Passagens de Luís de Camões

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De Quantas Graças Tinha, A Natureza

De quantas graças tinha, a Natureza
fez um belo e riquĂ­ssimo tesouro;
e com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.

PĂ´s na boca os rubis, e na pureza
do belo rostro as rosas, por quem mouro;
no cabelo o valor do metal louro;
no peito a neve em que a alma tenho acesa.

Mas nos olhos mostrou quanto podia,
e fez deles um sol, onde se apura
a luz mais clara que a do claro dia.

Enfim, Senhora, em vossa compostura
ela a apurar chegou quanto sabia
de ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.

Vencido está de amor

Vencido está de amor Meu pensamento
O mais que pode ser Vencida a vida,
Sujeita a vos servir e InstituĂ­da,
Oferecendo tudo A vosso intento.

Contente deste bem, Louva o momento
Outra vez renovar TĂŁo bem perdida;
A causa que me guia A tal ferida,
Ou hora em que se viu Seu perdimento.

Mil vezes desejando Está segura
Com essa pretensĂŁo Nesta empresa,
TĂŁo estranha, tĂŁo doce, Honrosa e alta

Voltando sĂł por vĂłs Outra ventura,
Jurando nĂŁo seguir Rara firmeza,
Sem ser no vosso amor Achado em falta.

Eu cantarei de amor tão docemente, Por uns termos em si tão concertados, Que dois mil acidentes namorados Faça sentir ao peito que não sente

Dizei, Senhora, Da Beleza Ideia:

Dizei, Senhora, da Beleza ideia:
para fazerdes esse áureo crino,
onde fostes buscar esse ouro fino?
de que escondida mina ou de que veia?

Dos vossos olhos essa luz Febeia,
esse respeito, de um império dino?
Se o alcançastes com saber divino,
se com encantamentos de Medeia?

De que escondidas conchas escolhestes
as perlas preciosas orientais
que, falando, mostrais no doce riso?

Pois vos formastes tal, como quisestes,
vigiai-vos de vĂłs, nĂŁo vos vejais,
fugi das fontes: lembre-vos Narciso.

O Mágico Veneno

Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quĂŞ; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravĂ­ssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
IndĂ­cio da alma, limpo e gracioso;

Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;

Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pĂ´de transformar meu pensamento.

Esforço Grande, Igual Ao Pensamento;

Esforço grande, igual ao pensamento;
pensamentos em obras divulgados,
e nĂŁo em peito timido encerrados
e desfeitos despois em chuva e vento;

animo da cobiça baixa isento,
dino por isso sĂł de altos estados,
fero açoute dos nunca bem domados
povos do Malabar sanguinolento;

gentileza de membros corporais,
ornados de pudica continĂŞncia,
obra por certo rara de natura:

estas virtudes e outras muitas mais,
dinas todas da homérica eloquência,
jazem debaixo desta sepultura

O dia em que nasci moura e pereça,

O dia em que nasci moura e pereça,
NĂŁo o queira jamais o tempo dar;
NĂŁo torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.

A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.

Ă“ gente temerosa, nĂŁo te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!

Foi Já Num Tempo Doce Cousa Amar

Foi já num tempo doce cousa amar,
enquanto m’enganava a esperança;
O coração, com esta confiança,
todo se desfazia em desejar.

Ó vão, caduco e débil esperar!
Como se desengana üa mudança!
Que, quanto é mor a bem aventurança,
tanto menos se crê que há de durar!

Quem já se viu contente e prosperado,
vendo se em breve tempo em pena tanta,
razĂŁo tem de viver bem magoado.

Porém quem tem o mundo exprimentado,
nĂŁo o magoa a pena nem o espanta,
que mal se estranhará o costumado.

Despois Que Quis Amor Que Eu SĂł Passasse

Despois que quis Amor que eu sĂł passasse
quanto mal já por muitos repartiu,
entregou me Ă  Fortuna, porque viu
que nĂŁo tinha mais mal que em mim mostrasse.

Ela, porque do Amor se avantajasse
no tormento que o Céu me permitiu,
o que para ninguém se consentiu,
para mim sĂł mandou que se inventasse.

Eis me aqui vou com vário som gritando,
copioso exemplário para a gente
que destes dous tiranos Ă© sujeita,

desvarios em versos concertando.
Triste quem seu descanso tanto estreita,
que deste tão pequeno está contente!

Vi já que a Primavera, de contente,
De mil cores alegres, revestia
O monte, o rio, o campo, alegremente.