Poemas sobre Ruas

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Poemas de ruas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Lisboa

De certo, capital alguma n’este mundo
Tem mais alegre sol e o ceu mais cavo e fundo,
Mais collinas azues, rio d’aguas mais mansas,
Mais tristes procissões, mais pallidas creanças,
Mais graves cathedraes – e ruas, onde a esteira
Seja em tardes d’estio a flor de larangeira!

A Cidade é formosa e esbelta de manhã! –
É mais alegre então, mais limpida, mais sã;
Com certo ar virginal ostenta suas graças,
Ha vida, confusão, murmurios pelas praças;
– E, ás vezes, em roupão, uma violeta bella
Vem regar o craveiro e assoma na janella.

A Cidade é beata – e, ás lucidas estrellas,
O Vicio á noute sae ás ruas e ás viellas,
Sorrindo a perseguir burguezes e estrangeiros;
E á triste e dubia luz dos baços candieiros,
– Em bairos sepulchraes, onde se dão facadas –
Corre ás vezes o sangue e o vinho nas calçadas!

As mulheres são vãs; mas altas e morenas,
D’olhos cheios de luz, nervosas e serenas,
Ebrias de devoções, relendo as suas Horas;
– Outras fortes, crueis, os olhos côr d’amoras,

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Reduzir a Dependência das Coisas

Tudo consiste em reduzir a dependência das coisas.
Partes amanhã. Não mais nos veremos. Um pouco o
desertor a cada passagem da nossa alma ou
quem espera para morrer.

A aquisição de todos estes bens
as espécies de tristeza são o que
acompanha quem espera — quais as pretendidas
vantagens? a juventude ou o mar?

Que te importa o que posso ou não fazer? Se
estamos tão perto quando nas ruas cruzamos e dizemos
o herói de toda a circunstância — a tua vida
precede a minha a tua morte ao abrigo das paixões
mas nada disto é dito
animal que repousa sob o erro.

Pela última vez
põe os teus sapatos novos
tão contrários à fonte dos actos e à moral
e vem, mesmo que tenhas andado para lá do som,
lavadinho, para que eu possa passar a minha mão
pelo pêlo
pelo pêlo lugar também do saber e de toda a possessão.

A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;

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O Amor Eterno

E agora que as mãos da incrédula
rapariga te empurram para a saída,
onde irá chover, de acordo com
a cor do céu, não resistas. Na rua,
onde os ventos se cruzam na esquina,
os que sopram, do norte, de colinas
manchadas pelo inverno, e os que
nascem do rio, trazendo a impressão
húmida do litoral, acende um cigarro,
para que o calor do lume te reconforte
as mãos, avança pelo passeio, enquanto
o frio te deixar, e ouve o canto da água
por baixo de terra: correntes
no limite entre o gelo
e o fogo, uma evaporação de humores,
como se as almas lutassem em busca de
saída, e, no fumo de uma memória
de mesa antiga, tu e essa que amaste,
trocando as frases matinais do re-
encontro. Vidros embaciados pelas
lágrimas da ruptura, perguntas sem
resposta, a casa de luzes
apagadas, como se estivesse vazia – e como
se não soubesses que os destinos se decidem
por cima de nós, onde em cada instante
um deus cansado nos desfaz as inúteis
promessas de eternidade.

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Serradura

A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.

E ei-la, a mona, lá está,
Estendida, a perna traçada,
No infindável sofá
Da minha Alma estofada.

Pois é assim: a minha Alma
Outrora a sonhar de Rússias,
Espapaçou-se de calma,
E hoje sonha só pelúcias.

Vai aos Cafés, pede um bock,
Lê o “Matin” de castigo,
E não há nenhum remoque
Que a regresse ao Oiro antigo:

Dentro de mim é um fardo
Que não pesa, mas que maça:
O zumbido dum moscardo,
Ou comichão que não passa.

Folhetim da “Capital”
Pelo nosso Júlio Dantas –
Ou qualquer coisa entre tantas
Duma antipatia igual…

O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca fazia,
E fuma o seu cigarrinho
Em plena burocracia!…

Qualquer dia, pela certa,
Quando eu mal me precate,
É capaz dum disparate,
Se encontra a porta aberta…

Isto assim não pode ser…
Mas como achar um remédio?

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Miseria Occulta

Bate nos vidros a aurora,
Vem depois a noute escura;
E o pobre astro que ali móra,
Não abandona a costura!

Para uns a vida é d’abrolhos!
Para outros mouta de lyrios!
Bem o revelam seus olhos,
Pisados pelos martyrios!

Miseria afugenta tudo!
Miseria tem dons funestos!
Quem é que gaba o velludo
D’aquelles olhos honestos!…

Ninguem seus olhos brilhantes
Descobre n’essas alturas…
E aquellas formas tão puras,
E aquellas mãos elegantes!

Sempre á costura inclinada!
Morra o sol ou surja a lua
Nunca vi descer á rua
Aquella loura encantada!

Aquelle lyrio dobrado
Por que assim vive escondido!
Eu bem sei!–não tem calçado!
E é muito usado o vestido!

Por isso não tem porvir
Morrerá virgem e nova,
E aguarda-a bem cedo a cova…
Que eu bem a ouço tossir!

Miseria afugenta tudo!
Miseria tem dons funestos!
Quem é que gaba o veludo
D’aquelles olhos honestos!

Pobre flor desfalecida
Tão nova e ainda em botão!
Como teve estreita a vida,

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Demogorgon

Na rua cheia de sol vago há casas paradas e gente que anda.
Uma tristeza cheia de pavor esfria-me.
Pressinto um acontecimento do lado de lá das frontarias e dos movimentos.

Não, não, isso não!
Tudo menos saber o que é o Mistério!
Superfície do Universo, ó Pálpebras Descidas,
Não vos ergais nunca!
O olhar da Verdade Final não deve poder suportar-se!

Deixai-me viver sem saber nada, e morrer sem ir saber nada!
A razão de haver ser, a razão de haver seres, de haver tudo,
Deve trazer uma loucura maior que os espaços
Entre as almas e entre as estrelas.

Não, não, a verdade não! Deixai-me estas casas e esta gente;
Assim mesmo, sem mais nada, estas casas e esta gente…
Que bafo horrível e frio me toca em olhos fechados?
Não os quero abrir de viver! ó Verdade, esquece-te de mim!

Os Loucos

Há vários tipos de louco.

O hitleriano, que barafusta.
O solícito, que dirige o trânsito.
O maníaco fala-só.

O idiota que se baba,
explicado pelo psiquiatra gago.
O legatário de outros,
o que nos governa.

O depressivo que salva
o mundo. Aqueles que o destroem.

E há sempre um
(o mais intratável) que não desiste
e escreve versos.

Não gosto destes loucos.
(Torturados pela escuridão, pela morte?)
Gosto desta velha senhora
que ri, manso, pela rua, de felicidade.

Dia de Natal

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?)
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente acotovela,

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O Pajem

Sozinho de brancura, eu vago – Asa
De rendas que entre cardos só flutua…
– Triste de Mim, que vim de Alma prà rua,
E nunca a poderei deixar em casa…

Uma Cidade

Uma cidade pode ser
apenas um rio, uma torre, uma rua
com varandas de sal e gerânios
de espuma. Pode
ser um cacho
de uvas numa garrafa, uma bandeira
azul e branca, um cavalo
de crinas de algodão, esporas
de água e flancos
de granito.
Uma cidade
pode ser o nome
dum país, dum cais, um porto, um barco
de andorinhas e gaivotas
ancoradas
na areia. E pode
ser
um arco-íris à janela, um manjerico
de sol, um beijo
de magnólias
ao crepúsculo, um balão
aceso

numa noite
de junho.

Uma cidade pode ser
um coração,
um punho.

O Selvagem

Eu não amo ninguem. Tambem no mundo
Ninguem por mim o peito bater sente,
Ninguem entende meu sofrer profundo,
E rio quando chora a demais gente.

Vivo alheio de todos e de tudo,
Mais callado que o esquife, a Morte e as lousas,
Selvagem, solitario, inerte e mudo,
– Passividade estupida das Cousas.

Fechei, de ha muito, o livro do Passado
Sinto em mim o despreso do Futuro,
E vivo só commigo, amortalhado
N’um egoismo barbaro e escuro.

Rasguei tudo o que li. Vivo nas duras
Regiões dos crueis indifferentes,
Meu peito é um covil, onde, ás escuras,
Minhas penas calquei, como as serpentes.

E não vejo ninguem. Saio sómente
Depois de pôr-se o sol, deserta a rua,
Quando ninguem me espreita, nem me sente,
E, em lamentos, os cães ladram à lua…

O Essencial é Ter o Vento

O essencial é ter o vento.
Compra-o; compra-o depressa,
A qualquer preço.
Dá por ele um princípio, uma ideia,
Uma dúzia ou mesmo dúzia e meia
Dos teus melhores amigos, mas compra-o.
Outros, menos sagazes
E mais convencionais,
Te dirão que o preciso, o urgente,
É ser o jogador mais influente
Dum trust de petróleo ou de carvão.
Eu não: O essencial é ter o vento.
E agora que o Outono se insinua
No cadáver das folhas
Que atapeta a rua
E o grande vento afina a voz
Para requiem do Verão,
A baixa é certa.
Compra-o; mas compra-o todo,
De modo Que não fique sopro ou brisa
Nas mãos de um concorrente
Incompetente.

Acendem-se as Luzes

Acendem-se as luzes
nas ruas da cidade.

Ainda há claridade
ao alto das cruzes
da igreja da praça
e para lá dos telhados
já meio esfumados
na mesma cor baça
do casario velho
que recobre a encosta
e mal entremostra
as cores de Botelho,
sobranceiro à massa
fluida e movente
das cordas de gente
por onde perpassa
um ar de alegria
que é do tempo quente
e deste andar contente
que no fim do dia
leva para casa,
a paz das varandas,
o álcool das locandas,
tanta vida rasa
minha semelhante.
Solidão povoada
que a tarde cansada
suspende um instante
ao acender das luzes.

Em cada olhar uma rosa
de propósito formosa
para que a uses.

Quanto Morre um Homem

Quando eu um dia decisivamente voltar a face
daquelas coisas que só de perfil contemplei
quem procurará nelas as linhas do teu rosto?
Quem dará o teu nome a todas as ruas
que encontrar no coração e na cidade?
Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem
no brilho de olhos lavados nas quatro estações?
Quando toda a alegria for clandestina
alguém te dobrará em cada esquina?

Acendimento

Seria bom sentir no quarto qualquer música
enquanto nos banham os perfis ateados
pelo aroma da tília, sem voz, em abandono.
A entrada por detrás das ruas principais
onde a morrinha parece que nem molha
e se chega perdido onde se vai.
Não, não é só um beijo que te quero dar.

Quantas vezes nesta hora de desvalimento
vejo orion e as plêiades devagar no céu de inverno.
Mas hoje
com a calma inesperada de chuvas que não cessam
acordo já depois. Caí numa hibernação que não norteia
o desequilíbrio do sentimento.

Espelhos sem paz tocam-nos no rosto.
Na cega mancha de roupagem aconchego
cada intempérie com sua mentira
e depois sigo pela torrente, pelo enredo
dos outeiros, cada espelho continua
a caução pacificadora do engano.
É isso que te levo, isso que me dás
quando dizes, já sem o dizeres, eu amo-te.

Pela berma da humidade cerrada
um risco de mercúrio trespassa.
Na gravilha passos que não há
esmagam a música que ninguém escuta.
Sabiam de cor tudo o que falhava,

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Serenata à Chuva

Chuva, manhã cinza, guarda-chuva.
Entrar no contexto, dois pontos. Ele e ela
abraçados caminham sob o tecto
do guarda-chuva que os guarda.
Pelas ruas vão com a vontade de voltar
ao branco dos lençóis. Esse objecto prosaico
que às vezes se vira com o vento
torna-se objecto de poema. Dizer também
como a chuva é doce neste dia de verão.
Como o amor altera o sentido da chuva,
sim, como ela se eleva no ar e as frases se colam
ao vestido. No interior da pele o poema mudou
desde que entraste no guarda-chuva esquecido
a um canto do armário. Talvez o amor seja tudo amar
sem excepção. Eu que nunca uso guarda-chuva
assino incondicionalmente este poema.

O Mapa

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo…

(É nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei…

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei…)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso…

As Profecias

(fragmentos)

I

depois de tudo
minha casa permanecerá nos fundos

minguantes novos
cidades mortas
ruas desconhecidas

barcos de vento
perdidos sons

foi lá que brinquei de longe
e perdi-me de mim
foi lá a primeira tosquia
quando me tiraram tudo

nem o leque
para afugentar a maturação
nem a haste
para defender-me das feras
nem o silêncio
para vestir-me no esquecimento

depois de tudo
minha casa permanecerá nos fundos

foi lá que brinquei de longe
e me perdi de mim

II

A flor abre-se em terra
para o forte a ser nosso.

Perto estamos
dos rios coagulados
de mel colhido aos tempos.
Perto estamos
da nocturna fé de ser impuro
benvinda das lonjuras.

Perto estamos dos infantes campos
junto ao longe tranquilo de viver.
Ouvi, solitárias meninas, solitários meninos:
o vento chão que varre os prados
onde somos horizontais,
afinal.

III

Trago a palma na mão, aqui estou,

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O Amor é o Homem Inacabado

Todas as árvores com todos os ramos com todas
[as folhas
A erva na base dos rochedos e as casas
[amontoadas
Ao longe o mar que os teus olhos banham
Estas imagens de um dia e outro dia
Os vícios as virtudes tão imperfeitos
A transparência dos transeuntes nas ruas do acaso
E as mulheres exaladas pelas tuas pesquisas
[obstinadas
As tuas ideias fixas no coração de chumbo nos
[lábios virgens
Os vícios as virtudes tão imperfeitos
A semelhança dos olhares consentidos com os
[olhares conquistados
A confusão dos corpos das fadigas dos ardores
A imitação das palavras das atitudes das ideias
Os vícios as virtudes tão imperfeitos

O amor é o homem inacabado.

Tradução de António Ramos Rosa