Textos sobre Voltas de Robert Musil

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Textos de voltas de Robert Musil. Leia este e outros textos de Robert Musil em Poetris.

O Espírito Desfaz a Ordem das Coisas

O espírito aprendeu que a beleza nos faz bons, maus, estúpidos ou sedutores. Disseca uma ovelha e um penitente e encontra em ambos humildade e paciência. Analisa uma substância e descobre que, tomada em grandes quantidades, pode ser um veneno, e em pequenas doses, um excitante. Sabe que a mucosa dos lábios tem afinidades com a do intestino, mas também sabe que a humildade desses lábios tem afinidades com a humildade de tudo o que é sagrado. O espírito desfaz a ordem das coisas, dissolve-as e volta a recompô-las de forma diferente. O bem e o mal, o que está em cima e o que está em baixo não são para ele noções de um relativismo céptico, mas termos de uma função, valores que dependem do contexto em que se encontram. Os séculos ensinaram-lhe que os vícios se podem transformar em virtudes e as virtudes em vícios, e conclui que, no essencial, só por inépcia se não consegue fazer de um criminoso um homem útil no tempo de uma vida. Não reconhece nada como lícito ou ilícito, porque tudo pode ter uma qualidade graças à qual um dia participará de um novo e grande sistema. Odeia secretamente como a morte tudo aquilo que se apresenta como se fosse definitivo,

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A Felicidade é tão Cansativa como a Infelicidade

Toda a gente tem o seu método de interpretar a seu favor o balanço das suas impressões, para que daí resulte de algum modo aquele mínimo de prazer necessário às suas existências quotidianas, o suficiente em tempos de normalidade. O prazer da vida de cada um pode ser também constituído por desprazer, essas diferenças de ordem material não têm importância; sabemos que existem tantos melancólicos felizes como marchas fúnebres, que pairam tão suavemente no elemento que lhes é próprio como uma dança no seu. Talvez também se possa afirmar, ao contrário, que muitas pessoas alegres de modo nenhum são mais felizes do que as tristes, porque a felicidade é tão cansativa como a infelicidade; mais ou menos como voar, segundo o princípio do mais leve ou mais pesado do que o ar. Mas haveria ainda uma outra objecção: não terá razão aquela velha sabedoria dos ricos segundo a qual os pobres não têm nada a invejar-lhes, já que é pura fantasia a ideia de que o seu dinheiro os torna mais felizes? Isso só lhes imporia a obrigação de encontrar um sistema de vida diferente do seu, cujo orçamento, em termos de prazer, fecharia apenas com um mínimo excedente de felicidade,

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Inspiração e Perseverança no Homem que Pensa

Não há nada de mais difícil em literatura do que descrever um homem a pensar. Um grande inventor respondeu um dia a quem lhe perguntava como fazia para ter tantas ideias novas: «pensando ininterruptamente nelas». E de facto bem pode dizer-se que as ideias inesperadas nos vêm porque estávamos à espera delas. São, em grande parte, o resultado conseguido de um carácter, de certas inclinações constantes, de uma ambição tenaz, de uma incessante ocupação com elas. Que tédio, uma perseverança assim! Mas, vista de outro ângulo, a solução de um problema intelectual não acontece de modo muito diferente, como um cão que traz um pau na boca e quer passar por uma porta estreita; vira a cabeça para a esquerda e para a direita tantas vezes até que consegue passar com o pau; o mesmo acontece connosco, apenas com a diferença de que não fazemos tantas tentativas ao acaso, mas sabemos já, por experiência, mais ou menos como fazer as coisas. E se uma cabeça inteligente, como é óbvio, revela muito mais habilidade e experiência nas voltas que dá do que uma cabeça estúpida, o momento em que consegue passar não é para ela menos surpreendente; de repente estamos do outro lado,

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