Noivado
VĂŞs, querida, o horizonte ardendo em chamas?
Além desses outeiros
Vai descambando o sol, e Ă terra envia
Os raios derradeiros;
A tarde, como noiva que enrubesce,
Traz no rosto um véu mole e transparente;
No fundo azul a estrela do poente
Já tĂmida aparece.Como um bafo suavĂssimo da noite,
Vem sussurrando o vento
As árvores agita e imprime às folhas
O beijo sonolento.
A flor ajeita o cálix: cedo espera
O orvalho, e entanto exala o doce aroma;
Do leito do oriente a noite assoma
Como uma sombra austera.Vem tu, agora, Ăł filha de meus sonhos,
Vem, minha flor querida;
Vem contemplar o céu, página santa
Que amor a ler convida;
Da tua solidĂŁo rompe as cadeias;
Desce do teu sombrio e mudo asilo;
Encontrarás aqui o amor tranqĂĽilo…
Que esperas? que receias?Olha o templo de Deus, pomposo e grande;
Lá do horizonte oposto
A lua, como lâmpada, já surge
A alumiar teu rosto;
Os cĂrios vĂŁo arder no altar sagrado,
Estrelinhas do céu que um anjo acende;
Poemas sobre Leito de Machado de Assis
3 resultadosA Caridade
Ela tinha no rosto uma expressĂŁo tĂŁo calma
Como o sono inocente e primeiro de uma alma
Donde nĂŁo se afastou ainda o olhar de Deus;
Uma serena graça, uma graça dos céus* *,
Era-lhe o casto, o brando, o delicado andar,
E nas asas da brisa iam-lhe a ondear
Sobre o gracioso colo as delicadas tranças.Levava pela mão duas gentis crianças.
Ia caminho. A um lado ouve magoado pranto.
Parou. E na ansiedade ainda o mesmo encanto
Descia-lhe às feições. Procurou. Na calçada
Ă€ chuva, ao ar, ao sol, despida, abandonada
A infância lacrimosa, a infância desvalida,
Pedia leito e pĂŁo, amparo, amor, guarida.E tu, Ăł Caridade, Ăł virgem do Senhor,
No amoroso seio as crianças tomaste,
E entre beijos – só teus — o pranto lhes secaste
Dando-lhes leito e pĂŁo, guarida e amor.
Ăšltima Folha
Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
A Ăşltima harmonia.Dos teus cabelos de ouro, que beijavam
Na amena tarde as virações perdidas,
Deixa cair ao chĂŁo as alvas rosas
E as alvas margaridas.VĂŞs? NĂŁo Ă© noite, nĂŁo, este ar sombrio
Que nos esconde o céu. Inda no poente
Não quebra os raios pálidos e frios
O sol resplandecente.Vês? Lá ao fundo o vale árido e seco
Abre-se, como um leito mortuário;
Espera-te o silĂŞncio da planĂcie,
Como um frio sudário.Desce. Virá um dia em que mais bela,
Mais alegre, mais cheia de harmonias,
Voltes a procurar a voz cadente
Dos teus primeiros dias.Então coroarás a ingênua fronte
Das flores da manhã, — e ao monte agreste,
Como a noiva fantástica dos ermos,
Irás, musa celeste!Então, nas horas solenes
Em que o mĂstico himeneu
Une em abraço divino
Verde a terra, azul o céu;Quando, já finda a tormenta
Que a natureza enlutou,