Passagens de Luís de Camões

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Não se Diz ao Triste que se Alegre

Pouco sabe da tristeza quem, sem remédio para ela, diz ao triste que se alegre; pois não vê que alheios contentamentos a um coração descontente, não lhe remediando o que sente, lhe dobram o que padece. Vós, se vem à mão, esperáreis de mim palavrinhas joeiradas, enforcadas de bons propósitos. Pois desenganai-vos, que, desde que professei tristeza, nunca mais soube jogar a outro fito. E, porque não digais que sou gente fora do meu bairro, vedes, vai uma volta feita a este mote, que escolhi na manada dos enjeitados; e cuido que não é tão dedo queimado que não seja dos que el-rei mandou chamar; o qual fala assim:

Não quero e não quero
jubão amarelo.

Se de negro for
também me parece
quanto me aborrece
toda a alegre cor:
cor que mostra dor,
quero e não quero
jubão amarelo.

Parece-vos que se pode dizer mais ? Não me respondais: «Quem gabará a noiva?» Porque assentai que foi comendo e fazendo, ou assoprando, que não é tão pequena habilidade. E, porque vos não pareça que foi mais acertar que querê-lo fazer, vedes, vai outra do mesmo jaez,

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Imagens são adonde Amor se Adora

Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juízo sossegado,
Se o Menino, que de olhos é privado,
Nas Meninas dos vossos olhos mora?

Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que vivo lume, e o rosto delicado,
Imagens são adonde Amor se adora.

Quem vê que em branca neve nascem rosas
Que crespos fios de ouro vão cercando?
Se por entre esta luz a vista passa,

Raios de ouro verá, que as duvidosas
Almas estão no peito traspassando,
Assim como um cristal o Sol traspassa.

Em Prisões Baixas Fui Um Tempo Atado

Em prisões baixas fui um tempo atado,
vergonhoso castigo de meus erros;
inda agora arrojando levo os ferros
que a Morte, a meu pesar, tem já quebrado.

Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
que Amor não quer cordeiros, nem bezerros;
vi mágoas, vi misérias, vi desterros:
parece me que estava assi ordenado.

Contentei me com pouco, conhecendo
que era o contentamento vergonhoso,
só por ver que cousa era viver ledo.

Mas minha estrela, que eu já’gora entendo,
a Morte cega, e o Caso duvidoso,
me fizeram de gostos haver medo.

Que desculpas comigo só buscava,
Quando o suave Amor me não sofria
Culpa na cousa amada, e tão amada!

Doces Águas E Claras Do Mondego

Doces águas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego;

de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.

Bem pudera Fortuna este instrumento
d’alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;

mas alma, que de cá vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vós, águas, voa, e em vós se banha.

Contigo em toda parte me hás-de achar;
Que a chama que me abrasa é de tal fogo,
Que, enquanto eu vivo for, há-de durar.

Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.

Se De Vosso Fermoso E Lindo Gesto

Se de vosso fermoso e lindo gesto
nasceram lindas flores para os olhos,
que para o peito são duros abrolhos,
em mim se vê mui claro e manifesto:

pois vossa fermosura e vulto honesto
em os ver, de boninas vi mil molhos;
mas se meu coração tivera antolhos,
não vira em vós seu dano o mal funesto.

Um mal visto por bem, um bem tristonho,
que me traz elevado o pensamento
em mil, porém diversas, fantasias,

nas quais eu sempre ando, e sempre sonho;
e vós não cuidais mais que em meu tormento,
em que fundais as vossas alegrias.

A Mudança de Lugar não Muda a Dor do Sentimento

Quão mal está no caso quem cuida que a mudança de lugar muda a dor do sentimento! E, se não, diga-o quien dijo que la ausencia causa olvido. Porque, enfim, la tierra queda, e, o mais, a alma acompanha. Ao alvo destes cuidados jogam meus pensamentos à barreira, tendo-me já, pelo costume, tão contente, de triste, que triste me faria ser contente; porque o longo uso dos anos se converte em natureza. Pois o que é para maior mal, tenho eu para maior bem. Ainda que, para viver no mundo, uso um outro pano, para não parecer coruja entre pardais, fazendo-me um para ser outro, sendo outro para ser um; mas a dor dissimulada dará seu fruto, que a tristeza no coração é como a traça no pano.

E por tão triste me tenho
que, se sentisse alegria,
de triste, não viveria.
Porque a tal sorte vim
que não vejo bem algum
em quanto vejo,
que não nasceu para mim;
e por não sentir nenhum,
nenhum desejo.

Porque, coisas impossíveis, é melhor esquecê-las que desejá-las. E, por isso

Só tristeza ver queria,
pois minha ventura quer
que só ela conheça por alegria,

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Converteu-se-me em Noite o Claro Dia

Apolo e as nove Musas, descantando
Com a dourada lira, me influíam
Na suave harmonia que faziam,
Quando tomei a pena, começando:

Ditoso seja o dia e hora, quando
Tão delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
Estar-se em seu desejo traspassando!

Assim cantava, quando Amor virou
A roda à esperança, que corria
Tão ligeira, que quase era invisível.

Converteu-se-me em noite o claro dia;
E, se alguma esperança me ficou,
Será de maior mal, se for possível.

Mais Há-de Perder quem Mais Alcança

De vós me parto, ó vida, e em tal mudança
Sinto vivo da morte o sentimento.
Não sei para que é ter contentamento,
Se mais há-de perder quem mais alcança!

Mas dou-vos esta firme segurança:
Que, posto que me mate o meu tormento,
Pelas águas do eterno esquecimento
Segura passará minha lembrança.

Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
Que com cousa outra alguma se contentem:
Antes os esqueçais, que vos esqueçam.

Antes nesta lembrança se atormentem,
Que com esquecimento desmereçam
A glória que em sofrer tal pena sentem.

Que o de que vive o mundo são mudanças.
Mudai, pois, o sentido e o cuidado.
Somente amando aquelas esperanças
Que duram para sempre com o amado.

Em Fermosa Leteia Se Confia

Em fermosa Leteia se confia,
por onde vaidade tanta alcança,
que, tornada em soberba a confiança,
com os deuses celestes competia.

Porque não fosse avante esta ousadia
(que nascem muitos erros da tardança),
em efeito puseram a vingança,
que tamanha doudice merecia.

Mas Oleno, perdido por Leteia,
não lhe sofrendo Amor que suportasse
castigo duro tanta fermosura,

quis padecer em si a pena alheia;
mas, porque a morte Amor não apartasse,
ambos tornados são em pedra dura.

Já A Saudosa Aurora Destoucava

Já a saudosa Aurora destoucava
os seus cabelos d’ouro delicados,
e as flores, nos campos esmaltados,
do cristalino orvalho borrifava;

quando o fermoso gado se espalhava
de Sílvio e de Laurente pelos prados;
pastores ambos, e ambos apartados,
de quem o mesmo Amor não se apartava.

Com verdadeiras lágrimas, Laurente,
-Não sei (dizia) ó Ninfa delicada,
porque não morre já quem vive ausente,

pois a vida sem ti não presta nada?
Responde Sílvio:-Amor não o consente,
que ofende as esperanças da tornada.

De Amor está sujeito
Tudo quanto possue a redondeza;
Nada sem este afeito se gerou.

Amor é um brando afeito
Que Deus no mundo pôs e a Natureza
Pera aumentar as cousas que criou.

A Morte, Que Da Vida O Nó Desata

A Morte, que da vida o nó desata,
os nós, que dá o Amor, cortar quisera
na Ausência, que é contr’ ele espada fera,
e co Tempo, que tudo desbarata.

Duas contrárias, que üa a outra mata,
a Morte contra o Amor ajunta e altera:
üa é Razão contra a Fortuna austera,
outra, contra a Razão, Fortuna ingrata.

Mas mostre a sua imperial potência
a Morte em apartar dum corpo a alma,
duas num corpo o Amor ajunte e una;

porque assi leve triunfante a palma,
Amor da Morte, apesar da Ausência,
do Tempo, da Razão e da Fortuna.

Tomou-me vossa vista soberana

Tomou-me vossa vista soberana
Aonde tinha as armas mais à mão,
Por mostrar que quem busca defensão
Contra esses belos olhos, que se engana.

Por ficar da vitória mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razão;
Cuidei de me salvar, mas foi em vão,
Que contra o Céu não vale defensa humana.

Mas porém, se vos tinha prometido
O vosso alto destino esta vitória,
Ser-vos tudo bem pouco está sabido.

Que posto que estivesse apercebido,
Não levais de vencer-me grande glória;
Maior a levo eu de ser vencido.