Creio que nesse tempo já tinha percebido que ninguém responde realmente às perguntas.
Passagens de Patrick Modiano
34 resultadosLeva um longo tempo para que surja à luz do dia aquilo que foi apagado.
Concentra-se apenas nas coisas triviais: moda, literatura, cinema, concertos musicais.
Num romance, basta eliminarmos duas ou três palavras numa página para que tudo mude.
Uma impressão passou por mim, como esses fragmentos de sonhos fugitivos que tentam sair do sonho a fim de nos revelar o sonho inteiro.
Tudo isso era a nossa juventude, a manhã profunda à qual nós nunca mais iremos retornar.
Existem seres misteriosos, sempre os mesmos, que se mantêm de sentinela em cada encruzilhada das nossas vidas.
Na vida, não é o futuro que conta, é o passado.
Os homens morrem com os seus segredos.
Eu creio que para se fazer uma obra literária temos simplesmente que sonhar a nossa própria vida – um sonho onde a imaginação e a memória se confundam.
O negócio autobiográfico resulta muitas vezes em grandes imprecisões, pois muitas vezes pecamos por omissão, intencional ou não.
Ele aproveitou a desordem e noite. Num mundo que ia à deriva, ele sentia-se perfeitamente confortável.
Em vez de estarmos constantemente a submeter os outros a um interrogatório, seria melhor as tomarmos no silêncio tal como elas são.
Se habitarmos perto de uma estação de comboios, isso muda completamente a nossa vida. Ficamos com a impressão de que estamos de passagem. Nada é definitivo. Num ou noutro dia, acabamos por embarcar num comboio.
Não há melhor forma de dissipar os fantasmas do que os olhar directamente dentro dos seus olhos.
Eu sempre acreditei que alguns lugares são ímans e que somos atraídos para eles se andarmos nas suas proximidades.
Tudo o que vivemos no dia a dia é marcado pelas incertezas do presente.
Um Sentimento de Inquietação
Deu-se então em mim uma espécie de estalido. O panorama que se avistava daquele quarto provocava-me um sentimento de inquietação, uma apreensão que eu já conhecera. Aquelas fachadas, aquela rua deserta, aquelas silhuetas de sentinela no crepúsculo perturbavam-me à maneira insidiosa de um perfume ou de uma canção outrora familiares. E tive a certeza de que muitas vezes, àquela mesma hora, ficava ali, imóvel, à espreita, sem fazer o mínimo gesto, sem ousar sequer acender a luz. Quando tornei a entrar na sala, julguei que já não havia lá ninguém, mas afinal estava a dona da casa estendida no banco de veludo. Dormia. Aproximei-me silenciosamente e sentei-me na outra ponta do banco. Uma bandeja com um bule e duas chávenas, no meio do tapete de lã branca. Tossi um pouco. Ela não acordou. Então, deitei chá nas duas chávenas. Estava frio.
Como seria estranho se as crianças conhecessem como eram os seus pais antes de terem nascido, quando ainda não eram pais, mas simplesmente eles próprios.
A memória em si própria está cheia de ácido, e acabará por não restar mais do que todos os gritos de dor, e de todos os rostos horrorizados do passado, com apelos cada vez mais surdos, dos quais vislumbramos contornos vagos.