Poemas sobre Convicção de Álvaro de Campos

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Poemas de convicção de Álvaro de Campos. Leia este e outros poemas de Álvaro de Campos em Poetris.

A Verdadeira Liberdade

A liberdade, sim, a liberdade!
A verdadeira liberdade!
Pensar sem desejos nem convicçÔes.
Ser dono de si mesmo sem influĂȘncia de romances!
Existir sem Freud nem aeroplanos,
Sem cabarets, nem na alma, sem velocidades, nem no cansaço!

A liberdade do vagar, do pensamento sĂŁo, do amor Ă s coisas naturais
A liberdade de amar a moral que Ă© preciso dar Ă  vida!
Como o luar quando as nuvens abrem
A grande liberdade cristĂŁ da minha infĂąncia que rezava
Estende de repente sobre a terra inteira o seu manto de prata para mim…
A liberdade, a lucidez, o raciocĂ­nio coerente,
A noção jurídica da alma dos outros como humana,
A alegria de ter estas coisas, e poder outra vez
Gozar os campos sem referĂȘncia a coisa nenhuma
E beber ĂĄgua como se fosse todos os vinhos do mundo!

Passos todos passinhos de criança…
Sorriso da velha bondosa…
Apertar da mĂŁo do amigo [sĂ©rio?]…
Que vida que tem sido a minha!
Quanto tempo de espera no apeadeiro!
Quanto viver pintado em impresso da vida!

Ah, tenho uma sede sĂŁ.

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Sou LĂșcido

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissĂŁo que se lhe vĂȘ na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
NĂŁo sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar…).

Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando nĂŁo merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte nĂŁo Ă© ser vadio e pedinte:
É estar ao lado da escala social,
É não ser adaptável às normas da vida,
‘As normas reais ou sentimentais da vida –
NĂŁo ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
NĂŁo ser pobre a valer, operĂĄrio explorado,
Não ser doente de uma doença incuråvel,
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
NĂŁo ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque tem razĂŁo para chorar lagrimas,
E se revoltam contra a vida social porque tem razĂŁo para isso supor.

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