Eu não sou um moralista: sou um artista; o artista é um ser nefasto – que não é responsável pelas suas fantasias, nem pelas suas vinganças.
Passagens de Eça de Queirós
160 resultadosA Paisagem Faz a Raça
A paisagem faz a raça. A Holanda é uma terra pacífica e serena, porque a sua paisagem é larga, plana e abundante. A paisagem que fez o grego, era o mar, reluzente e infinito, o céu, sereno, transparente, doce, e destacando-se sob aquela imobilidade azul, um templo branco, puro, augusto, rítmico, entre a sombra que faz um grupo de oliveiras. A paisagem do romano é toda jurídica: as terras ásperas, a perder de vista, separadas por marcos de tijolo; uma grande charrua puxada por búfalos, vai passando entre os trigos; uma larga estrada lajeada, eterna, sobre a qual rolam as duas altas rodas maciças dum carro sabino; uma casa coberta de vinha branqueja ao longe, na planície. Não importa a cor do céu: o romano não olha para o céu. A raça anglo-saxónica tira a sua tenebrosa mitologia, o seu espírito inquieto, da sua paisagem escura, acidentada, desolada e romântica. É o estreito e árido aspecto do vale de Jerusalém que fez o judeu.
Quando uma civilização se abandona toda ao materialismo, e dele tira, como a nossa, todos os seus gozos e todas as suas glórias, tende sempre a julgar as civilizações alheias segundo a abundância ou a escassez do progresso material, industrial e sumptuário.
Ser espirituoso é metade de ser diplomata.
Em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a transbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre.
A inquietação pela desconfiança de que se não é suficientemente amado – é já uma das mais certas provas de que se ama um pouco, ou de que se começa a amar um pouco.
Os artistas só amam na natureza os efeitos de linha e cor; para se interessar pelo bem-estar de uma tulipa, para cuidar de que um craveiro não sofra sede, para sentir magoa de que a geada tenha queimado os primeiros rebentões das acácias – para isso só o burguês, o burguês que todas as manhãs desce ao seu quintal com um chapéu velho e um regador, e vê nas árvores e nas plantas uma outra família muda, por que ele é também responsável…
A Única Crítica é a Gargalhada
A única crítica é a gargalhada! Nós bem o sabemos: a gargalhada nem é um raciocínio, nem um sentimento; não cria nada, destrói tudo, não responde por coisa alguma. E no entanto é o único comentário do mundo político em Portugal. Um Governo decreta? gargalhada. Reprime? gargalhada. Cai? gargalhada. E sempre esta política, liberal ou opressiva, terá em redor dela, sobre ela, envolvendo-a como a palpitação de asas de uma ave monstruosa, sempre, perpetuamente, vibrante, e cruel – a gargalhada! Política querida, sê o que quiseres, toma todas as atitudes, pensa, ensina, discute, oprime – nós riremos. A tua atmosfera é de chalaça.
As datas, e só elas, dão verdadeira consistência à vida e à sorte. Um bem que nos veio no dia 17 de Agosto, que era uma quarta-feira, fica alumiando a nossa alma com uma claridade muito diferente do bem que nos sucedesse, incertamente, no tempo, sem dia e sem data.
O Espírito é a Arma da Diplomacia
Ser espirituoso é metade de ser diplomata. (…) O espírito move tudo e não responde por coisa alguma: ele é a eloquência da alegria, e o entrincheiramento das situações difíceis: salva uma crise fazendo sorrir: condensa em duas palavras a crítica de uma instituição: disfarça às vezes a fraqueza de uma opinião, acentua outras vezes a força de uma ideia: é a mais fina salvaguarda dos que não querem definir-se francamente: tira a intransigência às convicções, fazendo-lhes cócegas: substitui a razão quando não substitui a ciência, dá uma posição no mundo, e, adoptado como um sistema, derruba um império. E, sobretudo pelo indefinido que dá à conversação, ele é a arma verdadeira da diplomacia.
A arte é um resumo da natureza feito pela imaginação.
Nada facilita mais uma civilização que um bom clima.
Nada há de mais ruidoso – e que mais vivamente se saracoteie com um brilho de lantejoulas – do que a política.
As dívidas serviram, diz-se, a excitar o génio de Dickens e Balzac: não encontrando em mim um génio a excitar, vingam-se da humildade do seu papel torturando-me.
O Jornal é o Fole Incansável que Assopra a Vaidade Humana
Pelo jornal, e pela reportagem que será a sua função e a sua força, tu desenvolverás, no teu tempo e na tua terra, todos os males da Vaidade! (…) Como a reportagem hoje se exerce, menos sobre os que influem nos negócios do Mundo, ou nas direcções do pensamento , do que, como diz a Bíblia, sobre toda a «sorte e condições de gente vã», desde os jóqueis até aos assassinos, a sua indiscriminada publicidade concorre pouco para a documentação da história, e muito, prodigiosamente, escandalosamente, para a propagação das vaidades! O jornal é com efeito o fole incansável que assopra a vaidade humana, lhe irrita e lhe espalha a chama. De todos os tempos é ela, a vaidade do homem! Já sobre ela gemeu o gemebundo Salomão, e por ela se perdeu Alcibíades, talvez o maior dos Gregos. Incontestavelmente, porém, meu Bento, nunca a vaidade foi, como no nosso danado século XIX, o motor ofegante do pensamento e da conduta. Nestes estados de civilização, ruidosos e ocos, tudo deriva da vaidade, tudo tende à vaidade. E a forma nova da vaidade para o civilizado consiste em ter o seu rico nome impresso no jornal, a sua rica pessoa comentada no jornal!
Nada dá tanta ideia da constância de carácter, como a firmeza de caminhar. Uma alemã, uma inglesa, anda como pensa – direita e certa. As nossas raparigas, constantemente sentadas e aninhadas, quando têm de se pôr a pé e de marchar, gingam e rolam.
O riso é a mais antiga e mais terrível forma de crítica.
Contar histórias é uma das mais belas ocupações humanas: e a Grécia assim o compreendeu, divinizando Homero que não era mais que um sublime contador de contos da carochinha. Todas as outras ocupações humanas tendem mais ou menos a explorar o homem; só essa de contar histórias se dedica amoravelmente a entretê-lo, o que tantas vezes equivale a consolá-lo. Infelizmente, quase sempre, os contistas estragam os seus contos por os encherem de literatura, de tanta literatura que nos sufoca a vida!
Em Portugal quem emigra são os mais enérgicos e os mais rijamente decididos; e um país de fracos e de indolentes padece um prejuízo incalculável, perdendo as raras vontades firmes e os poucos braços viris.
O coração tem os seus «elans», mas a vida tem também os seus cerimoniais.