para escrever, na medida em que nos ensina o uso que podemos fazer dos nossos próprios dons naturais; portanto, pressupondo sempre a existência destes. Por outro lado, sem esses dons, não aprendemos nada com a leitura, excepto a maneira fria e morta, e tornamo-nos imitadores banais.

A Amizade Verdadeira e Genuína

Do mesmo modo que o papel-moeda circula no lugar da prata, também no mundo, no lugar da estima verdadeira e da amizade autêntica, circulam as suas demonstrações exteriores e os seus gestos imitados do modo mais natural possível. Por outro lado, poder-se-ia perguntar se há pessoas que de facto merecem essa estima e essa amizade. Em todo o caso, dou mais valor aos abanos de cauda de um cão leal do que a cem daquelas demonstações e gestos.
A amizade verdadeira e genuína pressupõe uma participação intensa, puramente objectiva e completamente desinteressada no destino alheio; participação que, por sua vez, significa identificarmo-nos de facto com o amigo. Ora, o egoísmo próprio à natureza humana é tão contrário a tal sentimento, que a amizade verdadeira pertence àquelas coisas que não sabemos se são mera fábula ou se de facto existem em algum lugar, como as serpentes marinhas gigantes. Todavia, há muitas relações entre os homens que, embora se baseiem essencialmente em motivos egoístas e ocultos de diversos tipos, passam a ter um grão daquela amizade verdadeira e genuína, o que as enobrece ao ponto de poderem, com certa razão, ser chamadas de amizade nesse mundo de imperfeições. Elas elevam-se muito acima dos vínculos ordinários,

Continue lendo…

Não há Felicidade sem Verdadeira Vida Interior

A vida intelectual ocupará, de preferência, o homem dotado de capacida­des espirituais, e adquire, mediante o incremento inin­terrupto da visão e do conhecimento, uma coesão, uma intensificação, uma totalidade e uma plenitude cada vez mais pronunciadas, como uma obra de arte amadurecen­do aos poucos. Em contrapartida, a vida prática dos ou­tros, orientada apenas para o bem-estar pessoal, capaz de incremento apenas em extensão, não em profundeza, contrasta em tristeza, valendo-lhes como fim em si mesmo, enquanto para o homem de capacida­des espirituais é apenas um meio.
A nossa vida prática, real, quando as paixões não a movimentam, é tediosa e sem sabor; mas quando a movi­mentam, logo se torna dolorosa. Por isso, os únicos feli­zes são aqueles aos quais coube um excesso de intelec­to que ultrapassa a medida exigida para o serviço da sua vontade. Pois, assim, eles ainda levam, ao lado da vida real, uma intelectual, que os ocupa e entretém ininter­ruptamente de maneira indolor e, no entanto, vivaz. Pa­ra tanto, o mero ócio, isto é, o intelecto não ocupado com o serviço da vontade, não é suficiente; é necessário um excedente real de força, pois apenas este capacita a uma ocupação puramente espiritual, não subordinada ao ser­viço da vontade.

Continue lendo…

Só o Dinheiro é o Bem Absoluto

Numa espécie tão carente e constituída de necessidades como a humana, não é de admirar que a riqueza, mais do que qualquer outra coisa, seja tão estimada e com tanta sinceridade, chegando a ser venerada; e mesmo o poder é apenas um meio para chegar a ela. Assim, não é surpreendente que, objectivando a aquisição, todo o resto seja colocado de lado ou atirado para um canto. Por exemplo, a filosofia pelos professores de filosofia.
Os homens são amiúde repreendidos porque os seus desejos são direccionados sobretudo para o dinheiro e eles amam-no acima de tudo. Todavia, é natural, e até mesmo inevitável, amar aquilo que, como um Proteu infatigável, está pronto em qualquer instante para se converter no objecto momentâneo dos nossos desejos e das nossas necessidades múltiplas. De facto, qualquer outro bem só pode satisfazer a um desejo, a uma necessidade: os alimentos são bons apenas para os famintos; o vinho, para os de boa saúde; os medicamentos, para os doentes; uma peliça, para o inverno; as mulheres, para os jovens, etc. Todos eles, por conseguinte, são meramente bons para algo, ou seja, apenas relativamente bons. .

Arthur Schopenhauer, in ‘Aforismos para a Sabedoria de Vida’

Continue lendo…

A Liberdade da Auto-Suficiência

Quanto mais uma pessoa tem em si, tanto menos os outros podem ser alguma coisa para ela. Um certo sentimento de auto-suficiência é o que impede os indivíduos de riqueza e valor intrínseco de fazerem os sacrifícios importantes, exigidos pela vida em comum com os outros, para não falar em procurá-la às custas de uma considerável auto-abnegação. O oposto disso é o que torna os indivíduos comuns tão sociáveis e acomodáveis: para eles, é mais fácil suportar os outros do que eles mesmo. Acrescente-se a isso que aquilo que possui um valor real não é apreciado no mundo, e aquilo que é apreciado não tem valor. A prova e consequência disso estão no retraimento de todo o homem digno e distinto. Assim sendo, será genuína sabedoria de vida de quem possui algo de justo em si mesmo, se, em caso de necessidade, souber limitar as suas próprias carências, a fim de preservar ou ampliar a sua liberdade, isto é, se souber contentar-se com o menos possível para a sua pessoa nas relações inevitáveis com o universo humano.
Por outro lado, o que faz dos homens seres sociáveis é a sua incapacidade de suportar a solidão e, nesta, a si mesmos.

Continue lendo…

Honra Aparente

A honra não consiste na opinião dos outros sobre o nosso valor, mas unicamente nas exteriorizações dessa opinião, pouco importando se a opinião externada de facto existe ou não, muito menos se ela tem fundamento. Por conseguinte, os outros podem nutrir a pior opinião a nosso respeito, por conta do nosso modo de vida, e podem desprezar-nos como bem entenderem; durante o tempo em que ninguém se atrever a expressá-la em voz alta, ela não prejudicará em nada a nossa honra. Mas, ao contrário, se mesmo com as nossas qualidades e acções compelirmos os outros a atribuir-nos elevada estima (pois isto não depende do seu arbítrio), então bastará que apenas um indivíduo – seja ele o pior e mais ignorante – exprima o seu desprezo por nós para que logo a nossa honra seja ferida e até perdida para sempre, caso não a reparemos.
Um demonstrativo supérfluo disso, ou seja, de que aqui não se trata da opinião de outrem, mas apenas da sua exteriorização, é que as ofensas podem ser retiradas ou, se necessário, pode-se pedir perdão, e então é como se elas jamais tivessem acontecido. A questão de saber se a opinião que produziu as ofensas também mudou e por que isso aconteceria não afecta em nada o caso: anula-se simplesmente a sua exteriorização e tudo fica bem.

Continue lendo…

A Honra e a Vergonha

A raiz e a origem dos sentimentos de honra e vergonha, inerentes a todo o homem que não é totalmente corrompido, e o supremo valor atribuído ao primeiro reside no que vem a seguir. O homem, por si só, consegue muito pouco e é um Robinson abandonado: apenas em comunidade com os outros ele é e consegue muito. Ele dá-se conta de tal situação a partir do momento em que a sua consciência começa, de algum modo, a desenvolver-se, e logo que nasce nele a aspiração por ser considerado um membro útil da sociedade, portanto, alguém capaz de cooperar como homem pleno e, por conseguinte, tendo o direito de participar das vantagens da comunidade humana. Ele consegue-o realizando, em primeiro lugar, aquilo que se exige e espera em geral de cada um, depois, realizando aquilo que se exige e espera dele na posição especial que ocupa. Mas logo ele reconhece que, nesse caso, o importante não é o que ele representa na sua própria opinião, mas na opinião dos outros.
Por conseguinte, tal é a origem da sua aspiração zelosa pela opinião favorável de outrem, e assim também surge o valor supremo nela depositado. Esses dois elementos aparecem na espontaneidade de um sentimento inato,

Continue lendo…

Glória Efémera ou Eterna

Via de regra, a glória será tanto mais tardia quanto mais for durável, pois tudo aquilo que é excelente amadurece de maneira lenta. A glória que se tornará póstera assemelha-se a um carvalho que cresce bem lentamente a partir da sua semente; a glória fácil, efémera, assemelha-se às plantas anuais, que crescem rapidamente, e a glória falsa parece-se com erva daninha, que nasce num piscar de olhos e que nos apressamos em arrancar. Esse desenrolar das coisas relaciona-se com o facto de que, quanto mais alguém pertence à posteridade, ou seja, à humanidade geral e inteira, tanto mais estranho será à sua época, pois o que ele produz não é especialmente dedicado a ela como tal, mas só na medida em que a mesma é uma parte da humanidade; logo, as suas obras não são tingidas com a cor local do seu tempo; todavia, em consequência disso, pode acontecer que tal indivíduo passe facilmente como um estranho pela sua época.
Esta prefere apreciar aqueles que tratam os assuntos do seu dia-a-dia ou que servem ao humor do momento, portanto, os factos que pertencem integralmente a ela, que com ela vivem e com ela morrem. Por isso, a história da arte e da literatura ensina geralmente que as mais elevadas realizações do espírito humano,

Continue lendo…

Existem Três Tipos de Escritores

Pode-se dizer que existem três tipos de autores. Em primeiro lugar, temos aqueles que escrevem sem pensar. Escrevem a partir da memória, das reminiscências, ou mesmo directamente dos livros dos outros. Esta classe é a mais numerosa. Em segundo lugar, há aqueles que pensam enquanto escrevem. Pensam para escrever. Muito vulgares. Em terceiro lugar, temos aqueles que pensaram antes de começar a escrever. Escrevem simplesmente porque pensaram. Muito raros.

Mesmo entre o pequeno número de escritores que pensam seriamente antes de começar a escrever, há extremamente poucos que pensam acerca do tema propriamente dito: os restantes pensam simplesmente em livros, naquilo que os outros disseram acerca do assunto. Necessitam, quer isso dizer, do estímulo próximo e poderoso das ideias produzidas por outras pessoas para conseguirem pensar. Essas ideias são, pois, o seu tema imediato, de modo que ficam constantemente sob a sua influência e, consequentemente, nunca alcançam a verdadeira originalidade. A minoria acima referida, por outro lado, é estimulada a pensar pelo tema em si, de modo que os seus pensamentos são dirigidos imediatamente para ele. Só entre esses se descobrem os escritores que perduram e se tornam imortais.
Só vale a pena ler a obra daquele que escreve directamente a partir da sua própria cabeça.

Continue lendo…

A Sociabilidade é Proporcional à Vulgaridade

O homem inteligente aspirará, antes de tudo, à ausência de dor, à serenidade, ao sossego e ao ócio, logo, procurará uma vida tranquila, modesta e o menos conflituosa possível; por conseguinte, após travar algum conhecimento com aqueles que chamamos de homens, escolherá o reatraimento e, no caso de um grande espírito, até a solidão. Pois, quanto mais alguém tem em si mesmo, menos precisa do mundo exterior e menos também os outros lhe podem ser úteis. Por isso, a eminência do espírito conduz à insociabilidade. Sim, se a qualidade da sociedade pudesse ser substituída pela quantidade, valeria a pena viver até no grande mundo, mas infelizmente cem néscios empilhados não dão um único homem razoável. Já aquele que está no outro extremo, assim que a necessidade lhe permitir recobrar o ânimo, procurará passatempo e companhia a qualquer preço, e a tudo se acomodará facilmente, de nada fugindo a não ser de si.
Pois é na solidão, onde cada um está entregue a si mesmo, que se mostra o que ele tem em si mesmo. Nela, sob a púrpura, o simplório suspira, carregando o fardo irremovível da sua mísera individualidade, enquanto o mais talentoso povoa e vivifica com os seus pensamentos o ambiente mais ermo.

Continue lendo…