Passagens de Luís de CamÔes

351 resultados
Frases, pensamentos e outras passagens de Luís de CamÔes para ler e compartilhar. Os melhores escritores estão em Poetris.

CĂĄ nesta BabilĂłnia

CĂĄ nesta BabilĂłnia, donde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
CĂĄ, onde o puro Amor nĂŁo tem valia,
Que a MĂŁe, que manda mais, tudo profana;

CĂĄ, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
CĂĄ, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vĂŁo a Deus engana;

CĂĄ, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vĂŁo
Às portas da Cobiça e da Vileza;

CĂĄ, neste escuro caos de confusĂŁo,
Cumprindo o curso estou da natureza.
VĂȘ se me esquecerei de ti, SiĂŁo!

O bem que aqui se alcança
NĂŁo dura por possante nem por forte;
Que a bem-aventurança,
DurĂĄvel de outra sorte,
Se hå-de alcançar na vida pera a morte.

O tempo acaba o ano, o mĂȘs e a hora

O tempo acaba o ano, o mĂȘs e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;

O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidĂŁo, qualquer dureza;
Mas nĂŁo pode acabar minha tristeza,
Enquanto nĂŁo quiserdes vĂłs, Senhora.

O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.

Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.

Ditosa Ave

Quem fosse acompanhando juntamente
Por esses verdes campos a avezinha,
Que despois de perder um bem que tinha,
NĂŁo sabe mais que cousa Ă© ser contente!

E quem fosse apartando-se da gente,
Ela por companheira e por vizinha,
Me ajudasse a chorar a pena minha,
E eu a ela também a que ela sente!

Ditosa ave! que ao menos, se a natura
A seu primeiro bem nĂŁo dĂĄ segundo,
DĂĄ-lhe o ser triste a seu contentamento.

Mas triste quem de longe quis ventura
Que para respirar lhe falte o vento,
E para tudo, enfim, lhe falte o mundo!

Enquanto Quis Fortuna Que Tivesse

Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juĂ­zo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos nĂŁo dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes
num breve livro casos tĂŁo diversos,

verdades puras sĂŁo, e nĂŁo defeitos…
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos!

NĂĄiades, VĂłs que os Rios Habitais

NĂĄiades, vĂłs que os rios habitais
Que os saudosos campos vĂŁo regando,
De meus olhos vereis estar manando
Outros que quase aos vossos sĂŁo iguais.

DrĂ­ades, que com seta sempre andais
Os fugitivos cervos derribando,
Outros olhos vereis, que triunfando
Derribam coraçÔes, que valem mais.

Deixai logo as aljavas e ĂĄguas frias,
E vinde, Ninfas belas, se quereis,
A ver como de uns olhos nascem mĂĄgoas.

Notareis como em vĂŁo passam os dias;
Mas em vĂŁo nĂŁo vireis, porque achareis
Nos seus as setas, e nos meus as ĂĄguas.

Cantando Estava Um Dia Bem Seguro Quando

Cantando estava um dia bem seguro quando,
passando, SĂ­lvio me dizia
(SĂ­lvio, pastor antigo, que sabia
pelo canto das aves o futuro):

-Méris, quando quiser o fado escuro,
oprimir-te virĂŁo em um sĂł dia
dous lobos; logo a voz e a melodia
te fugirĂŁo, e o som suave e puro.

Bem foi assi: porque um me degolou
quanto gado vacum pastava e tinha,
de que grandes soldadas esperava;

E outro por meu dano me matou
a cordeira gentil que eu tanto amava,
perpétua saudade da alma minha!

Se, Despois D’esperança TĂŁo Perdida

Se, despois d’esperança tĂŁo perdida,
Amor pola ventura consentisse
que inda algĂŒ’hora breve alegre visse
de quantas tristes viu tĂŁo longa vida;

ĂŒ’alma jĂĄ tĂŁo fraca e tĂŁo caĂ­da,
por mais alto que a sorte me subisse,
nĂŁo tenho para mim que consentisse
alegria tĂŁo tarde consentida.

NĂŁo tĂŁo somente Amor me nĂŁo mostrou
um’hora em que vivesse alegremente,
de quantas nesta vida me negou;

mas inda tanta pena me consente,
que co contentamento me tirou
o gosto de algĂŒ’hora ser contente.

NĂŁo se Diz ao Triste que se Alegre

Pouco sabe da tristeza quem, sem remĂ©dio para ela, diz ao triste que se alegre; pois nĂŁo vĂȘ que alheios contentamentos a um coração descontente, nĂŁo lhe remediando o que sente, lhe dobram o que padece. VĂłs, se vem Ă  mĂŁo, esperĂĄreis de mim palavrinhas joeiradas, enforcadas de bons propĂłsitos. Pois desenganai-vos, que, desde que professei tristeza, nunca mais soube jogar a outro fito. E, porque nĂŁo digais que sou gente fora do meu bairro, vedes, vai uma volta feita a este mote, que escolhi na manada dos enjeitados; e cuido que nĂŁo Ă© tĂŁo dedo queimado que nĂŁo seja dos que el-rei mandou chamar; o qual fala assim:

NĂŁo quero e nĂŁo quero
jubĂŁo amarelo.

Se de negro for
também me parece
quanto me aborrece
toda a alegre cor:
cor que mostra dor,
quero e nĂŁo quero
jubĂŁo amarelo.

Parece-vos que se pode dizer mais ? NĂŁo me respondais: «Quem gabarĂĄ a noiva?» Porque assentai que foi comendo e fazendo, ou assoprando, que nĂŁo Ă© tĂŁo pequena habilidade. E, porque vos nĂŁo pareça que foi mais acertar que querĂȘ-lo fazer, vedes, vai outra do mesmo jaez,

Continue lendo…

Imagens sĂŁo adonde Amor se Adora

Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juĂ­zo sossegado,
Se o Menino, que de olhos Ă© privado,
Nas Meninas dos vossos olhos mora?

Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que vivo lume, e o rosto delicado,
Imagens sĂŁo adonde Amor se adora.

Quem vĂȘ que em branca neve nascem rosas
Que crespos fios de ouro vĂŁo cercando?
Se por entre esta luz a vista passa,

Raios de ouro verĂĄ, que as duvidosas
Almas estĂŁo no peito traspassando,
Assim como um cristal o Sol traspassa.

Em PrisÔes Baixas Fui Um Tempo Atado

Em prisÔes baixas fui um tempo atado,
vergonhoso castigo de meus erros;
inda agora arrojando levo os ferros
que a Morte, a meu pesar, tem jĂĄ quebrado.

Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
que Amor nĂŁo quer cordeiros, nem bezerros;
vi mågoas, vi misérias, vi desterros:
parece me que estava assi ordenado.

Contentei me com pouco, conhecendo
que era o contentamento vergonhoso,
sĂł por ver que cousa era viver ledo.

Mas minha estrela, que eu jĂĄ’gora entendo,
a Morte cega, e o Caso duvidoso,
me fizeram de gostos haver medo.

Que desculpas comigo sĂł buscava,
Quando o suave Amor me nĂŁo sofria
Culpa na cousa amada, e tĂŁo amada!

Doces Águas E Claras Do Mondego

Doces ĂĄguas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo apĂłs si me trouxe cego;

de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.

Bem pudera Fortuna este instrumento
d’alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;

mas alma, que de cĂĄ vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vĂłs, ĂĄguas, voa, e em vĂłs se banha.

Contigo em toda parte me hĂĄs-de achar;
Que a chama que me abrasa Ă© de tal fogo,
Que, enquanto eu vivo for, hĂĄ-de durar.

Se De Vosso Fermoso E Lindo Gesto

Se de vosso fermoso e lindo gesto
nasceram lindas flores para os olhos,
que para o peito sĂŁo duros abrolhos,
em mim se vĂȘ mui claro e manifesto:

pois vossa fermosura e vulto honesto
em os ver, de boninas vi mil molhos;
mas se meu coração tivera antolhos,
nĂŁo vira em vĂłs seu dano o mal funesto.

Um mal visto por bem, um bem tristonho,
que me traz elevado o pensamento
em mil, porém diversas, fantasias,

nas quais eu sempre ando, e sempre sonho;
e vĂłs nĂŁo cuidais mais que em meu tormento,
em que fundais as vossas alegrias.