Da Profundidade do EspĂrito
A profundeza Ă© o termo da reflexĂŁo. Quem quer que tenha o espĂrito verdadeiramente profundo, deve ter a força de fixar o pensamento fugidio; de retĂȘ-lo sob os olhos para considerar-lhe o fundo, e reduzir a um ponto uma longa cadeia de ideias; Ă© principalmente Ă queles a quem esse espĂrito foi dado que a clareza e a justeza sĂŁo necessĂĄrias. Quando lhes faltam essas vantagens, as suas vistas ficam embaraçadas com ilusĂ”es e cobertas de obscuridades. No entanto, como tais espĂritos vĂȘem sempre mais longe do que os outros nas coisas da sua alçada, julgam-se tambĂ©m mais prĂłximos da verdade do que os demais homens; mas estes, nĂŁo os podendo seguir nas suas sendas tenebrosas, nem remontar das consequĂȘncias atĂ© a altura dos princĂpios, sĂŁo frios e desdenhosos para com esse tipo de espĂrito que nĂŁo podem mensurar.
E, mesmo entre as pessoas profundas, como algumas o sĂŁo em relação Ă s coisas do mundo e outras nas ciĂȘncias ou numa arte particular, preferindo cada qual o objecto cujos usos melhor conhece, isso tambĂ©m Ă©, de todos os lados, matĂ©ria de dissensĂŁo.
Finalmente, nota-se um ciĂșme ainda mais particular entre os espĂritos vivazes e os espĂritos profundos, que sĂł possuem um na falta do outro;
Textos sobre Vista de MarquĂȘs de Vauvenargues
3 resultadosNo Amor Ă© a Alma aquilo que Mais nos Toca
As mesmas paixĂ”es sĂŁo bastante diferentes nos homens. O mesmo objecto pode-lhes agradar por aspectos opostos; suponho que vĂĄrios homens podem prender-se a uma mesma mulher; uns a amam pelo seu espĂrito, outros pela sua virtude, outros pelos seus defeitos, etc. E pode atĂ© acontecer que todos a amem por coisas que ela nĂŁo tem, como quando se ama uma mulher leviana a quem se julga sĂ©ria. Pouco importa, a gente prende-se Ă idĂ©ia que se tem prazer em fazer dela; e Ă© mesmo apenas essa idĂ©ia que se ama, nĂŁo Ă© a mulher leviana. Assim, nĂŁo Ă© o objeÂto das paixĂ”es que as degrada ou as enobrece, mas a maÂneira como a gente o encara.
Ora, eu disse que era posÂsĂvel que se buscasse no amor algo mais puro do que o interesse dos nossos sentidos. Eis o que me faz pensar assim. Vejo todos os dias no mundo que um homem cerÂcado de mulheres com as quais nunca falou, como na missa, no sermĂŁo, nem sempre se decide pela mais boniÂta, ou mesmo pela que lhe pareça tal. Qual a razĂŁo disso? Ă que cada beleza exprime um carĂĄcter bem particular, e preferimos aquele que melhor se encaixa no nosso.
ConsideraçÔes Sobre a Amizade
Ă a insuficiĂȘncia do nosso ser que faz nascer a amizade, e Ă© a insuficiĂȘncia da prĂłpria amizade que a faz perecer. EstĂĄ-se sozinho, sente-se a prĂłpria misĂ©ria, sente-se necessidade de apoio, procura-se quem lhe favoreça os gostos, um companheiro nos prazeres e nos pesares; quer-se um homem de quem se possa possuir o coração e o pensamento. EntĂŁo a amizade parece ser o que de mais doce hĂĄ no mundo; tem-se o que se desejou, logo se muda de ideia. Quando se vĂȘ de longe algum bem, ele fixa de inĂcio os nossos desejos, e quando se chega a ele, sente-se o seu nada. A nossa alma, de que ele prendia a vista na distĂąncia, nĂŁo pode repousar-se nele quando vĂȘ mais adiante: assim a amizade, que de longe limitava todas as nossas pretensĂ”es, cessa de limitĂĄ-las de perto; nĂŁo preenche o vazio que prometera preencher; deixa-nos necessidades que nos distraem e nos levam a outros bens.
EntĂŁo a gente torna-se negligente, difĂcil, exige-se logo como um tributo as complacĂȘncias que de inĂcio eram recebidas como um dom. Ă do carĂĄcter dos homens apropriar-se a pouco e pouco atĂ© das graças de que beneficiam; uma longa posse acostuma-os naturalmente a olhar as coisas que possuem como sendo deles;