Vingarmo-nos de um mal de que fomos vítimas é privarmo-nos do conforto de gritarmos contra a injustiça.
Passagens de Cesare Pavese
132 resultadosDá-se a esmola para tirar da frente o miserável que a pede.
É concebível que se mate uma pessoa para contarmos na vida dela? Então, é admissível que nos matemos para contar na nossa própria vida.
Fazer-se amar por piedade, quando o amor nasce apenas da admiração, é uma ideia muito digna de lástima.
Ou polícias ou delinquentes.
A verdadeira solidão, isto é, aquela que faz sofrer, traz consigo o desejo de matar.
O Instinto Trabalhado
Só pode inspirar a acção, servir de credo, o pensamento que se tenha tornado maquinal, instintivo. Perigo de nos analisarmos demasiadamente: as veias vivas do temperamento ficam, dessa maneira, excessivamente dilucidadas e tornadas maquinais, devido à familiaridade. O que é preciso, pelo contrário, é a arte de dar livre curso aos impulsos espirituais, deixando-os agir, mecanicamente, sob o estímulo. Há o manual do catecismo – por de mais conhecido e postiço – e o maquinal do instinto. É preciso favorecer, explorar, reconhecer e apoiar o instinto, sem lhe roubar o vigor por meio da reflexão. Mas é preciso reflectir nele, para o acompanhar na acção e substituí-lo nos momentos de surdez.
Se uma mulher não trai, é porque não lhe convém.
É estupidez entristecermo-nos pela perda de uma companhia: podíamos nunca ter encontrado essa pessoa, portanto, podemos dispensá-la.
O Constrangimento do Desejo
Para compreender o ar grave de uma mulher no meio de vários jovens, distante e desenvolta, embaraçada e constrangida, pensa no teu ar perante cinco ou seis prostitutas que te fitam e aguardam a tua escolha.
Os Práticos e os Contemplativos
Têm sentido de humor os que têm sentido prático. Quem descuida a vida, embevecido numa ingénua contemplação (e todas as contemplações são ingénuas), não vê as coisas com desprendimento, dotadas de livre, complexo e contrastante movimento, que forma a essência da sua comicidade. O típico da contemplação é, pelo contrário, determo-nos no sentimento difuso e vivaz que surge em nós ao contacto com as coisas. É aqui que reside a desculpa dos contemplativos: vivem em contacto com as coisas e, necessariamente, não lhes sentem as singularidades e características; sentem-nas, pura e simplesmente.
Os práticos – paradoxo – vivem distantes das coisas, não as sentem, mas compreendem o mecanismo que as faz funcionar. E só ri de uma coisa quem está distante dela. Aqui está, implícita, uma tragédia: habituamo-nos a uma coisa afastando-nos dela, quer dizer, perdendo o interesse. Daqui, a corrida afanosa.
Naturalmente, de um modo geral, ninguém é contemplativo ou prático de forma total, mas, como nem tudo pode ser vivido, resta sempre, mesmo aos mais experimentados, o sentimento de qualquer coisa.
Tudo o que não conseguimos realizar sós, diminui a nossa liberdade.
As únicas mulheres com quem vale a pena casar são aquelas que não são confiáveis como esposas.
É Preciso Procurar uma Só Coisa para Encontrar Muitas
Desaparecido o fervor de uma monomania, falta uma ideia central para dar significado aos momentos interiores esparsos. Em suma, quanto mais o espírito está absorvido por um humor dominante, mais a paisagem interior se enriquece e varia. É preciso procurar uma só coisa, para encontrar muitas.
O Respeito Humano é Mais Forte do que a Consciência
Todos sabemos ter pensamentos maus, mas muito raramente praticar acções más. Todos sabemos praticar boas acções, mas poucos são capazes de bons pensamentos.
O respeito humano é mais forte do que a consciência.
Tal como não pensamos nas dores dos outros, é possível não pensar nas nossas.
Dêem uma companhia ao solitário e ele falará mais do que qualquer pessoa.
O castigo de quem pratica actos contra a natureza e que, quando quiser ser natural, já não o conseguirá. A história de Jekyll e Hyde.
O ócio torna as horas lentas e os anos velozes. A actividade torna as horas rápidas e os anos lentos.
A Ira Nunca é Súbita
A ira nunca é súbita. Nasce de um longo roer precedente, que ulcerou o espírito e nele acumulou a força reactiva necessária para a explosão. Daqui resulta que um belo acesso de cólera não é, de forma alguma, sinal de uma índole franca e directa. É, pelo contrário, revelação involuntária de uma tendência para nutrir dentro de si o rancor – isto é, de um temperamento fechado, invejoso, e de um complexo de inferioridade.
O conselho de «estar em guarda contra quem nunca se irrita», significa, portanto, que – todos os homens, acumulando inevitavelmente ódio – convém ter especial cuidado com os que nunca se traem por acessos de ira. Quanto a ti, não fazes mal em ser insicero no teu remoer interior, mas em te traíres na explosão.