As palavras
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
Poemas
2662 resultadosVolta até Mim no Silêncio da Noite
Volta até mim no silêncio da noite
a tua voz que eu amo, e as tuas palavras
que eu não esqueço. Volta até mim
para que a tua ausência não embacie
o vidro da memória, nem o transforme
no espelho baço dos meus olhos. Volta
com os teus lábios cujo beijo sonhei num estuário
vestido com a mortalha da névoa; e traz
contigo a maré cheia da manhã com que
todos os náufragos sonharam.
Voamos
Voamos a lua,
menstruadasOs homens gritam:
– são as bruxasAs mulheres pensam:
– são os anjosAs crianças dizem:
– são as fadas
Vem Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Quanto é Alto e Régio o Pensamento
Ponho na altiva mente o fixo esforço
Da altura, e à sorte deixo,
E as suas leis, o verso;Que, quanto é alto e régio o pensamento,
Súbita a frase o busca
E o ‘scravo ritmo o serve.
Litoral
Estávamos um diante do outro
como um só espelho de ouro.
Entre nós corria o rio rubro
e era tempo de despedida.
Portugal, Espanha ou as ciciadas,
é tempo, mas de frutas cítricas
para ter nas mãos a colhida,
ácida, consentida, súplice vida.
Convite Triste
Meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler jornal,
vamos dizer que a vida é ruim,
meu amigo, vamos sofrer.Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira.
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira.Vamos beber uísque, vamos
beber cerveja preta e barata,
beber, gritar e morrer,
ou, quem sabe? beber apenas.Vamos xingar a mulher,
que está envenenando a vida
com seus olhos e suas mãos
e o corpo que tem dois seios
e tem um embigo também.
Meu amigo, vamos xingar
o corpo e tudo que é dele
e que nunca será alma.Meu amigo, vamos cantar,
vamos chorar de mansinho
e ouvir muita vitrola,
depois embriagados vamos
beber mais outros sequestros
(o olhar obsceno e a mão idiota)
depois vomitar e cair
e dormir.
O Amigo
1.
Um amigo, o primeiro amigo
dentro da nuvem de um sonho.O impossível toca-nos as mãos
subitamente — o fogo, a flor concêntrica
de planetas no exílio.Na terra do silêncio
os frutos caem
de sua própria vontade.2.
Ao coração das coisas,
ao jugo das cores da memória,
ao pequeno desvio da sombra no deserto,
ao amor que nos alimenta de morte, à morte
que morre connosco
opomos a infinita
constelação
dos nossos sentidos.
Poeminha da Negação da Afirmação
Sou um homem bem comum
sem nenhuma aspiração.
Não quero ser general
e muito menos sultão.
Sou moderado de gastos,
de ambição reduzida,
não sonho ser big-shot
estou contente da vida.
Nunca invejei o próximo
nem lhe cobiço a mulher,
pego o meu lugar na fila
e seja o que Deus quiser.
Não sou mau pai, nem mau esposo,
Grosseiro nem invejoso
– só um pouco mentiroso.
Marianna e Chamilly
Quando partires
se partires
terei saudades
e quando ficares
se ficares
terei saudadesTerei
sempre saudades
e gosto assim
Viver!
Viver!… E o que é a Vida?…
– Atento, escuto
A primitiva e alta profecia…
E a escutá-la, a sonhar, vou resoluto,
Por caminhos de Amor, com alegria!
E vivo! E na minh’alma, a uma a uma,
Como num quebra mar de encantamentos,
Sinto as ondas bater, – ondas de espuma,
…Evocações, memorias, sentimentos…Amo! – No meu Amor vivo a infinita,
A suprema Beleza, – sou amado!…
E, pelo Sol que no meu peito habita,
Luto! Sinto o Futuro à nossa espera,
Vivo, na minha luta, o meu Amor!…
E sinto bem que a eterna Primavéra
A alcançaremos só por nossa Dor!
Sôfro! E no meu sofrer, nesta anciedade
Com que os meus olhos fitam o nascente,
Em devoção, em pranto, em claridade,
– Sonha o meu coração de combatente…Sofrer, lutar, amar – , vida completa,
Piedosa, humilde e só de Amor ungida –
– Meu coração de amante e de Poeta
– Sente em si mesmo o coração da Vida!…
Sonho exaltado e puro, Amor tão grande,
Que me domina todo e me levanta
Às regiões em que o sentir se expande,
Mimos para Elisa
elisa. elisa tem ancas gordas e beiços carnudos.
elisa gosta de telefonar ao noivo. sentada no so
fá, com o joãozinho à beira, marca o número e diz:
elisa sim meu bem. entretanto o joãozinho mete o
s dedos por baixo da saia de elisa, mete as mãos,
mete os braços. elisa diz: sim meu bem. enquanto
elisa se recosta, joãozinho mete a cabeça debai
xo das saias de elisa, e faz que sim, faz vivamen
te que sim, enquanto elisa diz: sim meu bem. sim.
estes telefonemas com o noivo são tão longos! se
pararam-se há pouco tempo. o noivo suplica: não
chores elisa. não suspires. a separação não será
eterna. elisa acalma-se. joãozinho sai cá para fo
ra. elisa chega-se muito a ele. joãozinho está ag
ora de pé. o noivo fala fala fala. pergunta: elisa
já comeste os bombons todos que te mandei minha
gulosa? elisa não responde. está com a boca cheia
. mesmo na conchinha do ouvido, muito suavemente,
o noivo chama-lhe gulosa. e outros mimos. outros.
Breves São os Anos
No breve número de doze meses
O ano passa, e breves são os anos,
Poucos a vida dura.
Que são doze ou sessenta na floresta
Dos números, e quanto pouco falta
Para o fim do futuro!
Dois terços já, tão rápido, do curso
Que me é imposto correr descendo, passo.
Apresso, e breve acabo.
Dado em declive deixo, e invito apresso
O moribundo passo.
À Minha Morte
Sei, que um dia fatal me espera, e talha
A minha vida o estame:
Nem Prosérpina evita uma só frente.
Sei que vivi: mas quando
Tem de soltar-se, ignoro, o vivo laço;
E se claros, ou turvos
Se hão-de erguer para mim os sóis vindouros. —
Pois, que ao sevo Destino
Me é vedado fugir, fugi ao longe
Roazes Amarguras,
Que estes permeios anos minar vínheis.
Rir quero — e mui folgado,
De vos ver ir correndo, de encolhidas,
Escondendo na fuga,
As caudas dos medonhos ameaços.
Quero, entre mil saúdes,
De vermelha, faustíssima alegria
Ir passando em resenha,
Taça após taça, a lista dos amigos,
E o coro das formosas,
Que a vida me entreteram com agrado.
E reforçado e lesto
C’o néctar da videira, as mãos travando
Co’as engraçadas Musas,
Em dança festival, com pé ligeiro,
Na matizada relva,
Cansar de tanto júbilo o meu sp’rito,
Que se vá (sem que o sinta)
Continuar o baile nos Elísios)
Entre o Garção e Horácio.
De lá, em novas Odes,
Como é Belo Seu Rosto Matutino
Como é belo seu rosto matutino
Sua plácida sombra quando andaLembra florestas e lembra o mar
O mar o sol a pique sobre o marNão tive amigo assim na minha infância
Não é isso que busco quando o vejo
Alheio como a brisa
Não busco nada
Sei apenas que passa quando passa
Seu rosto matutino
Um som de queda de água
Uma promessa inumana
Uma ilha uma ilha
Que só vento habita
E os pássaros azuis
Demissão
Este mundo não presta, venha outro.
Já por tempo de mais aqui andamos
A fingir de razões suficientes.
Sejamos cães do cão: sabemos tudo
De morder os mais fracos, se mandamos,
E de lamber as mãos, se dependentes.
Que Vistes Meus Olhos
ALHEIO
Que vistes meus olhos
Neste bem, que vistes
Que vos vejo tristes?VOLTAS
As vossas lembranças
Não vos dão tormentos,
Nem levam os ventos
Vossas esperanças.
Não sei que mudanças
Vós de novo vistes,
Que vos vejo tristes.
Que dor ou que medos
Causam vossa dor?
Lágrimas d’amor
Descobrem segredos.
Eu vos via ledos;
Vós não sei que vistes,
Que vos vejo tristes.
Contra a Sedução
1
Não vos deixeis seduzir!
Regresso não pode haver.
O dia já fecha as portas,
Já sentis o frio da noite:
Não haverá amanhã.2
Não vos deixeis enganar,
E que a vida pouco vale!
Sorvei-a a goles profundos!
Pois não vos pode bastar
Que tenhais de a abandonar!3
Não vos contenteis de esp’ranças,
Que o tempo não é demais!
Aos mortos a podridão!
O maior que há é a vida:
E ela já não está pronta.4
Não vos deixeis seduzir
Ao moirejo e à miséria!
Que pode fazer-vos o medo?
Morreis como os bichos todos,
E depois não há mais nada.
A Palavra
Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.
Os Semeadores
Vós os que hoje colheis, por esses campos largos,
O doce fruto e a flor,
Acaso esquecereis os ásperos e amargos
Tempos do semeador?Rude era o chão; agreste e longo aquele dia;
Contudo, esses heróis
Souberam resistir na afanosa porfia
Aos temporais e aos sóis.Poucos; mas a vontade os poucos multiplica,
E a fé, e as orações
Fizeram transformar a terra pobre em rica
E os centos em milhões.Nem somente o labor, mas o perigo, a fome,
O frio, a descalcês,
O morrer cada dia uma morte sem nome,
O morrê-la, talvez,Entre bárbaras mãos, como se fora crime,
Como se fora réu
Quem lhe ensinara aquela ação pura e sublime
De as levantar ao céu!Ó Paulos do sertão! Que dia e que batalha!
Venceste-a; e podeis
Entre as dobras dormir da secular mortalha;
Vivereis, vivereis!