Poemas sobre Neve de Álvaro de Campos

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Poemas de neve de Álvaro de Campos. Leia este e outros poemas de Álvaro de Campos em Poetris.

Eu que me Aguente Comigo

Contudo, contudo,
Também houve glådios e flùmulas de cores
Na Primavera do que sonhei de mim.
Também a esperança
Orvalhou os campos da minha visĂŁo involuntĂĄria,
Também tive quem também me sorrisse.
Hoje estou como se esse tivesse sido outro.
Quem fui nĂŁo me lembra senĂŁo como uma histĂłria apensa.
Quem serei nĂŁo me interessa, como o futuro do mundo.

CaĂ­ pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridĂ­culo que fiz de mim.

Pobre do que perdeu o lugar oferecido por nĂŁo ter casaco limpo com que aparecesse,
Mas pobre também do que, sendo rico e nobre,
Perdeu o lugar do amor por nĂŁo ter casaco bom dentro do desejo.
Sou imparcial como a neve.
Nunca preferi o pobre ao rico,
Como, em mim, nunca preferi nada a nada.

Vi sempre o mundo independentemente de mim.
Por trås disso estavam as minhas sensaçÔes vivíssimas,
Mas isso era outro mundo.
Contudo a minha mĂĄgoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.

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Dactilografia

Traço, sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
Firmo o projeto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.

Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das mĂĄquinas de escrever.
Que nĂĄusea da vida!
Que abjeção esta regularidade!
Que sono este ser assim!

Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
(IlustraçÔes, talvez, de qualquer livro de infùncia),
Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte, explĂ­citas de neve,
Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.

Outrora.

Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das mĂĄquinas de escrever.

Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que Ă© a que sonhamos na infĂąncia,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que Ă© a que vivemos em convivĂȘncia com outros,
Que Ă© a prĂĄtica, a Ăștil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixĂŁo.

Na outra não hå caixÔes, nem mortes,
Hå só ilustraçÔes de infùncia:
Grandes livros coloridos, para ver mas nĂŁo ler;
Grandes pĂĄginas de cores para recordar mais tarde.

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