Passagens de Raimundo Correia

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Frases, pensamentos e outras passagens de Raimundo Correia para ler e compartilhar. Os melhores escritores estĂŁo em Poetris.

Último Porto

Este o paĂ­s ideal que em sonhos douro;
Aqui o estro das aves me arrebata,
E em flores, cachos e festÔes, desata
A Natureza o virginal tesouro;

Aqui, perpétuo dia ardente e louro
Fulgura; e, na torrente e na cascata,
A ĂĄgua alardeia toda a sua prata,
E os laranjais e o sol todo o seu ouro…

Aqui, de rosas e de luz tecida,
Leve mortalha envolva estes destroços
Do extinto amor, que inda me pesam tanto;

E a terra, a mĂŁe comum, no fim da vida,
Para a nudeza me cobrir dos ossos,
Rasgue alguns palmos do seu verde manto.

A Cavalgada

A lua banha a solitĂĄria estrada…
SilĂȘncio!… mas alĂ©m, confuso e brando,
O som longĂ­nquo vem se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
VĂȘm alegres, vĂȘm rindo, vĂȘm cantando,
E as trompas a soar vĂŁo agitando
O remanso da noite embalsamada…

E o bosque estala, move-se, estremece…
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se apĂłs no centro da montanha…

E o silĂȘncio outra vez soturno desce,
E lĂ­mpida, sem mĂĄcula, alvacenta
A lua a estrada solitĂĄria banha…

Mal Secreto

Se a cĂłlera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrĂłi cada ilusĂŁo que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espĂ­rito que chora
Ver através da måscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, entĂŁo piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recĂŽndito inimigo,
Como invisĂ­vel chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja a ventura Ășnica consiste
Em parecer aos outros venturosa!

Banzo

VisÔes que na alma o céu do exílio incuba,
Mortais visĂ”es! Fuzila o azul infando…
Coleia, basilisco de ouro, ondeando
O NĂ­ger… Bramem leĂ”es de fulva juba…

Uivam chacais… Ressoa a fera tuba
Dos cafres, pelas grotas retumbando,
E a estrelada das ĂĄrvores, que um bando
De paquidermes colossais derruba…

Como o guaraz nas rubras penhas dorme,
Dorme em nimbos de sangue o sol oculto…
Fuma o saibro africano incandescente…

Vai com a sombra crescendo o vulto enorme
Do baobĂĄ… E cresce na alma o vulto
De uma tristeza, imensa, imensamente…