O Homem Primitivo Moderno
Reparai num homem civilizado, rico, inteligente e feliz; olhai-o bem; tirai-lhe o chapéu alto, o casaco, as botas de verniz; despi-o, enfim: vereis a miséria da carne tentando um feroz regresso às formas caricatas do orogotango inicial.
Ide mais longe; penetrai-lhe o esqueleto, atravessai-lhe as entranhas: vereis então a maior das pobrezas, a miséria absoluta, a ausência de alma.
Sim: conforme a alma vai desaparecendo, o corpo vai-se sumindo e, apagando nas indecisas, grosseiras formas originárias. Por cada sentimento que morre, o cóccix aumenta um elo.
As criaturas de que se compõe a parte dominante da sociedade, estĂŁo já mais prĂłximas do macaco do que do homem. As abas da casaca sĂŁo feitas para encobrir os primeiros movimentos comprometedores da cauda… a bota de verniz tenta apertar e reduzir o pĂ© que principia a prolongar-se assustadoramente. A luva realiza, nas mĂŁos, o mesmo papel hipĂłcrita…
Continuai na vossa análise do homem civilizado que parou agora, alĂ©m, em frente duma vitrine de ourives, atraĂdo, como os moscardos, pelo fulgor dos brilhantes, das esmeraldas, dos rĂşbis, dos topázios, de todas as pedras, enfim, que o homem nĂŁo pode atirar ao seu semelhante.
Olhai-o bem; a primeira coisa que nos fere Ă© a hostilidade que se exala de toda a sua fisionomia.
Textos sobre Luvas
2 resultadosUma Completa Fome por Ti
Anais,
NĂŁo esperes que continue sĂŁo. NĂŁo vamos ser sensatos. Foi um casamento, em Louveciennes — nĂŁo podes negá-lo. Voltei com pedaços de ti pegados a mim. Estou a andar, a nadar num oceano de sangue, o teu sangue andaluz, destilado e venenoso. Tudo o que faço e digo e penso tem a ver com o casamento. Vi-te como a senhora do teu lar, uma moura de cara pesada, uma negra com um corpo branco, olhos por toda a tua pele, mulher, mulher, mulher. NĂŁo consigo ver como conseguirei viver longe de ti — estas interrupções sĂŁo uma morte. Como te pareceu quando o Hugo voltou? Eu continuava aĂ? NĂŁo consigo imaginar-te a moveres-te com ele como fizeste comigo. Pernas fechadas. Fragilidade. Doce, traiçoeira aquiescĂŞncia. Docilidade de pássaro. Tornaste-te uma mulher comigo. Isso quase me aterrorizou. NĂŁo tens sĂł trinta anos de idade… Tens mil anos de idade.
Aqui estou de volta e ainda fervilhando de paixĂŁo, como vinho a fermentar. NĂŁo uma paixĂŁo apenas da carne, mas uma completa fome por ti, uma fome devoradora. Leio no jornal acerca de suicĂdios e homicĂdios e compreendo-o perfeitamente. Sinto-me assassino, suicida. Sinto talvez ser uma desgraça nada fazer,