O Teu Céu
Ă em vida que tens o teu cĂ©u. Mas nĂŁo Ă© um cĂ©u prometido. Um cĂ©u prometido Ă© um cĂ©u precavido, um cĂ©u prevenido â um cĂ©u invertido. O que jĂĄ sabes que vai ser cĂ©u Ă© um martĂrio. Se sabes que vai ser cĂ©u: entĂŁo Ă© porque nĂŁo Ă© cĂ©u. Ăs tu que, todos os dias, tens de agarrar nas tuas perninhas e no monte de antĂteses de que Ă©s feito. Ăs tu que tens de rezar pelo teu cĂ©u. Mas rezar nĂŁo Ă© de joelhos. Rezar nem sequer Ă© cruzar os dedos e olhar para o cĂ©u Ă espera de que de lĂĄ caia alguma coisa. O mais inusitado que podes esperar que caia do cĂ©u sĂŁo perdigotos de quem, como tu, pensa que rezar Ă© dizer meia dĂșzia de palavras com os joelhos dobrados e as mĂŁos unidas em forma de impotĂȘncia. Mas rezar nĂŁo Ă© nada disso. Vou-te explicar o que Ă© rezar. Oremos, irmĂŁo.
Rezar nĂŁo Ă© ajoelhar nem Ă© falar nem Ă© esperar. Rezar Ă© lutar. NĂŁo Ă© por acaso que depois de morrer alguĂ©m de quem se gosta se faz o luto. Luto. Ouve bem, lĂȘ bem: sente bem. Luto. Luto.
Textos sobre Mortos de Pedro Chagas Freitas
2 resultadosTudo o que Somos é Ficção
Hå que entender que tudo o que somos é ficção.
Pessoas atrĂĄs de pessoas pedem-me conselhos. Acreditam que o que escrevo me torna em alguĂ©m especial, capaz de lhes entender o que fazem, o que sentem, atĂ© o que escrevem. Fico perdido, sem saber o que fazer, sem saber o que dizer. E Ă© por isso que escrevo. Escrever Ă© estar perdido e procurar, a cada frase, um caminho. Ou um simples sinal de que pode haver um caminho, de que pode haver uma esperança. Escrever Ă© procurar a esperança, todos os dias, no que nĂŁo existe, no que se escreve para ver se existe. NĂŁo sou escritor, nunca fui escritor, nĂŁo quero ser escritor. Sou apenas o gajo que escreve porque tem de escrever, porque os dias exigem que escreva, porque uma urgĂȘncia qualquer o obriga a escrever. Escrevo como necessidade biolĂłgica, e Ă s vezes custa tanto ter de escrever. NĂŁo dĂłi mas custa, Ă© uma dor de fora para dentro, como se as letras saĂssem da pele, do por dentro dos ossos. E a literatura. O que raios Ă© a literatura? Estou-me nas tintas para a literatura. NĂŁo quero escrever literatura, nĂŁo quero os intelectuais do meu lado.