O erudito Ă© como o corvo que alimenta os seus filhotes vomitando o que comeu. O pensador Ă© como o bicho da seda, que nĂŁo nos dĂĄ folhas de amoreira, mas seda.
Passagens sobre Bichos
85 resultadosA Gente pouco Sabe e pouco Pode
A gente pouco sabe e pouco pode. Conhece apenas duas regras de higiene (que o corpo se recusa a observar), trĂȘs de moral (que o instinto se recusa a praticar), e uma ou duas de civilidade (que sĂł a polĂcia muito limitadamente nos faz cumprir), e pode apenas o que pode um bicho solicitado por um tropismo fundamental.
O Amor em Visita
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lĂșbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marĂtimo
e o pĂŁo for invadido pelas ondas –
seu corpo arderĂĄ mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderĂĄ para mim
sobre um lençol mordido por flores com ågua.Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordÔes da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,
Alegria
De passadas tristezas, desenganos
amarguras colhidas em trinta anos,
de velhas ilusÔes,
de pequenas traiçÔes
que achei no meu caminho…,
de cada injusto mal, de cada espinho
que me deixou no peito a nĂłdoa escuraduma nova amargura…
De cada crueldade
que pĂŽs de luto a minha mocidade…
De cada injusta pena
que um dia envenenou e ainda envenena
a minha alma que foi tranquila e forte…
De cada morte
que anda a viver comigo, a minha vida,
de cada cicatriz,
eu fiz
nem tristeza, nem dor, nem nostalgia
mas herĂłica alegria.Alegria sem causa, alegria animal
que nenhum mal
pode vencer.
Doido prazer
de respirar!
VolĂșpia de encontrar
a terra honesta sob os pés descalços.Prazer de abandonar os gestos falsos,
prazer de regressar,
de respirar
honestamente e sem caprichos,
como as ervas e os bichos.
Alegria voluptuosa de trincar
frutos e de cheirar rosas.Alegria brutal e primitiva
de estar viva,
feliz ou infeliz
mas bem presa Ă raĂz.
Existir Ă© Ser PossĂvel Haver Ser
Ah, perante esta Ășnica realidade, que Ă© o mistĂ©rio,
Perante esta Ășnica realidade terrĂvel â a de haver uma realidade,
Perante este horrĂvel ser que Ă© haver ser,
Perante este abismo de existir um abismo,
Este abismo de a existĂȘncia de tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
â Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem,
Tudo o que os homens dizem,
Tudo quanto constroem, desfazem ou se constrói ou desfaz através deles,
Se empequena!
NĂŁo, nĂŁo se empequena… se transforma em outra coisa â
Numa sĂł coisa tremenda e negra e impossĂvel,
Urna coisa que estå para além dos deuses, de Deus, do Destino
âAquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino,
Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres,
Aquilo que subsiste através de todas as formas,
De todas as vidas, abstratas ou concretas,
Eternas ou contingentes,
Verdadeiras ou falsas!
Aquilo que, quando se abrangeu tudo, ainda ficou fora,
Porque quando se abrangeu tudo nĂŁo se abrangeu explicar por que Ă© um tudo,