A MemĂłria da Leitura
NĂŁo há talvez dias da nossa infância que tenhamos tĂŁo intensamente vivido como aqueles que julgámos passar sem tĂŞ-los vivido, aqueles que passámos com um livro preferido. Tudo quanto, ao que parecia, os enchia para os outros, e que afastávamos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: a brincadeira para a qual um amigo nos vinha buscar na passagem mais interessante, a abelha ou o raio de sol incomodativos que nos obrigavam a erguer os olhos da página ou a mudar de lugar, as provisões para o lanche que nos obrigavam a levar e que deixávamos ao nosso lado no banco, sem lhes tocar, enquanto, sobre a nossa cabeça, o sol diminuĂa de intensidade no cĂ©u azul, o jantar que motivara o regresso a casa e durante o qual sĂł pensávamos em nos levantarmos da mesa para acabar, imediatamente a seguir, o capĂtulo interrompido, tudo isto, que a leitura nos devia ter impedido de perceber como algo mais do que a falta de oportunidade, ela pelo contrário gravava em nĂłs uma recordação de tal modo doce (de tal modo mais preciosa no nosso entendimento actual do que o que lĂamos entĂŁo com amor) que, se ainda hoje nos acontece folhear esses livros de outrora,
Textos sobre Recordações de Marcel Proust
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A Melhor Parte da Nossa Memória está Fora de Nós
As recordações em amor nĂŁo constituem uma excepção Ă s leis gerais da memĂłria, tambĂ©m ela regida pelas leis do hábito. Como esta enfraquece tudo, o que mais nos faz lembrar uma pessoa Ă© justamente aquilo que havĂamos esquecido por ser insignificante e a que assim devolvemos toda a sua força.
A melhor parte da nossa memória está deste modo fora de nós. Está num ar de chuva, num cheiro a quarto fechado ou no de um primeiro fogaréu, seja onde for que de nós mesmos encontemos aquilo que a nossa inteligência pusera de parte, a última reserva do passado, a melhor, aquela que, quando se esgotam todas as outras, sabe ainda fazer-nos chorar.