Da Profundidade do EspĂrito
A profundeza Ă© o termo da reflexĂŁo. Quem quer que tenha o espĂrito verdadeiramente profundo, deve ter a força de fixar o pensamento fugidio; de retĂȘ-lo sob os olhos para considerar-lhe o fundo, e reduzir a um ponto uma longa cadeia de ideias; Ă© principalmente Ă queles a quem esse espĂrito foi dado que a clareza e a justeza sĂŁo necessĂĄrias. Quando lhes faltam essas vantagens, as suas vistas ficam embaraçadas com ilusĂ”es e cobertas de obscuridades. No entanto, como tais espĂritos vĂȘem sempre mais longe do que os outros nas coisas da sua alçada, julgam-se tambĂ©m mais prĂłximos da verdade do que os demais homens; mas estes, nĂŁo os podendo seguir nas suas sendas tenebrosas, nem remontar das consequĂȘncias atĂ© a altura dos princĂpios, sĂŁo frios e desdenhosos para com esse tipo de espĂrito que nĂŁo podem mensurar.
E, mesmo entre as pessoas profundas, como algumas o sĂŁo em relação Ă s coisas do mundo e outras nas ciĂȘncias ou numa arte particular, preferindo cada qual o objecto cujos usos melhor conhece, isso tambĂ©m Ă©, de todos os lados, matĂ©ria de dissensĂŁo.
Finalmente, nota-se um ciĂșme ainda mais particular entre os espĂritos vivazes e os espĂritos profundos, que sĂł possuem um na falta do outro;
Textos sobre Uso de MarquĂȘs de Vauvenargues
3 resultadosO Excesso de Vingança
O duelo nasceu da convicção muito natural de que um homem nĂŁo aguentaria injĂșrias de outro homem a nĂŁo ser por fraqueza; mas porque a força do corpo podia dar Ă s almas tĂmidas uma vantagem considerĂĄvel sobre as almas fortes, para introduzir igualdade nos combates e dar-lhes por outro lado mais decĂȘncia, os nossos pais imaginaram bater-se com armas mais mortĂferas e mais iguais do que aquelas que tinham recebido da natureza; e pareceu-lhes que um combate em que se poderia tirar a vida de um sĂł golpe teria certamente mais nobreza do que uma briga vil em que no mĂĄximo se poderia arranhar a cara do adversĂĄrio e arrancar-lhe os cabelos com as mĂŁos. Assim, vangloriaram-se de ter colocado nos seus usos mais elevação e mais elegĂąncia do que os romanos e os gregos que se batiam como os seus escravos. Achavam que aquele que nĂŁo se vinga de uma afronta nĂŁo tem coragem nem brio; nĂŁo atinavam que a natureza, que nos inspira a vingança, podia, elevando-se ainda mais alto, inspirar-nos o perdĂŁo.
Esqueciam-se de que os homens são obrigados muitas vezes a sacrificar as suas paixÔes à razão. A natureza dizia mesmo, na verdade, às almas corajosas que era preciso vingar-se;
O Excesso de Conhecimento sem Discernimento
Herdamos conhecimentos e invençÔes de todos os sĂ©culos; ficamos portanto mais ricos em bens do espĂrito: isso nĂŁo nos pode ser contestado sem injustiça. Mas estarĂamos nĂłs prĂłprios enganados se confundĂssemos essa riqueza herdada e de emprĂ©stimo com o gĂ©nio que a dĂĄ. Quantos desses conhecimentos adquiridos sĂŁo estĂ©reis para nĂłs! Estranhos no nosso espĂrito onde nĂŁo tiveram origem, acontece muitas vezes que eles confundem o nosso juĂzo muito mais do que o esclarecem. Arcamos sob o peso de tantas ideias, como aqueles estados que sucumbem por excesso de conquistas e em que a opulĂȘncia introduz novos vĂcios e desordens mais terrĂveis; porque pouca gente Ă© capaz de fazer bom uso do espĂrito alheio.
(…) O efeito das opiniĂ”es multiplicadas alĂ©m das forças do espĂrito Ă© produzir contradiçÔes e abalar a certeza dos melhores princĂpios. Os objectos apresentados sob um nĂșmero excessivo de faces nĂŁo se podem organizar, nem desenvolver, nem pintar distintamente na imaginação dos homens. Incapazes de conciliar todas as suas ideias, tomam os diversos lados de uma mesma coisa como contradiçÔes da sua natureza. VĂĄrios nĂŁo querem comparar a opiniĂŁo dos filĂłsofos. NĂŁo examinam se na oposição dos seus princĂpios, alguĂ©m fez pender a balança para o seu lado;