A madeira para tua casa corta-se em Janeiro.
Passagens sobre Janeiro
38 resultadosOs Treze Anos
(Cantilena)
Já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro:
Madrinha, casai-me
com Pedro Gaiteiro.Já sou mulherzinha,
já trago sombreiro,
já bailo ao domingo
com as mais no terreiro.Já não sou Anita,
como era primeiro;
sou a Senhora Ana,
que mora no outeiro.Nos serões já canto,
nas feiras já feiro,
já não me dá beijos
qualquer passageiro.Quando levo as patas,
e as deito ao ribeiro,
olho tudo à roda,
de cima do outeiro.E só se não vejo
ninguém pelo arneiro,
me banho co’as patas
Ao pé do salgueiro.Miro-me nas águas,
rostinho trigueiro,
que mata de amores
a muito vaqueiro.Miro-me, olhos pretos
e um riso fagueiro,
que diz a cantiga
que são cativeiro.Em tudo, madrinha,
já por derradeiro
me vejo mui outra
da que era primeiro.O meu gibão largo,
de arminho e cordeiro,
já o dei à neta
do Brás cabaneiro,dizendo-lhe: «Toma
gibão,
Em Janeiro, de casa companheiro.
Sol de Janeiro, atrás do outeiro.
A chuva de Janeiro enche o celeiro.
Amar até Sempre
A Maria João e eu vivemos juntos, todos os dias, a não ser os poucos (mais do que quarenta) em que os hospitais nos desinstalaram, desde o primeiro dia de Janeiro do ano 2000.
Mas, mesmo que conte só a data do casamento – no dia 30 deste mês, uma sexta-feira, alcançaremos 11 anos de casamento – acho que prescindimos alegremente de qualquer crise. O meu amor por ela é cada vez maior. O amor dela por mim, de tanto ser amada, começa a ser uma possibilidade. Foram só menos de quatro mil dias – uma pequena parte das nossas vidas – mas foram quatro mil dias de amor, felicidade ou medo de não ser amado, mais a sorte de ter sido. Uma eternidade.
Assim aconselho os amantes e os apaixonados: a primeira coisa a reter, sejam quais forem as primeiras e segundas reacções das pessoas amadas, é que se está a espalhar e visitar uma sorte amorosa sobre elas. Não é uma questão de amor. É uma questão de tempo. Esperar e não reparar é fundamental. Para quem ama, amanhã, por muito improvável que seja, é melhor do que ontem. Mas hoje pode ser, quando se tem sorte,
Em Janeiro, sete capelos a um sombreiro.
Par Constante
Dia dois… uma festa… Era o mês de janeiro…
Festa da minha vida… A noite azul, brilhante…
Chegaste… E eu fui teu par… fui o teu par primeiro…
Dançamos… (como é bom lembrar aquele instante!)Tu, tão linda, nem sei… Eu, feliz, petulante,
um pouco petulante, sim… mas cavalheiro…
Dançamos toda a noite… E fui teu par constante…
Nem só teu par constante… Eu fui teu par primeiro…Quantas cousas te disse… E assim juntos, os dois,
com os meus olhos nos teus – afinal, quem diria
o mundo que ainda havia de surgir depois?Quem diria ao nos ver, talvez, aquele instante,
que o nosso par feliz, constante aquele dia,
seria a vida inteira e sempre um par constante!
Por esse intrincado labirinto de ruas e bibocas é que vive uma grande parte da população da cidade, a cuja existência o governo fecha os olhos, embora lhe cobre atrozes impostos, empregados em obras inúteis e suntuárias noutros pontos do Rio de Janeiro.
Bodião em Janeiro vale um carneiro.
A Bicicleta pela Lua Dentro – Mãe, Mãe
A bicicleta pela lua dentro – mãe, mãe –
ouvi dizer toda a neve.
As árvores crescem nos satélites.
Que hei-de fazer senão sonhar
ao contrário quando novembro empunha –
mãe, mãe – as tellhas dos seus frutos?
As nuvens, aviões, mercúrio.
Novembro – mãe – com as suas praças
descascadas.A neve sobre os frutos – filho, filho.
Janeiro com outono sonha então.
Canta nesse espanto – meu filho – os satélites
sonham pela lua dentro na sua bicicleta.
Ouvi dizer novembro.
As praças estão resplendentes.
As grandes letras descascadas: é novo o alfabeto.
Aviões passam no teu nome –
minha mãe, minha máquina –
mercúrio (ouvi dizer) está cheio de neve.Avança, memória, com a tua bicicleta.
Sonhando, as árvores crescem ao contrário.
Apresento-te novembro: avião
limpo como um alfabeto. E as praças
dão a sua neve descascada.
Mãe, mãe — como janeiro resplende
nos satélites. Filho — é a tua memória.E as letras estão em ti, abertas
pela neve dentro. Como árvores, aviões
sonham ao contrário.
Pardal em Janeiro vale por um carneiro.
Gazel da Lembrança de Amor
Tua lembrança não leves.
Deixa-a sozinha em meu peito,tremor de alva cerejeira
no martírio de janeiro.Dos que morreram separa-me
um muro de sonhos maus.Dou pena de lírio fresco
para um coração de gesso.A noite inteira, no horto,
meus olhos, como dois cães.A noite inteira, correndo
os marmelos de veneno.Algumas vezes o vento
uma tulipa é de medo,é uma tulipa enferma
a madrugada de inverno.Um muro de sonhos maus
me afasta dos que morreram.A névoa cobre em silêncio
o vale gris de teu corpo.Pelo arco do encontro
a cicuta está crescendo.Mas deixa tua lembrança,
deixa-a sozinha em meu peito.Tradução de Oscar Mendes
Sábado é a Rosa da Semana
Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço; sábado ao vento é a rosa da semana; sábado de manhã, a abelha no quintal, e o vento: uma picada, o rosto inchado, sangue e mel, aguilhão em mim perdido: outras abelhas farejarão e no outro sábado de manhã vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas. No sábado é que as formigas subiam pela pedra. Foi num sábado que vi um homem sentado na sombra da calçada comendo de uma cuia de carne-seca e pirão; nós já tínhamos tomado banho. De tarde a campainha inaugurava ao vento a matinê de cinema: ao vento sábado era a rosa de nossa semana. Se chovia só eu sabia que era sábado; uma rosa molhada, não é? No Rio de Janeiro, quando se pensa que a semana vai morrer, com grande esforço metálico a semana se abre em rosa: o carro freia de súbito e, antes do vento espantado poder recomeçar, vejo que é sábado de tarde. Tem sido sábado, mas já não me perguntam mais. Mas já peguei as minhas coisas e fui para domingo de manhã.
As Putas da Avenida
Eu vi gelar as putas da Avenida
ao griso de Janeiro e tive pena
do que elas chamam em jargão a vida
com um requebro triste de açucenavi-as às duas e às três falando
como se fala antes de entrar em cena
o gesto já compondo à voz de mando
do director fatal que lhes ordenaessa pose de flor recém-cortada
que para as mais batidas não é nada
senão fingirem lírios da Lorenamas a todas o griso ia aturdindo
e eu que do trabalho vinha vindo
calçando as luvas senti tanta pena
Não sei se me explico bem, nem é preciso dizer melhor para o fogo a que lançarei um dia estas folhas de solitário. [Memorial de Áires – 25 de janeiro]
Em Janeiro, busca parceiro.
A Meu Pai Morto
Madrugada de Treze de janeiro.
Rezo, sonhando, o ofício da agonia.
Meu Pai nessa hora junto a mim morria
Sem um gemido, assim como um cordeiro!E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!
Quando acordei, cuidei que ele dormia,
E disse à minha Mãe que me dizia:
“Acorda-o”! deixa-o, Mãe, dormir primeiro!E saí para ver a Natureza!
Em tudo o mesmo abismo de beleza,
Nem uma névoa no estrelado véu…Mas pareceu-me, entre as estrelas flóreas,
Como Elias, num carro azul de glórias,
Ver a alma de meu Pai subindo ao Céu!
A galinha de Janeiro vai pôr com sua mãe ao colmeiro (poleiro).
Em Janeiro deixa a fonte e vai ao ribeiro.