Na Arca Aberta, o Justo Peca
Na arca aberta o justo peca,
nĂŁo em canastra fechada;
mas vĂłs da minha coitada
fechada a fazeis caneca:
vindes lá de seca e meca
com tal pressa e furor tal,
que fazeis, para meu mal,
com mau termo e ruim modo,
do meu queijo lama e lodo,
e do meu pĂŁo cinza e sal.Quando as peras me levais,
entĂŁo para peras levo,
pois vos pago o que nĂŁo devo,
e vĂłs rindo vos ficais:
se pĂŞra flamenga achais
a comeis em portuguĂŞs,
e me fazeis d’essa vez,
com estrondo e com arenga,
os narizes á flamenga
muito mal em que me pez.Não vos escapam por pés
minhas cerejas bicais,
nem as ginjas garrafais,
se as tenho alguma vez:
porque mal, em que me pez,
como cerejas se vĂŁo
pelos pés á vossa mão
e da vossa mão á minha,
a cereja Ă© marouvinha
as ginjas galegas sĂŁo.Passa hoje por lebre o gato,
por perdiz passa o francelho
por capĂŁo o galo velho,
Passagens sobre Peras
38 resultadosCom teu amo nĂŁo jogues as pĂŞras.
Ao desconcerto do Mundo
Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tĂŁo mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, sĂł pera mim,
Anda o Mundo concertado.
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem nĂŁo deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!Como já pera sempre te apartaste
De quem tĂŁo longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que nĂŁo visses quem tanto magoaste?Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tĂŁo cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?
A bonina e a flor asinha passa;
Tudo por terra o Inverno e Estio deita.
SĂł pera meu Amor Ă© sempre Maio.
O meu peito, onde estais,
É, pera tanto bem, pequeno vaso.
Que assim Ă© pera mim tua luz pura
Claro sol, e, ausente, noite escura.
Pois pera ti os bens todos nasceram.
NĂłs Somos Vida das Gentes
Sempre Ă© morto quem do arado
há-de viver.Nós somos vida das gentes,
e morte de nossas vidas;
a tiranos pacientes
que a unhas e a dentes
nos tĂŞm as almas roĂdas.
Pera que Ă© parouvelar?
Que queira ser pecador
o lavrador,
nĂŁo tem tempo nem lugar
nem somente d’alimpar
as gotas do seu suor.N’ergueija bradam co’ele,
porque assoviou a um cĂŁo;
e logo excomunhĂŁo na pele,
o fidalgo, maçar nele,
atá o mais triste rascão.
Se nĂŁo levam torta a mĂŁo,
nĂŁo lhe acham nenhum dereito.
Muito atribulados sĂŁo!
Cada um pela o vilĂŁo
per seu jeito.Trago a prepĂłsito isto,
perque veio a bem de fala.
Manifesto está e visto
que o bento Jesu Cristo
deve ser homem de gala.
E Ă© rezĂŁo que nos valha
neste serĂŁo glorioso,
que Ă© gram refĂşgio sem falha.
Isto me faz forçoso,
e nĂŁo estou temeroso
nemigalha.(excerto)
Enfim, vi as pastoras tĂŁo fermosas
Que o Amor de si mesmo se temia;
Mas mais temia o pensamento, falto
De nĂŁo ser pera ter temor tĂŁo alto.
O bem que aqui se alcança
NĂŁo dura por possante nem por forte;
Que a bem-aventurança,
Durável de outra sorte,
Se há-de alcançar na vida pera a morte.
Filosofias de Vida
A cada etapa da vida do homem corresponde uma certa Filosofia. A criança apresenta-se como um realista, já que está tão convicta da existência da peras e das maçãs como da sua. O adolescente, perturbado por paixões interiores, tem que dar maior atenção a si mesmo, tem que se experimentar antes de experimentar as coisas, e transforma-se protanto num idealista. O homem adulto, pelo contrário, tem todos os motivos para ser um céptico, já que é sempre útil pôr em dúvida os meios que se escolhem para atingir os objectivos. Dito de outro modo, o adulto tem toda a vantagem em manter a flexibilidade do entendimento, antes da acção e no decurso da acção, para não ter que se arrepender posteriormente dos erros de escolha. Quanto ao ancião, converter-se-á necessariamente ao misticismo, porque olha à sua volta e as mais das coisas lhe parecem depender apenas do acaso: o irracional triunfa, o racional fracassa, a felicidade e a infelicidade andam a par sem se perceber porquê. É assim e assim foi sempre, dirá ele, e esta última etapa da vida encontra a acalmia na contemplação do que existe, do que existiu e do que virá a existir.
Pois Casei Má Hora
Pois casei má hora, e nela,
e com tal marido, prima…
Comprarei cá üa gamela,
par’ò ter debaixo dela,
e um grĂŁo penedo em cima.
Porque vai-se-me Ă s figueiras,
e come verde e maduro;
e quantas uvas penduro
jeita nas gorgomeleiras:
parece negro monturo.Vai-se-me Ă s ameixieiras,
antes que sejam maduras.
Ele quebra as cereijeiras,
ele vendima as parreiras,
e nĂŁo sei que faz das uvas.
Ele nĂŁo vai Ă lavrada,
ele todo o dia come,
ele toda a noite dorme,
ele nĂŁo faz nunca nada,
e sempre me diz que há fome!Jesu! Jesu! Posso-te dizer,
e jurar e tresjurar,
e provar e reprovar,
e andar e revolver,
que Ă© milhor pera beber,
que nĂŁo pera maridar.
O demo que o fez marido!
Que assi seco como Ă©
beberá a torre da Sé:
entĂŁo arma um arruĂdo
assi debaixo do pĂ©!…
Amor Ă© um brando afeito
Que Deus no mundo pĂ´s e a Natureza
Pera aumentar as cousas que criou.
Males de Anto
A Ares n’uma aldeia
Quando cheguei, aqui, Santo Deus! como eu vinha!
Nem mesmo sei dizer que doença era a minha,
Porque eram todas, eu sei lá! desde o odio ao tedio.
Molestias d’alma para as quaes nĂŁo ha remedio.
Nada compunha! Nada, nada. Que tormento!
Dir-se-ia accaso que perdera o meu talento:
No entanto, ás vezes, os meus nervos gastos, velhos,
Convulsionavam-nos relampagos vermelhos,
Que eram, bem o sentia, instantes de Camões!
Sei de cór e salteado as minhas afflicções:
Quiz partir, professar n’um convento de Italia,
Ir pelo Mundo, com os pĂ©s n’uma sandalia…
Comia terra, embebedava-me com luz!
Extasis, spasmos da Thereza de Jezus!
Contei n’aquelle dia um cento de desgraças.
Andava, á noite, só, bebia a noite ás taças.
O meu cavaco era o dos mortos, o das loizas.
Odiava os homens ainda mais, odiava as Coizas.
Nojo de tudo, horror! Trazia sempre luvas
(Na aldeia, sim!) para pegar n’um cacho d’uvas,
Ou n’uma flor. Por cauza d’essas mĂŁos… Perdoae-me,
Aldeões! eu sei que vós sois puros. Desculpae-me.Mas, atravez da minha dor,
Vinho de pĂŞras, nĂŁo o bebas.
A GlĂłria Mais GenuĂna
A glĂłria mais genuĂna, a pĂłstera, nunca Ă© ouvida por quem Ă© seu objecto e, no entanto, ele Ă© tido por feliz. Assim, a sua felicidade consistiu propriamente nas grandes qualidades que lhe conferiram a sua glĂłria e no facto de que encontrou oportunidade para desenvolvĂŞ-las; logo, foi-lhe permitido agir como era adequado, ou praticar aquilo que praticava com prazer e amor. Pois sĂł as obras assim nascidas alcançam glĂłria pĂłstera. A sua felicidade consistiu, pois, no grande coração, ou tambĂ©m na riqueza de um espĂrito cuja estampa, nas suas obras, recebe a admiração dos sĂ©culos vindouros. Tal felicidade consistiu nos seus prĂłprios pensamentos, cuja meditação será a ocupação e o gozo dos espĂritos mais nobres de um imenso futuro. O valor da glĂłria pĂłstera reside, portanto, em merecĂŞ-la, e isso Ă© a sua recompensa verdadeira.
Se chegou a haver obras que adquiriram glĂłria na posteridade e que tambĂ©m a obtiveram entre os seus contemprâneos, tratam-se de circunstâncias fortuitas, sem grande importância. Pois, como os homens, via de regra, sĂŁo privados de juĂzo prĂłprio e, sobretudo, nĂŁo tĂŞm capacidade alguma para apreciar as realizações elevadas e difĂceis, acabam sempre por seguir nesse domĂnio a autoridade alheia, e a glĂłria de gĂ©nero superior,
Lembre-vos quão sem Mudança
Lembre-vos quão sem mudança,
Senhora, Ă© meu querer,
perdida toda esperança;
e de mim vossa lembrança
nunca se pode perder.
Lembre-vos quĂŁo sem por quĂŞ
desconhecido me vejo;
e, com tudo, minha fé
sempre com vossa mercĂŞ,
com mais crecido desejo.Lembre-vos que se passaram
muitos tempos, muitos dias,
todos meus bens se acabaram,
com tudo, nunca mudaram;
querer-vos, minhas porfias.
Lembre-vos quanta rezĂŁo
tive pera esquecer-vos,
e sempre meu coração,
quanto menos galardĂŁo,
tanto mais firme em querer-vos.Lembre-vos que, sem mudar
o querer desta vontade,
me haveis sempre de lembrar,
té de todo me acabar,
vĂłs e vossa saudade.
Lembre-vos como pagais
o tempo que me deveis,
olhai quĂŁo mal me tratais:
Sam o que vos quero mais,
o que menos vĂłs quereis.Lembre-vos tempo passado,
nĂŁo porque de lembrar seja,
mas vereis quĂŁo magoado
devo de ser c’o cuidado
do que minha alma deseja.
Lembre-vos minha firmeza,
de vĂłs tĂŁo desconhecida,
lembre-vos vossa crueza,
junta com minha tristeza,