Poemas sobre Dor de Fernando Pessoa

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Poemas de dor de Fernando Pessoa. Leia este e outros poemas de Fernando Pessoa em Poetris.

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Vaga, no Azul Amplo Solta

Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.

O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.

Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.

Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma nao é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Não sei o quê desgosta

Não sei o quê desgosta
A minha alma doente.
Uma dor suposta
Dói-me realmente.

Como um barco absorto
Em se naufragar
À vista do porto
E num calmo mar,

Por meu ser me afundo,
Pra longe da vista
Durmo o incerto mundo.

Mensagem – Mar Português

MAR PORTUGUÊS

Possessio Maris

I. O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

II. Horizonte

Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves,

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Bóiam farrapos de sombra

Bóiam farrapos de sombra
Em torno ao que não sei ser.
É todo um céu que se escombra
Sem me o deixar entrever.

O mistério das alturas
Desfaz-se em ritmos sem forma
Nas desregradas negruras
Com que o ar se treva torna.

Mas em tudo isto, que faz
O universo um ser desfeito,
Guardei, como a minha paz,
A ‘sp’rança, que a dor me traz,
Apertada contra o peito.

O que Me Dói não É

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão…

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

Dorme Sobre o Meu Seio

Dorme sobre o meu seio,
Sonhando de sonhar…
No teu olhar eu leio
Um lúbrico vagar.
Dorme no sonho de existir
E na ilusão de amar.

Tudo é nada, e tudo
Um sonho finge ser.
O ‘spaço negro é mudo.
Dorme, e, ao adormecer,
Saibas do coração sorrir
Sorrisos de esquecer.

Dorme sobre o meu seio,
Sem mágoa nem amor…

No teu olhar eu leio
O íntimo torpor
De quem conhece o nada-ser
De vida e gozo e dor.

Como Inútil Taça Cheia

Como inútil taça cheia
Que ninguém ergue da mesa,
Transborda de dor alheia
Meu coração sem tristeza.

Sonhos de mágoa figura
Só para Ter que sentir
E assim não tem a amargura
Que se temeu a fingir.

Ficção num palco sem tábuas
Vestida de papel seda
Mima uma dança de mágoas
Para que nada suceda.

Aqui Onde se Espera

Aqui onde se espera
– Sossego, só sossego –
Isso que outrora era,

Aqui onde, dormindo,
-Sossego, só sossego-
Se sente a noite vindo,

E nada importaria
-Sossego, só sossego-
Que fosse antes o dia,

Aqui, aqui estarei
-Sossego, só sossego –
Como no exílio um rei,

Gozando da ventura
– Sossego, só sossego –
De não ter a amargura

De reinar, mas guardando
– Sossego, só sossego –
O nome venerando…

Que mais quer quem descansa
– Sossego, só sossego –
Da dor e da esperança,

Que ter a negação
– Sossego, só sossego –
De todo o coração ?

Ditosos a quem Acena

MARINHA

Ditosos a quem acena
Um lenço de despedida!
São felizes: têm pena…
Eu sofro sem pena a vida.

Dôo-me até onde penso,
E a dor é já de pensar,
Órfão de um sonho suspenso
Pela maré a vazar…

E sobe até mim, já farto
De improfícuas agonias,
No cais de onde nunca parto,
A maresia dos dias.