Definição do Amor
“Amor é fogo que arde sem se ver
é ferida que doi e não se sente
é um contentamento descontente
é dor que desatina sem doer”
(Camões)Que o poeta de todos os poetas
me conceda boa estrela
que a estrela de todos os astros
me premeie na lapela
prémios de honor
prefiro os muitos
oferecidos pelas mãos do amor
coroando o amor e seus heterónimos
nem vão caber nos JerónimosAmores anónimos não há
e assim foi pela madrugada
mesmo que seja um “assim fosse”
vou nomear-te namorada
ninguém já soube o que é o amor
se o amor é aquilo que ninguém viu
uma cor que fugiu
de um pano leve
e pairou serena e breve
no ar
(Pousa agora, borboleta
na pena deste poeta:)É uma cor que dá na vida
o amor
é uma luz que dá na cor
É uma cor que dá na vida
o amor
é uma luz que dá na cor
mas é uma batalha perdida
que se trava com ardor
é uma cor que dá na vida
o amor
dor que desatina sem doerSe devagar se vai ao longe
devagar te quero perto
mesmo que o que arde nunca cure
vou beijar-te a sol aberto
é já dos livros que o instante
se parece tanto com a eternidade
e que o amor,
Poemas sobre Mãos
542 resultadosAbdicação
Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa — eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaçosMinha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
Epitáfio
Ainda correm lágrimas pelos
teus grisalhos, tristes cabelos,
na terra vã desintegrados,
em pequenas flores tornados.Todos os dias estás viva,
na soledade pensativa,
ó simples alma grave e pura,
livre de qualquer sepultura!E não sou mais do que a menina
que a tua antiga sorte ensina.
E caminhamos de mão dada
pelas praias da madrugada.
Crepuscular
Há no ambiente um murmúrio de queixume,
De desejos de amor, d’ais comprimidos…
Uma ternura esparsa de balidos,
Sente-se esmorecer como um perfume.
As madressilvas murcham nos silvados
E o aroma que exalam pelo espaço,
Tem delíquios de gozo e de cansaço,
Nervosos, femininos, delicados,
Sentem-se espasmos, agonias d’ave,
Inapreensíveis, mínimas, serenas…
_ Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,
O meu olhar no teu olhar suave.
As tuas mãos tão brancas d’anemia…
Os teus olhos tão meigos de tristeza…
_ É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia.
Aerograma
Deus queira que esta
Vos mate a fome aos sentidos
Por agoraDeus queira que esta
Vos guarde a dor aos gemidos
Noite foraDançamos fandangos
Sobre uma navalha
Pássaros em bando
Em nuvens de limalhaE assim eu cá vou indo.
Vem-me o fel à boca
As tripas ao coração
A noite trás a forca pela sua mãoSonho com fantasmas
De pele preta e luzidia
Com manuais de coragem e cobardiaDizem que há sempre
Um barco azul para partir
Nosso hino
Embarca a alma
E os restos de um rosto a sorrir
Do destinoPõe o meu retrato
No altar de S. João
E uma vela com formato de canhãoCansa-se esta escrita
Com dois dedos num baraço
Assim o quis a desdita
Vai um abraço.
Ternura
Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamenteE posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não trai o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma…
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o
[olhar extático da aurora.
Edital
Foi afixado
nos locais do costume
que É PROIBIDO MENDIGAR.Logo mão que se descobre
escreveu a tinta por baixo
MAS NÃO É PROIBIDO SER POBRE.
Percam para Sempre
Percam para sempre as tuas mãos o jeito de pedir.
Esqueça para sempre a tua boca
O que disse a rezar.
E os teus olhos nunca mais, nunca mais saibam chorar
Porque é inútil.Faz como os outros fizeram
Quando chegou o momento
De perder o medo à morte
Por ter muito amor à vida.
Já não Escreverei Romances
Já não escreverei romances
Nem contos da fada e o rei.
Vão-se-me todas as chances
De grande escritor. Parei.
Mas na chispa do verso,
Com Marga a aquecer-me,
Já não serei disperso
Nem poderei perder-me.
Tudo nela é verbo e vida;
Xale, cílio, tosse, joelho,
Tudo respinga e acalma.
Passo, óculos, nada é velho:
Quase corpo, menos que alma.
Já não lavrarei novelas,
Ultrapassado de ficto:
A vida dá-me janelas
A toda a extensão do dicto.
Mas sem elas, mas sem elas
(As suas mãos) fico aflito.
Porque me Negas o que te não Peço
A flor que és, não a que dás, eu quero.
Porque me negas o que te não peço.
Tempo há para negares
Depois de teres dado.Flor, sê-me flor! Se te colher avaro
A mão da infausta esfinge, tu perene
Sombra errarás absurda,
Buscando o que não deste.
A Voz que Nos Rasgou por Dentro
De onde vem – a voz que
nos rasgou por dentro, que
trouxe consigo a chuva negra
do outono, que fugiu por
entre névoas e campos
devorados pela erva?Esteve aqui — aqui dentro
de nós, como se sempre aqui
tivesse estado; e não a
ouvimos, como se não nos
falasse desde sempre,
aqui, dentro de nós.E agora que a queremos ouvir,
como se a tivéssemos re-
conhecido outrora, onde está? A voz
que dança de noite, no inverno,
sem luz nem eco, enquanto
segura pela mão o fio
obscuro do horizonte.Diz: “Não chores o que te espera,
nem desças já pela margem
do rio derradeiro. Respira,
numa breve inspiração, o cheiro
da resina, nos bosques, e
o sopro húmido dos versos.”Como se a ouvíssemos.
Se a Vida Fosse Sempre Vida
Felizes, cujos corpos sob as árvores
Jazem na úmida terra,
Que nunca mais sofrem o sol, ou sabem
Das doenças da lua.Verta Eolo a caverna inteira sobre
O orbe esfarrapado,
Lance Netuno, em cheias mãos, ao alto
As ondas estoirando.Tudo lhe é nada, e o próprio pegureiro
Que passa, finda a tarde,
Sob a árvore onde jaz quem foi a sombra
Imperfeita de um deus,Não sabe que os seus passos vão cobrindo
O que podia ser,
Se a vida fosse sempre vida, a glória
De uma beleza eterna.
Impossível
Nós podemos viver alegremente,
Sem que venham com fórmulas legais,
Unir as nossas mãos, eternamente,
As mãos sacerdotais.Eu posso ver os ombros teus desnudos,
Palpá-los, contemplar-lhes a brancura,
E até beijar teus olhos tão ramudos,
Cor de azeitona escura.Eu posso, se quiser, cheio de manha,
Sondar, quando vestida, pra dar fé,
A tua camisinha de bretanha,
Ornada de crochet.Posso sentir-te em fogo, escandescida,
De faces cor-de-rosa e vermelhão,
Junto a mim, com langor, entredormida,
Nas noites de verão.Eu posso, com valor que nada teme,
Contigo preparar lautos festins,
E ajudar-te a fazer o leite-creme,
E os mélicos pudins.Eu tudo posso dar-te, tudo, tudo,
Dar-te a vida, o calor, dar-te cognac,
Hinos de amor, vestidos de veludo,
E botas de duraqueE até posso com ar de rei, que o sou!
Dar-te cautelas brancas, minha rola,
Da grande loteria que passou,
Da boa, da espanhola,Já vês, pois, que podemos viver juntos,
Nos mesmos aposentos confortáveis,
Comer dos mesmos bolos e presuntos,
As palavras que te envio são interditas
As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.
Vilegiatura
O sossego da noite, na vilegiatura no alto;
O sossego, que mais aprofunda
O ladrar esparso dos cães de guarda na noite;
O silêncio, que mais se acentua,
Porque zumbe ou murmura uma coisa nenhuma no escuro …
Ah, a opressão de tudo isto!
Oprime como ser feliz!
Que vida idílica, se fosse outra pessoa que a tivesse
Com o zumbido ou murmúrio monótono de nada
Sob o céu sardento de estrelas,
Com o ladrar dos cães polvilhando o sossego de tudo!Vim para aqui repousar,
Mas esqueci-me de me deixar lá em casa,
Trouxe comigo o espinho essencial de ser consciente,
A vaga náusea, a doença incerta, de me sentir.Sempre esta inquietação mordida aos bocados
Como pão ralo escuro, que se esfarela caindo.
Sempre este mal-estar tomado aos maus haustos
Como um vinho de bêbado quando nem a náusea obsta.Sempre, sempre, sempre
Este defeito da circulação na própria alma,
Esta lipotimia das sensações,
Isto…(Tuas mãos esguias, um pouco pálidas, um pouco minhas,
Estavam naquele dia quietas pelo teu regaço de sentada,
Velha Página
Chove. Que mágoa lá fora!
Que mágoa! Embruscam-se os ares
Sobre este rio que chora
Velhos e eternos pesares.E sinto o que a terra sente
E a tristeza que diviso,
Eu, de teus olhos ausente,
Ausente de teu sorriso…As asas loucas abrindo,
Meus versos, num longo anseio,
Morrerão, sem que, sorrindo,
Possa acolhê-los teu seio!Ah! quem mandou que fizesses
Minh’alma da tua escrava,
E ouvisses as minhas preces,
Chorando como eu chorava?Por que é que um dia me ouviste,
Tão pálida e alvoroçada,
E, como quem ama, triste,
Como quem ama, calada?Tu tens um nome celeste…
Quem é do céu é sensível!
Por que é que me não disseste
Toda a verdade terrível?Por que, fugindo impiedosa,
Desertas o nosso ninho?
– Era tão bela esta rosa!…
Já me tardava este espinho!Fora melhor, porventura,
Ficar no antigo degredo
Que conhecer a ventura
Para perdê-la tão cedo!Por que me ouviste, enxugando
O pranto das minhas faces?
Embirração
(A Machado de Assis)
A balda alexandrina é poço imenso e fundo,
Onde poetas mil, flagelo deste mundo,
Patinham sem parar, chamando lá por mim.
Não morrerão, se um verso, estiradinho assim,
Da beira for do poço, extenso como ele é,
Levar-lhes grosso anzol; então eu tenho fé
Que volte um afogado, à luz da mocidade,
A ver no mundo seco a seca realidade.Por eles, e por mim, receio, caro amigo;
Permite o desabafo aqui, a sós contigo,
Que à moda fazer guerra, eu sei quanto é fatal;
Nem vence o positivo o frívolo ideal;
Despótica em seu mando, é sempre fátua e vã,
E até da vã loucura a moda é prima-irmã:
Mas quando venha o senso erguer-lhe os densos véus,
Do verso alexandrino há de livrar-nos Deus.Deus quando abre ao poeta as portas desta vida,
Não lhe depara o gozo e a glória apetecida;
E o triste, se morreu, deixando mal escritas
Em verso alexandrino histórias infinitas,
Vai ter lá noutra vida insípido desterro,
Se Deus, por compaixão, não dá perdão ao erro;
Quási
Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe d’asa…
Se ao menos eu permanecesse àquem…Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dôr! – quási vivido…Quási o amor, quási o triunfo e a chama,
Quási o princípio e o fim – quási a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada foi só ilusão!De tudo houve um começo… e tudo errou…
– Ai a dôr de ser-quási, dor sem fim… –
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…Momentos d’alma que desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ansias que foram mas que não fixei…Se me vagueio, encontro só indicios…
Ogivas para o sol – vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sôbre os precipícios…
O Tempo Passa? Não Passa
O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer toda a hora.E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.
Amar é a Mais Alta Constelação
Aqui ficam as coisas.
Amar é a mais alta constelação.
Os sapatos sem dono
tripulando
na correnteza-espaço
em que deitamos.As minhas mãos telhado
no teu rosto de pombas.Os corpos
circulando
na varanda dos braços.É a mais alta constelação.