Poemas sobre Mar de CecĂ­lia Meireles

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Poemas de mar de CecĂ­lia Meireles. Leia este e outros poemas de CecĂ­lia Meireles em Poetris.

NĂŁo te Fies do Tempo nem da Eternidade

NĂŁo te fies do tempo nem da eternidade
que as nuvens me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam contra o meu desejo.
Apressa-te, amor, que amanhĂŁ eu morro,
que amanhĂŁ morro e nĂŁo te vejo!

NĂŁo demores tĂŁo longe, em lugar tĂŁo secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
ó lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhĂŁ eu morro,
que amanhĂŁ morro e nĂŁo te escuto!

Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anĂŞmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo…
Apressa-te, amor, que amanhĂŁ eu morro,
que amanhĂŁ morro e nĂŁo te digo…

De Longe Te Hei-de Amar

De longe te hei-de amar
– da tranquila distância
em que o amor Ă© saudade
e o desejo, constância.

Do divino lugar
onde o bem da existĂŞncia
Ă© ser eternidade
e parecer ausĂŞncia.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a Estrela, sem violĂŞncia,
cumpre a sua verdade,
alheia Ă  transparĂŞncia.

Romantismo

Quem tivesse um amor, nesta noite de lua,
para pensar um belo pensamento
e pousá-lo no vento!

Quem tivesse um amor – longe, certo e impossĂ­vel –
para se ver chorando, e gostar de chorar,
e adormecer de lágrimas e luar!

Quem tivesse um amor, e, entre o mar e as estrelas,
partisse por nuvens, dormente e acordado,
levitando apenas, pelo amor levado…

Quem tivesse um amor, sem dúvida e sem mácula,
sem antes nem depois: verdade e alegoria…
Ah! quem tivesse… (Mas, quem teve? quem teria?)

Ninguém me Venha Dar Vida

Ninguém me venha dar vida,
que estou morrendo de amor,
que estou feliz de morrer,
que nĂŁo tenho mal nem dor,
que estou de sonho ferida,
que nĂŁo me quero curar,
que estou deixando de ser
e nĂŁo me quero encontrar,
que estou dentro de um navio
que sei que vai naufragar,
já não falo e ainda sorrio,
porque está perto de mim
o dono verde do mar
que busquei desde o começo,
e estava apenas no fim.

Corações, por que chorais?
Preparai meu arremesso
para as algas e os corais.

Fim ditoso, hora feliz:
guardai meu amor sem preço,
que sĂł quis a quem nĂŁo quis.

Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
— depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mĂŁos ainda estĂŁo molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Canção Póstuma

Fiz uma canção para dar-te;
porém tu já estavas morrendo.
A Morte Ă© um poderoso vento.
E Ă© um suspiro tĂŁo tĂ­mido, a Arte…

É um suspiro tímido e breve
como o da respiração diária.
Choro de pomba. E a Morte é uma águia
cujo grito ninguém descreve.

Vim cantar-te a canção do mundo,
mas estás de ouvidos fechados
para os meus lábios inexatos,
— atento a um canto mais profundo.

E estou como alguém que chegasse
ao centro do mar, comparando
aquele universo de pranto
com a lágrima da sua face.

E agora fecho grandes portas
sobre a canção que chegou tarde.
E sofro sem saber de que Arte
se ocupam as pessoas mortas.

Por isso Ă© tĂŁo desesperada
a pequena, humana cantiga.
Talvez dure mais do que a vida.
Mas Ă  Morte nĂŁo diz mais nada.

O Que Amamos Está Sempre Longe de Nós

O que amamos está sempre longe de nós:
e longe mesmo do que amamos – que nĂŁo sabe
de onde vem, aonde vai nosso impulso de amor.

O que amamos está como a flor na semente,
entendido com medo e inquietude, talvez
sĂł para em nossa morte estar durando sempre.

Como as ervas do chĂŁo, como as ondas do mar,
os acasos se vĂŁo cumprindo e vĂŁo cessando.
Mas, sem acaso, o amor lĂ­mpido e exacto jaz.

NĂŁo necessita nada o que em si tudo ordena:
cuja tristeza unicamente pode ser
o equĂ­voco do tempo, os jogos da cegueira

com setas negras na escuridĂŁo.

Canção do Amor-Perfeito

Eu vi o raio de sol
beijar o outono.
Eu vi na mĂŁo dos adeuses
o anel de ouro.
NĂŁo quero dizer o dia.
NĂŁo posso dizer o dono.

Eu vi bandeiras abertas
sobre o mar largo
e ouvi cantar as sereias.
Longe, num barco,
deixei meus olhos alegres,
trouxe meu sorriso amargo.

Bem no regaço da lua,
já não padeço.
Ai, seja como quiseres,
Amor-Perfeito,
gostaria que ficasses,
mas, se fores, não te esqueço.

Apresentação

Aqui está minha vida — esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.

Aqui está minha voz — esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu prĂłprio lamento.

Aqui está minha dor — este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.

Aqui está minha herança — este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.

Timidez

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve. . .

— mas só esse eu não farei.

Uma palavra caĂ­da
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes..

— palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,

— que amargamente inventei.

E, enquanto nĂŁo me descobres,
os mundos vĂŁo navegando
nos ares certos do tempo,
atĂ© nĂŁo se sabe quando…

— e um dia me acabarei.

Prazo de Vida

No meio do mundo faz frio,
faz frio no meio do mundo,
muito frio.

Mandei armar o meu navio.
Volveremos ao mar profundo,
meu navio!

No meio das águas faz frio.
Faz frio no meio das águas,
muito frio.

Marinheiro serei sombrio,
por minha provisão de mágoas.
TĂŁo sombrio!

No meio da vida faz frio,
faz frio no meio da vida.
Muito frio.

O universo ficou vazio,
porque a mĂŁo do amor foi partida
no vazio.

Guerra

Tanto Ă© o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.

Tanto Ă© o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.

Tanta Ă© a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.

Oh, os dedos com alianças perdidos na lama…
Os olhos que já nĂŁo pestanejam com a poeira…
As bocas de recados perdidos…
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes…

Tanta Ă© a morte
que sĂł as almas formariam colunas,
as almas desprendidas… — e alcançariam as estrelas.

E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados,
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nĂłs e vĂłs, imunes,
chorando,

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Gargalhada

Hornem vulgar! Homem de coração mesquinho!
Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
Dobra essa orelha grosseira, e escuta
o ritmo e o som da minha gargalhada:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

NĂŁo vĂŞs?
É preciso jogar por escadas de mármore baixelas de ouro.
Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais,
vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas,
destruir as lâmpadas, abater cúpulas,
e atirar para longe os pandeiros e as liras…

O riso magnĂ­fico Ă© um trecho dessa mĂşsica desvairada.

Mas Ă© preciso ter baixelas de ouro,
compreendes?
— e colares, e espelhos, e espadas e estátuas.
E as lâmpadas, Deus do céu!
E os pandeiros ágeis e as liras sonoras e trĂ©mulas…

Escuta bem:

Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!

Só de três lugares nasceu até hoje esta música heróica:
do céu que venta,
do mar que dança,
e de mim.

SolidĂŁo

Imensas noites de Inverno,
com frias montanhas mudas,
Ă© o mar negro, mais eterno,
mais terrĂ­vel, mais profundo.

(…)

A noite fecha seus lábios
– terra e cĂ©u – guardado nome.
E os seus longos sonhos sábios
geram a vida dos homens.

Geram os olhos incertos,
por onde descem os rios
que andam nos campos abertos
da claridade do dia.