Frases sobre Lugares de Mia Couto

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Frases de lugares de Mia Couto. As mais belas frases e mensagens de Mia Couto para ler e compartilhar.

Quando me pergunto porque escrevo eu respondo: para me familiarizar com os deuses que eu não tenho. Os meus antepassados estão enterrados em outro lugar distante, algures no Norte de Portugal. Eu não partilho de sua intimidade e, mais grave ainda, eles me desconhecem inteiramente. As duas partes de mim exigiam um médium, um tradutor. A poesia veio em meu socorro para criar essa ponte entre dois mundos. E a cidade, a minha casa, a minha família: esses foram os aconchegos em que a poesia em mim nasceu.

Os espíritos não vêm de nenhum lugar. São como a água: estão dentro de nós.

A cidade não é um lugar. É a moldura de uma vida. A moldura à procura de retrato, é isso que eu vejo quando revisito o meu lugar de nascimento. Não são ruas, não são casas. O que revejo é um tempo, o que escuto é a fala desse tempo. Um dialecto chamado memória, numa nação chamada infância.

Não podemos mendigar ao mundo uma outra imagem. Não podemos insistir numa atitude apelativa. A nossa única saída é continuar o difícil e longo caminho de conquistar um lugar digno para nós e para a nossa pátria. E esse lugar só pode resultar da nossa própria criação.

Existem várias formas de pobreza. E há, entre todas, uma que escapa às estatísticas e aos indicadores numéricos: é a penúria da nossa reflexão sobre nós mesmos. Falo da dificuldade de nos pensarmos como sujeitos históricos, como lugar de partida e como destino de um sonho.

Só há um modo de escapar de um lugar: é sairmos de nós. Só há um modo de sairmos de nós: é amarmos alguém.

A prisão é um lugar onde se dorme muito e o sonho substitui o viver. É a única coisa que o sistema não pode encarcerar: os sonhos.

Todos necessitamos certezas que não se esbatem, lugares incólumes à voragem do tempo.

Sofro, afinal, a doença da poesia: sonho lugares em que nunca estive, acredito só no que não se pode provar.

Eu quero a paz de pertencer a um só lugar, eu quero a tranquilidade de não dividir memórias. Ser todo de uma vida. E assim ter a certeza que morro de uma só única vez. Custa-me ir cumprindo tantas pequenas mortes, essas que apenas nós notamos, na íntima obscuridade de nós.

A viagem acontece quando acordamos fora do corpo, longe do último lugar onde podemos ter casa.

Antigamente o mato, tão vazio de gente, me fazia medo. Pensava, só podia viver nas pessoas, vizinho de gente. Agora, penso o contrário. Já quero voltar no lugar dos bichos. Tenho saudades de ser ninguém.