A Cozinha do Escritor
Aquilo que eu mais amo na escrita é o devaneio que a precede. A escrita em si, não, não é muito agradável. Deve-se materializar o sonho na página, assim que se saia do devaneio. Às vezes penso, como é que os outros fazem? Como esses outros autores que, como Flaubert o fazia no século XIX, escrevem e reescrevem, reformulam, reconstruem, e vão condensando a partir da primeira versão até que não reste finalmente quase nada na versão final do livro? Isso soa-me muito assustador. Pessoalmente, contento-me em fazer as correcções num primeiro esboço que se assemelha a um desenho que foi feito de uma vez só. Estas correcções são numerosas e ligeiras, como uma acumulação de actos de microcirurgia. Sim, é preciso medidas drásticas como faz um cirurgião, ser frio o suficiente com o seu próprio texto de uma ponta à outra, corrigindo, suprimindo, enfatizando. Às vezes basta riscar algumas palavras numa página para que tudo mude. Mas é essa a cozinha do escritor, que é suficientemente chato para os outros.
Passagens de Patrick Modiano
34 resultadosA psicanálise assemelha-se a um romance policial.
Parece-me agora que estou a viver um outro dentro da minha vida quotidiana.
Os outros, como ele, até antes do meu nascimento, tinham esgotado todos os problemas, a fim de nos permitir sentir apenas pequenas dores.
Creio que nesse tempo já tinha percebido que ninguém responde realmente às perguntas.
Leva um longo tempo para que surja à luz do dia aquilo que foi apagado.
Concentra-se apenas nas coisas triviais: moda, literatura, cinema, concertos musicais.
Num romance, basta eliminarmos duas ou três palavras numa página para que tudo mude.
Uma impressão passou por mim, como esses fragmentos de sonhos fugitivos que tentam sair do sonho a fim de nos revelar o sonho inteiro.
Tudo isso era a nossa juventude, a manhã profunda à qual nós nunca mais iremos retornar.
Existem seres misteriosos, sempre os mesmos, que se mantêm de sentinela em cada encruzilhada das nossas vidas.
Na vida, não é o futuro que conta, é o passado.
Os homens morrem com os seus segredos.
Eu creio que para se fazer uma obra literária temos simplesmente que sonhar a nossa própria vida – um sonho onde a imaginação e a memória se confundam.
O negócio autobiográfico resulta muitas vezes em grandes imprecisões, pois muitas vezes pecamos por omissão, intencional ou não.
Ele aproveitou a desordem e noite. Num mundo que ia à deriva, ele sentia-se perfeitamente confortável.
Em vez de estarmos constantemente a submeter os outros a um interrogatório, seria melhor as tomarmos no silêncio tal como elas são.
Se habitarmos perto de uma estação de comboios, isso muda completamente a nossa vida. Ficamos com a impressão de que estamos de passagem. Nada é definitivo. Num ou noutro dia, acabamos por embarcar num comboio.
Não há melhor forma de dissipar os fantasmas do que os olhar directamente dentro dos seus olhos.
Eu sempre acreditei que alguns lugares são ímans e que somos atraídos para eles se andarmos nas suas proximidades.