para uma canção de embalar
embalo a minha filha joana que acordou num berreiro.
a casa está às escuras, vou passando com cuidado
para não dar encontrões nos móveis, embalo esta menina
que se calou mas está de olho muito aberto e quer brincar,
e há um halo de luz parda a coar-se pelas persianas
e às vezes uns faróis riscando estrias a correrem pelo tecto.levo-a bem presa ao colo, toda de porcelana pesadinha,
enquanto a irmã está a dormir meio atravessada nos lençóis.
ao chegar-me a outra janela vejo as luzes fugindo na auto-estrada
em direcção ao rio, a uma placa da lua sobre o rio,
e trauteio «já gostava de te ve-er», enquanto acendo o fogão
para aquecer o leite e embalo a minha filha e a outra está a dormir.oxalá cresçam ambas airosas e bem seguras,
e possam ir na vida serenamente como os rios correm,
ou como os veleiros voam, ou como elas agora respiram
em cadências regulares neste silêncio táctil.
a meio da noite um homem acordou no sossego da casa
e pôs-se a cuidar do sono das suas filhas pequenas.
Poemas sobre Passos
143 resultadosEnfermaria Nove
13
Correram as cortinas: construíram
um último lugar, – indefinido
trânsito: funesto, ou devido
aos olhos que dez vezes já o viramerguido sobre o chão de um tal piso.
Ridículo volume; mas o pano
destrói passo e sonho, – desengano
crescendo no espelho quase liso.Um pouco mais de luz: a de não ser.
E o golpe, em si, torna-se breve:
o tempo do transporte, – se um braçoavança no desejo de prender.
E o corpo dilui-se quando leve
impulso diminui, – ou se diz lasso.
Solidão
Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espessoEsta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírioÉ então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarouMas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resignaLonge
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo