Plena Nudez
Eu amo os gregos tipos de escultura:
PagĂŁs nuas no mĂĄrmore entalhadas;
Não essas produçÔes que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliĂȘncias destacadas…NĂŁo quero, a VĂȘnus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevĂȘ-la
De transparente tĂșnica atravĂ©s:Quero vĂȘ-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus… toda nua, da cabeça aos pĂ©s!
Passagens sobre Vénus
41 resultadosOde à Esperança
1
Vem, vem, doce Esperança, Ășnico alĂvio
Desta alma lastimada;
Mostra, na c’roa, a flor da Amendoeira,
Que ao Lavrador previsto,
Da Primavera prĂłxima dĂĄ novas.2
Vem, vem, doce Esperança, tu que animas
Na escravidĂŁo pesada
O aflito prisioneiro: por ti canta,
Condenado ao trabalho,
Ao som da braga, que nos pés lhe soa,3
Por ti veleja o pano da tormenta
O marcante afouto:
No mar largo, ao saudoso passageiro,
(Da sposa e dos filhinhos)
Tu lhe pintas a terra pelas nuvens.4
Tu consolas no leito o lasso enfermo,
C’os ares da melhora,
Tu dås vivos clarÔes ao moribundo,
Nos jĂĄ vidrados olhos,
Dos horizontes da Celeste PĂĄtria.5
Eu jå fui de teus dons também mimoso;
A vida largos anos
Rebatida entre acerbos infortĂșnios
A sustentei robusta
Com os pomos de teus vergéis viçosos.6
Mas agora, que MĂĄrcia vive ausente;
Que nĂŁo me alenta esquiva
C’o brando mimo dum de seus agrados,
Dormindo
PĂĄlida, bela, escultural, clorĂłtica
Sobre o divĂŁ suavĂssimo deitada,
Ela lembrava — a pĂĄlpebra cerrada —
Uma ilusão esplendida de ótica.A peregrina carnação das formas,
— o sensual e lĂmpido contorno,
Tinham esse quĂȘ de avĂ©rnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!…Ela dormia como a VĂȘnus casta
E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco…Enquanto o luar — pela janela aberta —
— como uma vaga exclamação — incerta
Entrava a flux — cascateado — branco!!…
Deixai a Vida aos Crentes Mais Antigos
VĂłs que, crentes em Cristos e Marias,
Turvais da minha fonte as claras ĂĄguas
SĂł para me dizerdes
Que hå åguas de outra espécieBanhando prados com melhores horas
Dessas outras regiÔes pra que falar-me
Se estas ĂĄguas e prados
SĂŁo de aqui e me agradam?Esta realidade os deuses deram
E para bem real a deram externa.
Que serĂŁo os meus sonhos
Mais que a obra dos deuses?Deixai-me a Realidade do momento
E os meus deuses tranqĂŒilos e imediatos
Que nĂŁo moram no Vago
Mas nos campos e rios.Deixai-me a vida ir-se pagĂŁmente
Acompanhada pelas avenas tĂȘnues
Com que os juncos das margens
Se confessam de PĂŁ.Vivei nos vossos sonhos e deixai-me
O altar imortal onde Ă© meu culto
E a visĂvel presença
Os meus prĂłximos deuses.InĂșteis procos do melhor que a vida,
Deixai a vida aos crentes mais antigos
Que a Cristo e a sua cruz
E Maria chorando.Ceres, dona dos campos, me console
E Apolo e VĂȘnus,
Aurora Morta, Foge! Eu Busco A Virgem Loura
Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura
Que fugiu-me do peito ao teu clarĂŁo de morte
E Ela era a minha estrela, o meu Ășnico Norte,
O grande Sol de afeto – o Sol que as almas doura!Fugiu… e em si a Luz consoladora
Do amor – esse clarĂŁo eterno d’alma forte –
Astro da minha Paz, SĂrius da minha Sorte
E da Noute da vida a VĂȘnus Redentora.Agora, oh! Minha MĂĄgoa, agita as tuas asas,
Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas
E, num PĂĄlio auroral de Luz deslumbradora,Ascende Ă Claridade. Adeus oh! Dia escuro,
Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;
Aurora morta, foge – eu busco a virgem loura!
A Mentira Agrada Mais do Que a Verdade
O espĂrito do homem Ă© feito de maneira que lhe agrada muito mais a mentira do que a verdade. Fazei a experiĂȘncia: ide Ă igreja, quando aĂ estĂŁo a pregar. Se o pregador trata de assuntos sĂ©rios, o auditĂłrio dormita, boceja e enfada-se, mas se, de repente, o zurrador (perdĂŁo, o pregador), como aliĂĄs Ă© frequente, começa a contar uma histĂłria de comadres, toda a gente desperta e presta a maior das atençÔes.
Como Ă© fĂĄcil essa felicidade! Os conhecimentos mais fĂșteis, como a gramĂĄtica por exemplo, adquirem-se Ă custa de grande esforço, enquanto a opiniĂŁo se forma com grande facilidade, contribuindo tanto ou talvez mais para a felicidade. Se um homem come toucinho rançoso, de que outro nem o cheiro pode suportar, com o mesmo prazer com que comeria ambrĂłsia, que tem isso a ver com a felicidade? Se, pelo contrĂĄrio, o esturjĂŁo causa nĂĄuseas a outro, que temos nĂłs com isso? Se uma mulher, horrivelmente feia, parece aos olhos do marido semelhante a VĂ©nus, para o marido Ă© o mesmo do que se ela fosse bela.
Em louvor do grande CamÔes
Sobre os contrĂĄrios o terror e a morte
Dardeje embora Aquiles denodado,
Ou no rĂĄpido carro ensanguentado
Leve arrastos sem vida o Teuco forte:Embora o bravo MacedĂłnio corte
Coa fulminante espada o nĂł fadado,
Que eu de mais nobre estĂmulo tocado,
Nem lhe amo a glória, nem lhe invejo a sorte:Invejo-te, CamÔes, o nome honroso;
Da mente criadora o sacro lume,
Que exprime as fĂșrias de Lieu raivoso:Os ais de InĂȘs, de VĂ©nus o queixume,
As pragas do gigante proceloso,
O cĂ©u de Amor, o inferno do CiĂșme.
A Rosa
Tu, flor de Vénus,
Corada Rosa,
Leda, fragrante,
Pura, mimosa,Tu, que envergonhas
As outras flores,
Tens menos graça
Que os meus amores.Tanto ao diurno
Sol coruscante
Cede a nocturna
Lua inconstante,Quanto a MarĂlia
TĂ© na pureza
Tu, que és o mimo
Da Natureza.O buliçoso,
CĂąndido Amor
PĂŽs-lhe nas faces
Mais viva cor;Tu tens agudos
Cruéis espinhos,
Ela suaves
Brandos carinhos;Tu nĂŁo percebes
Ternos desejos,
Em vĂŁo FavĂłnio
Te dĂĄ mil beijos.MarĂlia bela
Sente, respira,
Meus doces versos
Ouve, e suspira.A mĂŁe das flores,
A Primavera,
Fica vaidosa
Quando te gera;PorĂ©m MarĂlia
No mago riso
Traz as delĂcias
Do ParaĂso.Amor que diga
Qual Ă© mais bela,
Qual Ă© mais pura,
Se tu, ou ela;Que diga VĂ©nus…
Ela aĂ vem…
Ai! Enganei-me,
Que Ă© o meu bem.
A VĂłs Seu Resplendor Deu Sol e Lua
Pelos raros extremos que mostrou
Em såbia Palas, Vénus em formosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
Ăfrica, Europa e Ăsia as adorou.Aquele saber grande que juntou
EspĂrito e corpo em liga generosa,
Esta mundana mĂĄquina lustrosa
De sĂł quatro elementos fabricou.Mas fez maior milagre a natureza
Em vĂłs, Senhoras, pondo em cada uma
O que por todas quatro repartiu.A vĂłs seu resplendor deu Sol e Lua:
A vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Ăgua vos serviu.
Diversos DÔes Reparte O Céu Benino
Diversos dÔes reparte o Céu benino,
e quer que cada ĂŒa um sĂł possua;
assi, ornou de casto peito a LĂŒa,
ornamento do assento cristalino.De graça, a Mãe fermosa do Minino,
que nessa vista tem perdido a sua;
Palas, de discrição, que imite a tua;
do valor, Juno, só de império dino.Mas junto agora o mesmo Céu derrama
em ti o mais que tinha, e foi o menos,
em respeito do Autor da natureza;que, a seu pesar, te dĂŁo, fermosa Dama,
Diana, honestidade, e graça, Vénus,
Palas o aviso seu, Juno a nobreza.
O mundo sĂł Ă© tolerĂĄvel devido aos lugares vazios que existem… quando o mundo ficar completamente cheio, teremos que tomar alguma estrela. Qualquer estrela. VĂ©nus ou Marte. E deixĂĄ-la vazia. O homem precisa de um espaço vazio nalgum lugar para que o seu espĂrito possa lĂĄ descansar.
A Guerra
Musa, pois cuidas que Ă© sal
o fel de autores perversos,
e o mundo levas a mal,
porque leste quatro versos
de HorĂĄcio e de Juvenal,Agora os verĂĄs queimar,
jĂĄ que em vĂŁo os fecho e os sumo;
e leve o volĂșvel ar,
de envolta como turvo fumo,
o teu furor de rimar.Se tu de ferir nĂŁo cessas,
que serve ser bom o intento?
Mais carapuças não teças;
que importa dĂĄ-las ao vento,
se podem achar cabeças?Tendo as såtiras por boas,
do Parnaso nos dois cumes
em hora negra revoas;
tu dĂĄs golpes nos costumes,
e cuidam que Ă© nas pessoas.Deixa esquipar Inglaterra
cem naus de alterosa popa,
deixa regar sangue a terra.
Que te importa que na Europa
haja paz ou haja guerra?Deixa que os bons e a gentalha
brigar ao Casaca vĂŁo,
e que, enquanto a turba ralha,
vĂĄ recebendo o balcĂŁo
os despojos da batalha.Que tens tu que ornada histĂłria
diga que peitos ferinos,
Classicismo
LongĂnquo descendente dos helenos
pelo espĂrito claro, a alma panteĂsta,
– amo a beleza esplĂȘndida de VĂȘnus
com uma alegria singular de artista!Amo a aventura e o belo, amo a conquista!
Nem receio os traidores e os venenos…
– Trago na alma engastada uma ametista,
– meus olhos de esmeraldas sĂŁo serenos!Com os pĂ©s na terra tenho o olhar no cĂ©u;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chĂŁo; nos lĂĄbios, tenho mel…Meu culto Ă© a liberdade e a vida sĂŁ.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mĂĄgica de PĂŁ!
Num Jardim Adornado De Verdura
Num jardim adornado de verdura,
a que esmaltam por cima vĂĄrias flores,
entrou um dia a deusa dos amores,
com a deusa da caça e da espessura.Diana tomou logo ĂŒa rosa pura,
VĂ©nus um roxo lĂrio, dos milhores;
mas excediam muito Ă s outras flores
as violas, na graça e fermosura.Perguntam a Cupido, que ali estava,
qual daquelas trĂȘs flores tomaria,
por mais suave, pura e mais fermosa?Sorrindo se, o Minino lhe tornava:
todas fermosas sĂŁo, mas eu queria
V i o l ‘a n t e s que lĂrio, nem que rosa.
As teorias de Freud estarão certas; mas o mito que fez nascer Vénus da espuma, também estå.
Que Mimoso Prazer!
1
Que mimoso prazer! Teu rosto amado
Me raiou na alma! Oh astro meu luzente!
Desfez-se em continente
O negrume cerrado,
Que me assombrava o coração aflito,
Em saudades tristĂssimas sopito.2
Bem, como quando aponta o sol radiante
Pelos ervosos cumes dos outeiros;
Fogem bruscos nevoeiros,
Da roxa luz brilhante;
Assim, mal vi teu rosto, assim fugiam
As MĂĄgoas, que de luto a alma cobriam3
Quem sempre assim de amor nos brandos laços!
Doces queixas de amor absorto ouvira!
Da idade nĂŁo sentira
O voo. Entre os teus braços
Me corte o fio, com a fouce, a Morte;
Que perco a vida, sem sentir o corte!4
Se a meiga Vénus, se o gentil Cupido
Cede a meus votos, cede Ă minha Amada:
Se esta uniĂŁo prezada
NĂŁo rompe um Nume infido…
NĂŁo dou por mais feliz o vil Mineiro
Sobre montes de sĂłrdido dinheiro.5
NĂŁo dou por mais feliz o Rei no trono
Lisonjado de CortesĂŁos astutos.
Depois de Te Haver Criado, a Natureza Pasmou
A mãe, que em berço dourado
PĂŽs teu corpo cristalino,
Ă sup’rior ao Destino,
Depois de te haver criado.
Quando Amor, o Nume alado,
Tua infĂąncia acalentou,
Quando os teus dias fadou,
Minha LĂlia, minha amada,
A mĂŁe ficou encantada,
A Natureza pasmou.Deve dar breve cuidado,
Motivar grande atenção,
A um Deus a criação,
Depois de te haver criado.
Deve de ser refinado
O engenho que ele mostrar
Desde o ponto em que criar;
Cuide nisto a omnipotĂȘncia,
Porque, ao ver a sua essĂȘncia,
A Natureza pasmou.Ao mesmo Céu não é dado
(Bem que tanto poder goza)
Criar coisa tĂŁo formosa
Depois de te haver criado.
Naquele instante dourado,
Em que teus dotes formou,
Apenas os completou,
Arengando-lhe o Destino,
Em um ĂȘxtase divino
A Natureza pasmou.O Céu nos tem outorgado
Quanto outorgar-nos podia;
O Céu que mais nos daria
Depois de te haver criado?
Ninfa, das Graças traslado,
Ninfa, de que escravo sou,
Jove em ti se enfeitiçou,
O Indiferente
Posso amar tanto louras como morenas,
A que cede Ă abundĂąncia e a que trai por pobreza,
A que busca a solidĂŁo e a que se mascara e brinca,
Aquela que o campo cultivou e a da cidade,
A que acredita, e a que hesita,
A que ainda lacrimeja com olhos esponjosos,
E a rolha seca que nunca chora.
Eu posso amar essa e esta, e tu, e tu,
Posso amar qualquer uma, desde que nĂŁo seja leal.Nenhum outro vĂcio vos satisfarĂĄ?
NĂŁo vos serĂĄ Ăștil fazer como as vossas mĂŁes?
Ou, gastos todos os velhos vĂcios, inventaram novos?
Ou atormenta-vos o medo de que os homens sejam fiéis?
Oh, não o somos, não o sejais vós também,
Deixai-me conhecer, eu e vĂłs, mais de vinte.
Roubem-me, mas nĂŁo me prendam, deixai-me ir.
Devo eu, que vim a estas dores através de vós
Tornar-me vosso fiel sĂșbdito, porque sois leais?VĂ©nus ouviu-me suspirar esta canção,
E pela maior doçura do amor, a variedade, jurou
Que a não ouvira até então, e não mais seria assim.
E foi-se,
à Tranças De Que Amor PrisÔes Me Tece
à tranças de que Amor prisÔes me tece,
Ă mĂŁos de neve, que regeis meu fado!
à tesouro! à mistério! à par sagrado,
Onde o menino alĂgero adormece!Ă ledos olhos, cuja luz parece
TĂȘnue raio de sol! Ă gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse!Ă lĂĄbios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcĂssimos favores
Talvez o prĂłprio JĂșpiter suspira!Ă perfeiçÔes! Ă dons encantadores!
De quem sois? Sois de VĂȘnus? – Ă mentira;
Sois de MarĂlia, sois dos meus amores.
Elegia dos Amantes LĂșcidos
Na girĂąndola das ĂĄrvores (e nĂŁo hĂĄ quem as detenha)
Deixa de fora a tarde o vermelho que a tinge.
Se ao menos tu ficasses na pausa que desenha
O contorno lunar da noite que te finge!Se ao menos eu gelasse uma corda do vento
para encontrar a forma exacta dum violino
Que fosse a sensibilidade deste pensamento
Com que a minha sombra vai pensando o meu destinoE nĂŁo houvesse o sono dum telhado
Entre ter de haver eu e haver o tecto;
E a eternidade nĂŁo estivesse ao lado
A colocar-nos nas costas as asas dum insectoMeu amor, meu amor, teu gesto nasce
Para partir de ti e ser ao longe
A cor duma cidade que nos pasce
Como a ausĂȘncia de deus pastando um mongeAh, se uma sĂșbita mĂŁo na hora a pique
Tangendo harpas geladas por segredos
Desprendesse uma aragem de repiques
Destes sinos parados pelo medo!Mas sĂł porque vieste fez-se tarde,
Ou Ă© a vida que nasce jĂĄ tardia
Como uma estrela que se acende e arde
Porque nĂŁo cabe na rapidez do dia?