Poemas sobre Ruas

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Poemas de ruas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

o tempo subitamente solto

o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.

Trago-te ao Espaço da Janela

Trago-te ao espaço da janela.
De novo surgiram deste lado da rua.
Em voz baixa disse «uma alucinação». A
única resposta foi entrar em casa
subir ao quarto mudar de roupa
ser jovem com quem soube bem ser jovem
sábio com quem quiseste ser sábio
velho com os velhos.
Trago-te para perto da janela
o rio vê-se daqui.
A cor da terra circula.

«Talvez seja a morte» «não»
«se for a morte o coração baterá mais ou menos forte».
O corpo
não tem grande lugar.

Amador sem coisa amada

Resolvi andar na rua
com os olhos postos no chão.
Quem me quiser que me chame
ou que me toque com a mão.

Quando a angústia embaciar
de tédio os olhos vidrados,
olharei para os prédios altos,
para as telhas dos telhados.

Amador sem coisa amada,
aprendiz colegial.
Sou amador da existência,
não chego a profissional.

Lua Adversa

Tenho fases, como a lua,
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua…
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua…).
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua…
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…

Não Voltarás

não voltarás
olhando as ruas
na vidraça nua os zimbros
da terra ocre

moras secreta nestes barros
tua flauta canta nas montanhas
pedras e trepadeiras se enroscam
perto do teu rosto
e são de
água

sabes plantar o odor
dos frutos
tangerina limão
pássaras orvalho
a nervura das manhãs
e o lume dos poemas
quente metalurgia
das palavras

como ontem (tu eras morta)
prolonga-te nestas mãos
no maio das rotas
de abril
tecidas

Os Amantes de Novembro

Ruas e ruas dos amantes
Sem um quarto para o amor
Amantes são sempre extravagantes
E ao frio também faz calor

Pobres amantes escorraçados
Dum tempo sem amor nenhum
Coitados tão engalfinhados
Que sendo dois parecem um

De pé imóveis transportados
Como uma estátua erguida num
Jardim votado ao abandono
De amor juncado e de outono.

Aparição

A mulher que por mim passou na rua, há pouco,
foi uma coisa diáfana, gentil,
cedo, a pairar
na sombra dum jardim
com flores, em baixo, ajoelhadas,
ao senti-la na altura,
e mandando-lhe o aroma em lágrimas, desfeito,
para mantê-la em uma nuvem branca…

Mulher, coisa diáfana, vaga e bela, sem desenho,
logo fluido animando o colo duma nuvem, nuvem,
num ápice, trucidada pelo vento!

Sombras da Madrugada

Vi uma sombra bem unida
a dela e a tua
e a minha sombra já esquecida
surpreendida
parou na rua!
os dois bem juntos, tu e ela
nenhum reparou
que a outra sombra era daquela
que tu não queres
mas já te amou!

É madrugada não importa
neste silêncio há mais verdade
a noite é triste e tão sózinha
parece minha
toda a cidade!
nem um cigarro me conforta
nem o luar hoje me abraça
eu não te encontrarei jamais
e nestas noites sempre iguais
sou mais uma sombra que passa
sombra que passa e nada mais.

Ao longo desta madrugada
a sombra da vida
mora nas pedras da calçada
já não tem nada
anda perdida
quando a manhã, desce enfeitada
no sol, que a procura
nem sabe quanto a madrugada
chora baixinho
tanta amargura!

Variações sobre

O POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO
de Alexandre O’Neill

Os ratos invadiram a cidade
povoaram as casas os ratos roeram
o coração das gentes.
Cada homem traz um rato na alma.
Na rua os ratos roeram a vida.
É proibido não ser rato.

Canto na toca. E sou um homem.
Os ratos não tiveram tempo de roer-me
os ratos não podem roer um homem
que grita não aos ratos.
Encho a toca de sol.
(Cá fora os ratos roeram o sol).
Encho a toca de luar.
(Cá fora os ratos roeram a lua).
Encho a toca de amor.
(Cá fora os ratos roeram o amor).

Na toca que já foi dos ratos cantam
os homens que não chiam. E cantando
a toca enche-se de sol.
(O pouco sol que os ratos não roeram).

Ambiente

A Alexandre de Médicis

A rua é tão estreita
que o luar mal chega às pedras
que pisei, ao vir aqui.

A casa tem pior fama
do que a rua, onde só passa
quem não tem outro caminho.

A sala, onde vim juntar-me
com a baixeza da vida,
tem menos luz do que a rua
e os olhos não têm estrelas.
Há uma mulher perdida
que diz a sua desgraça.
Um marinheiro possante
fala de terras, do mar,
e as suas mãos têm saudade
da guitarra que está longe…

Anda, no ar, perturbante,
um cheiro de vinho novo
que enjoa, mas faz querê-lo
junto com reles comidas.

O pensamento da gente
não se fixa em coisa alguma:
vai como nota de música…

As almas estão com sono.
As horas passam
sem se dar por elas…

… E só longe
alguém cantará o fado.

Cantata de Dido

Já no roxo oriente branqueando,
As prenhes velas da troiana frota
Entre as vagas azuis do mar dourado
Sobre as asas dos ventos se escondiam.
A misérrima Dido,
Pelos paços reais vaga ululando,
C’os turvos olhos inda em vão procura
O fugitivo Eneias.
Só ermas ruas, só desertas praças
A recente Cartago lhe apresenta;
Com medonho fragor, na praia nua
Fremem de noite as solitárias ondas;
E nas douradas grimpas
Das cúpulas soberbas
Piam nocturnas, agoureiras aves.
Do marmóreo sepulcro
Atónita imagina
Que mil vezes ouviu as frias cinzas
De defunto Siqueu, com débeis vozes,
Suspirando, chamar: – Elisa! Elisa!
D’Orco aos tremendos numens
Sacrifícios prepara;
Mas viu esmorecida
Em torno dos turícremos altares,
Negra escuma ferver nas ricas taças,
E o derramado vinho
Em pélagos de sangue converter-se.
Frenética, delira,
Pálido o rosto lindo
A madeixa subtil desentrançada;
Já com trémulo pé entra sem tino
No ditoso aposento,
Onde do infido amante
Ouviu, enternecida,
Magoados suspiros, brandas queixas.
Ali as cruéis Parcas lhe mostraram
As ilíacas roupas que,

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À Braseira

Saio da tua casa. Escorrega,
do codo, a rua. Alcanço a porta amiga
de teu Tio, que espera a suecada.
Ah! que rica braseira! Levas, pronto,
uma chita, ou lavagem, ou lambida,
ou rapada. Um jagodes, na Emissora,
alude a um trintanário de missas
que impôs um qualquer coiso em testamento.
Eu barafusto. Rica bacorada!
Que viva a bela pândega dos burros!
A braseira consola. Cai folheca
lá fora. Os vidros suam, lagrimejam.
Apanhas, de seguida, três capotes.

Como Podemos Esperar

Como podemos esperar.
Aguardar o que nossas mãos possam reter.
Uma palavra. O olhar cúmplice. Se as coisas
têm já o estado do vento
o que nas ruas fica das vozes ao fim do dia.

Aguardar mais aguardar nada
quanto mais se repete uma palavra
«estou sentado virado para a parede desta casa»
baixo, mais baixo ainda,
«estou sentado virado para a parede desta casa».

Fazer que não haja sucedido o sucedido.
O prazer de sentir chegar as coisas
o riso sob a chuva
o frio que faz. Aqui

como podemos esperar uma noite de lua e vento?

Sonambulismo

Tombam os dias inúteis:
amanhece, é tarde, anoitece.
Mas a nós que nos importa
ser manhã, meio dia ou noite?!…
Sonâmbula a vida decorre
– nas ruas, a paz larvar dos grandes cemitérios;
dentro de nós, cada um
apodrece.
Enchem-se de títulos vibrantes os jornais
– mas tudo é tão longe…
Passam homens por homens e não se conhecem:
Boa tarde! Bom dia!
Cada um fechado nas suas fronteiras,
os gestos vazios,
a vida sem sentido
– sonambulismo apenas.

Acorda!
Ainda que seja só para o sobressalto,
que as ilusões do sonho se desfaçam
e as esperanças morram todas nessa hora!

Acorda!
ainda que o caminho a percorrer te espante
e o peso da obra a realizar te esmague!

Ainda que acordar seja
morrer depois aos poucos, em cada momento,
dolorosamente

Só nós dois

Só nós dois é que sabemos
O quanto nos queremos bem
Só nós dois é que sabemos
Só nós dois e mais ninguém
Só nós dois avaliamos
Este amor, forte, profundo…
Quando o amor acontece
Não pede licença ao mundo

Anda, abraça-me… beija-me
Encosta o teu peito ao meu
Esqueça o que vai na rua
Vem ser meu, eu serei tua
Que falem não nos interessa
O mundo não nos importa
O nosso mundo começa
Ca; dentro da nossa porta.

Só nós dois é que sabemos
O calor dos nossos beijos
Só nós dois é que sofremos
As torturas dos desejos
Vamos viver o presente
Tal-qual a vida nos dá
O que reserva o futuro
Só Deus sabe o que será.

Um Amor

Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação.

Rumor dos Fogos

hoje à noite avistei sobre a folha de papel
o dragão em celulóide da infância
escuro como o interior polposo das cerejas
antigo como a insónia dos meus trinta e cinco anos…

dantes eu conseguia esconder-me nas paisagens
podia beber a humidade aérea do musgo
derramar sangue nos dedos magoados
foi há muito tempo
quando corria pelas ruas sem saber ler nem escrever
o mundo reduzia-se a um berlinde
e as mãos eram pequenas
desvendavam os nocturnos segredos dos pinhais

não quero mais perceber as palavras nem os corpos
deixou de me pertencer o choro longínquo das pedras
prossigo caminho com estes ossos cor de malva
som a som o vegetal silêncio sílaba a sílaba o abandono
desta obra que fica por construir… o receio
de abrir os olhos e as rosas não estarem onde as sonhei
e teu rosto ter desaparecido no fundo do mar

ficou-me esta mão com sua sombra de terra
sobre o papel branco… como é louca esta mão
tentando aparar a tristeza antiga das lágrimas

Rua de Roma

Quero uma rua de Roma
com seus rubros com seus ocres
com essa igreja barroca
essa fonte esse quiosque
aquele pátio na sombra
ao longe a luz de um zimbório
mais o cimo dessa torre
que não tem raiz no solo
Em troca darei Moscovo
Oslo Tóquio Banguecoque
Fugaz e secreta à força
de se mostrar rumorosa
só essa rua de Roma
em cada nervo me toca
Por isso a quero assim toda
opulenta de tão pobre
com o voo desta pomba
o ribombar desta moto
com este bar de mau gosto
em cuja esplanada tomo
este espresso após o almoço
à tarde um campari soda
Em troca darei Lisboa
Londres Rio Nova Iorque
toda a prata todo o ouro
que não tenho em nenhum cofre
só no cotão do meu bolso
e no que a pátria me explora
Quero essa rua de Roma
Aqui onde estou sufoco
Aqui as manhãs irrompem
de noites que nunca morrem
Quero esse musgo essa fonte
essas folhas que se movem
sob o sopro do siroco
ora tépido ora tórrido
frente à igreja barroca
tão apagada por fora
mas que do altar ao coro
por dentro aparece enorme
Quero essa rua de Roma
casta rugosa remota
Em troca darei as lobas
que não aleitaram Rómulo
mas me deixaram na boca
o travo do transitório
Quero essa rua de Roma
sem conhecer quem lá mora
além da madonna loura
misto de corça e de cobra
que ao longo de tantas noites
tanta insónia me provoca
Quanto às restantes pessoas
inventarei como sofrem
Quero essa rua de Roma
Terá de ser sem demora
Sabemos lá quando rondam
abutres à nossa roda
Mas não me lembro do nome
da rua que assim evoco
soberba se bem que tosca
direita se bem que torta
com um Sol que tanto a doura
como a seguir a devora
Em troca darei o troco
do que por nada se troca
o florescer de uma bomba
o deflagrar de uma rosa
Quero essa rua de Roma
Amanhã   Ontem   Agora
Que importa saber-lhe o nome
se a trago dentro dos olhos
Há uma igual em Verona
Outra ainda mais a norte
Outra talvez nem tão longe
num burgo que o mundo ignora
Outra que apenas se encontra
onde a paixão a descobre
Mas rua sempre de Roma
Romana em todo o seu porte
mistura de alma e de corpo
aquém   além   do ilusório
Romana mesmo que em Roma
não haja quem a recorde
Onde quer que o sexo a sonhe
e o coração a coloque
é lá que todo sou todo
Aqui não    Aqui não posso

A Senhora de Brabante

Tem um leque de plumas gloriosas,
na sua mão macia e cintilante,
de anéis de pedras finas preciosas
a Senhora Duquesa de Brabante.

Numa cadeira de espaldar dourado,
Escuta os galanteios dos barões.
— É noite: e, sob o azul morno e calado,
concebem os jasmins e os corações.

Recorda o senhor Bispo acções passadas.
Falam damas de jóias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
à moda goda: — aos toques dos clarins!

Mas a Duquesa é triste. — Oculta mágoa
vela seu rosto de um solene véu.
— Ao luar, sobre os tanques chora a água…
— Cantando, os rouxinóis lembram o céu…

Dizem as lendas que Satã vestido
de uma armadura feita de um brilhante,
ousou falar do seu amor florido
à Senhora Duquesa de Brabante.

Dizem que o ouviram ao luar nas águas,
mais louro do que o sol, marmóreo, e lindo,
tirar de uma viola estranhas mágoas,
pelas noites que os cravos vêm abrindo…

Dizem mais que na seda das varetas
do seu leque ducal de mil matizes…

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Lisboa

De certo, capital alguma n’este mundo
Tem mais alegre sol e o ceu mais cavo e fundo,
Mais collinas azues, rio d’aguas mais mansas,
Mais tristes procissões, mais pallidas creanças,
Mais graves cathedraes – e ruas, onde a esteira
Seja em tardes d’estio a flor de larangeira!

A Cidade é formosa e esbelta de manhã! –
É mais alegre então, mais limpida, mais sã;
Com certo ar virginal ostenta suas graças,
Ha vida, confusão, murmurios pelas praças;
– E, ás vezes, em roupão, uma violeta bella
Vem regar o craveiro e assoma na janella.

A Cidade é beata – e, ás lucidas estrellas,
O Vicio á noute sae ás ruas e ás viellas,
Sorrindo a perseguir burguezes e estrangeiros;
E á triste e dubia luz dos baços candieiros,
– Em bairos sepulchraes, onde se dão facadas –
Corre ás vezes o sangue e o vinho nas calçadas!

As mulheres são vãs; mas altas e morenas,
D’olhos cheios de luz, nervosas e serenas,
Ebrias de devoções, relendo as suas Horas;
– Outras fortes, crueis, os olhos côr d’amoras,

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