O processo de criação não é transparente. Em determinados momentos qualquer coisa em mim – um ritmo, um marulhar de sílabas, imagens – me leva a procurar o papel. De que parte de mim isto vem não sei, é uma necessidade do espírito que subitamente procura tomar expressão.
Frases de Eugénio de Andrade
48 resultadosA solidão não é forçosamente negativa, pelo contrário, até me parece um privilégio. Talvez a minha solidão seja excessiva, mas eu detestei sempre as coisas mundanas. Estar com as pessoas apenas para gastar as horas é-me insuportável.
O silêncio é a minha maior tentação. As palavras, esse vício ocidental, estão gastas, envelhecidas, envilecidas. Fatigam, exasperam. E mentem, separam, ferem. Também apaziguam, é certo, mas é tão raro! Por cada palavra que chega até nós, ainda quente das entranhas do ser, quanta baba nos escorre em cima a fingir de música suprema! A plenitude do silêncio só os orientais a conhecem.
Não há arte sem tradição, mesmo a transgressão já tem a sua.
Em toda a obra de criação há um fio condutor, nem sempre facilmente discernível, que lhe dá unidade – um fio discreto ou evidente, da maior importância, pois é um dos sinais da sua autenticidade.
A independência tem um preço, sempre o soube, e nunca me recusei a pagá-lo.
O mundo é conduzido por loucos e ambiciosos, que só têm em mira o êxito e o lucro, estão-se nas tintas para as preocupações dos poetas, que são, como toda a gente sabe, seres da utopia, essa utopia sem a qual não há progresso.
Nem sempre os livros de que as crianças gostam foram escritos para elas, e os livros que em sua intenção se escrevem raramente interessam às crianças ou aos adultos. As crianças merecem mais que poesia requentada.
Caridade é uma palavra de flancos frios e águas estanques. Conduz sem grandes desvios ao mundo pantanoso e pervertido da repressão, onde a consciência que se diz virtuosa mais não faz que servi-lo, desinteressada como está em que a potencialidade humana se afirme em todo o seu esplendor.
Levar-te à boca, beber a água mais funda do teu ser – se a luz é tanta, como se pode morrer?
Todas as casas onde há livros e quadros e discos são bonitas. E são feias todas as casas, por mais luxuosas, onde faltem essas coisas.
A infância, no poeta, jamais se extingue. Talvez por isso eles sejam tão vulneráveis, os poetas.
Uma palavra é como a nota que procura outras para um acorde perfeito.
Havia uma palavra no escuro. Minúscula. Ignorada. Martelava no escuro. Martelava no chão da água. Do fundo do tempo, martelava. contra o muro. Uma palavra. No escuro. Que me chamava.
Quando se é muito jovem é quase impossível não ser pretensioso.
As palavras são a nossa condenação. Com palavras se ama, com palavras se odeia. E, suprema irrisão, ama-se e odeia-se com as mesmas palavras!
Nenhum poeta autêntico (e a expressão é pleonástica), pode aceitar, como regra de jogo, agradar; pelo contrário.
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade.
Sou solitário por natureza. No nosso tempo, onde a promiscuidade começa na família, apenas a solidão nos permite ser semelhante ao pássaro de S. João da Cruz: nos cimos cantar sem alvoroço, virado para onde sopra o espírito da terra.
É raro que os poetas da nossa adolescência sejam os da nossa maturidade.