Véspera
Amor: em teu regaço as formas sonham
o instante de existir: ainda é bem cedo
para acordar, sofrer. Nem se conhecem
os que se destruirão em teu bruxedo.Nem tu sabes, amor, que te aproximas
a passo de veludo. És tão secreto,
reticente e ardiloso, que semelhas
uma casa fugindo ao arquitecto.Que presságios circulam pelo éter,
que signos de paixão, que suspirália
hesita em consumar-se, como flúor,
se não a roça enfim tua sandália?Não queres morder célere nem forte.
Evitas o clarão aberto em susto.
Examinas cada alma. É fogo inerte?
O sacrifício há de ser lento e augusto.Então, amor, escolhes o disfarce.
Como brincas (e és sério) em cabriolas,
em risadas sem modo, pés descalços,
no círculo de luz que desenrolas!Contempla este jardim: os namorados,
dois a dois, lábio a lábio, vão seguindo
de teu capricho o hermético astrolábio,
e perseguem o sol no dia findo.E se deitam na relva; e se enlaçando
num desejo menor, ou na indecisa
procura de si mesmos,
Passagens de Carlos Drummond de Andrade
1088 resultadosO amor dinamita a ponte e manda o amante passar.
Rendo homenagem ao cão; ele late melhor do que eu.
Impossível acreditar na imortalidade das almas mesquinhas.
Eu quero um beijo na minha lua grande…
Sexo, esse minúsculo ponto feminino, em torno do qual gira a máquina do mundo.
Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã. […] Palavra, palavra (digo exasperado), se me desafias, aceito o combate.
Para cada tipo de situação política há um discurso pronto, de que se trocam as vírgulas.
A Vida Passada A Limpo
Ó esplêndida lua, debruçada
sobre Joaquim Nabuco, 81.
Tu não banhas apenas a fachada
e o quarto de dormir, prenda comum.Baixas a um vago em mim, onde nenhum
halo humano ou divino fez pousada,
e me penetras, lâmina de Ogum,
e sou uma lagoa iluminada.Tudo branco, no tempo. Que limpeza
nos resíduos e vozes e na cor
que era sinistra, e agora, flor surpresa,já não destila mágoa nem furor:
fruto de aceitação da natureza,
essa alvura de morte lembra amor.
Depois, cantou ?se mil vezes você me deixar e voltar, eu aceito?.
Escravizamo-nos a uma pessoa ou a uma idéia para fugir à escravidão a nós mesmos.
Aos Namorados do Brasil: Cegos, surdos, mudos — felizes! — são os namorados.
Todas as ambições se parecem, mesmo que se contradigam; só a desambição não tem similar.
Difícil compreender como no vasto mundo falta espaço para os pequenos.
Sentimos mais a perda de uma ilusão do que a do relógio.
Ao admitir a idéia de Deus, o homem traçou o seu próprio limite, deixando o resto à divindade, e o resto é tudo.
A natureza dá shows em forma de vulcão.
São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer a toda hora.
Se fazemos tanto esforço para achar nossas razões, como aceitar facilmente as alheias?
Ninguém repara que, ao escrever carta, está fazendo jornalismo.