Poemas sobre SilĂȘncio de LĂȘdo Ivo

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Poemas de silĂȘncio de LĂȘdo Ivo. Leia este e outros poemas de LĂȘdo Ivo em Poetris.

O Ferrador de Cavalos

Em que lĂ­ngua falarei
ao ferrador de cavalos?
Por que, na minha lĂ­ngua
de assombro e vogal,
sĂł falo a mim mesmo
— ao meu nada e ao meu tudo —
e nem sequer disponho
do gesto dos mudos?
Se as palavras morrem
Ă  mĂ­ngua como os homens
e se o silĂȘncio fala
seu prĂłprio idioma
em que lĂ­ngua direi
ao homem diferente
que ele Ă© meu semelhante
quando o vejo ferrar
o casco de um cavalo?
Empunhando o martelo
ele me conta histĂłrias
de cravos perdidos
e cavalos mancos.
Palavras que se perdem
como ferraduras
no caminho do pasto.

Barganha

Domingo Ă© dia de barganha.
Troco um relĂłgio dos antigos
por um cavalo rosilho,
um bode por um trinca-ferro,
e uma roda de cabriolé
por um radinho de pilha.
Troco um gibĂŁo de cigano
pela serra que serrou
o tronco mais odorante
e por um fogĂŁo de lenha
troco um cachorro de caça
e uma panela de cobre.
Troco toda a luz do sol
pela sombra de um sĂł pĂĄssaro.
Por uma espingarda troco
um tacho que foi de escravos
além de um almofariz
e uma xĂ­cara sem asa.
Troco a salmoura dos peixes
por qualquer gosto de lĂĄgrima.
Pela vitrola rachada
dou a minha bicicleta
com os pneus arriados.
Troco o entulho que restou
do muro que derrubei
pelo calor da fogueira
que por uma noite apenas
negou o frio dos pobres.
Troco um lençol de noivado
e uma toalha bordada
pela sua reflectida
na escuridĂŁo das cisternas.
Troco o meu selim de couro
por um arreio de prata.
Dou um caminhĂŁo de pedra
por um portĂŁo de peroba.

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O Amigo

Embora seja teu amigo
nĂŁo nos encontraremos nunca.
Jamais verĂĄs a minha sombra
quando eu caminhar ao teu lado
nem ouvirĂĄs minhas palavras
se um dia eu te gritar bem alto.
SĂł no momento em que morreres
Ă© que irei ao teu encontro.
E para sempre ficarei
em teu silĂȘncio e solidĂŁo
de homem morto e abandonado.

Condição para Aceitar

Que a morte me lembre
um mar transparente,
sĂł assim a aceito:
silĂȘncio final
dentro de meu peito,
perfeição de vagas
brancas e caladas,
paisagem abolida
no horizonte raso
do mar sem coqueiros,
vazio do mundo
apĂłs a palavra
que quis dizer tudo
e nĂŁo disse nada.