A Cavalgada
A lua banha a solitária estrada…
SilĂŞncio!… mas alĂ©m, confuso e brando,
O som longĂnquo vem se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.São fidalgos que voltam da caçada;
VĂŞm alegres, vĂŞm rindo, vĂŞm cantando,
E as trompas a soar vĂŁo agitando
O remanso da noite embalsamada…E o bosque estala, move-se, estremece…
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se apĂłs no centro da montanha…E o silĂŞncio outra vez soturno desce,
E lĂmpida, sem mácula, alvacenta
A lua a estrada solitária banha…
Passagens sobre Estradas
309 resultadosCantar de Amigo
O claro pĂŁo
que repartimos
dá-nos um tĂtulo:
companheiros.A indagação
que aprofundamos
faz de nĂłs, artesĂŁos,
camaradas.O olhar sem visgo,
a voz precisa,
o gesto mundo,
eis-nos: amigos.Quantos, que marcham pela vida
como quem carrega uma estrada,
terĂŁo amigo, companheiro e camarada?
Qualquer estrada, disse Carlyle, atĂ© esta estrada de Entepfuhl, te leva atĂ© ao fim do mundo. Mas a estrada de Entepfuhl, se for seguida toda, e atĂ© ao fim, volta a Entepfuhl; de modo que o Entepfuhl, onde já estávamos, Ă© aquele mesmo fim do mundo que Ăamos buscar.
A estrada do monte
Não digas nada a ninguém
que eu ando no mundo triste
a minha amada, que eu mais gostava,
dançou, deixou-me da mão;
Eu a dizer-lhe que queria
ela a dizer-me que nĂŁo
e a passarada
nĂŁo se calava
cantando esta cançãoSim, foi na estrada do monte
perdi o teu grande amor
Sim ali ao pé da fonte
perdi o teu grande amorAi que tristeza que eu sinto
fiquei no mundo tĂŁo sĂł
e aquela fonte, ficou marcada
com tanto que se chorou
Se alguém aqui nunca teve
uma razĂŁo para chorar
siga essa estrada
nĂŁo diga nada
que eu fico aqui a chorarSim, foi na estrada do monte
perdi o teu grande amor
Sim ali ao pé da fonte
perdi o teu grande amor
Ă“ Virgens!
Ă“ virgens que passaes, ao sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me transporte ao meu perdido lar…Cantae-me, n’essa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formozura, o luar!Cantae! cantae as limpidas cantigas!
Das ruinas do meu lar desatterrae
Todas aquellas illuzões antigasQue eu vi morrer n’um sonho, como um ai…
Ă“ suaves e frescas raparigas;
Adormecei-me n’essa voz… Cantae!
Caminho da ManhĂŁ
Vais pela estrada que Ă© de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarĂŁo o silĂŞncio de bronze. Ă€ tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos nĂŁo dĂŁo nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mĂŁo do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levĂssima e fresca. AtĂ© chegares Ă s muralhas antigas da cidade que estĂŁo em ruĂnas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, atĂ© encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar atĂ© ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. AĂ deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visĂvel se vĂŞ atĂ© ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. TambĂ©m ali entre a cidade e a água nĂŁo encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira Ă tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes.
No meio do caminho de nossa vida
Encontrei-me numa selva obscura
Que a estrada reta fora perdida
A Poezia do Outomno
Noitinha. O sol, qual brigue em chammas, morre
Nos longes d’agoa… Ă“ tardes de novena!
Tardes de sonho em que a poezia escorre
E os bardos, a sonhar, molham a penna!Ao longe, os rios de agoas prateadas
Por entre os verdes cannaviaes, esguios,
SĂŁo como estradas liquidas, e as estradas
Ao luar, parecem verdadeiros rios!Os choupos nus, tremendo, arripiadinhos,
O chale pedem a quem vae passando…
E nos seus leitos nupciaes, os ninhos,
As lavandiscas noivam piando, piando!O orvalho cae do céu, como um unguento.
Abrem as boccas, aparando-o, os goivos…
E a larangeira, aos repellões do vento,
Deixa cair por terra a flor dos noivos.E o orvalho cae… E, á falta d’agoa, rega
O val sem fruto, a terra arida e nua!
E o Padre-Oceano, lá de longe, prega
O seu Sermão de Lagrymas, á Lua!Tardes de outomno! ó tardes de novena!
Outubro! Mez de Maio, na lareira!
Tardes…
Lá vem a Lua, gratiae plena,
Do convento dos céus, a eterna freira!
Sonetos
Do som, da luz entre os joviais duetos,
Como uma chusma alada de gaivotas,
Vindos das largas amplidões remotas,
Batem as asas todos os sonetos.VĂŁo — por estradas, por difĂceis rotas,
Quatorze versos — entre dois quartetos
E duas belas e luzidas frotas
Rijas, seguras, de mais dois tercetos.Com a brunida lâmina da lima,
Vão céus radiosos, horizontes acima,
Pelas paragens lĂmpidas, gentis,Atravessando o campo das quimeras,
Aberto ao sol das flĂłreas primaveras,
Todo estrelado de áureos colibris.
Mágoas
Quando nasci, num mĂŞs de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.Mais tarde da existĂŞncia nos verdores
Da infância nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infância nunca teve flores!Volvendo à quadra azul da mocidade,
Minh’alma levo aflita Ă Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mágoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!
Infeliz
Alma viúva das paixões da vida,
Tu que, na estrada da existĂŞncia em fora,
Cantaste e riste, e na existĂŞncia agora
Triste soluças a ilusão peerdida;Oh! Tu, que na grinalda emurchecida
De teu passado de felicidade
Foste juntar os goivos da Saudade
Às flores da Esperança enlanguescida;Se nada te aniquila o desalento
Que te invade, e o pesar negro e profundo,
Esconde Ă Natureza o sofrimento,E fica no teu ermo entristecida,
Alma arrancada do prazer do mundo,
Alma viúva das paixões da vida.
Anima Mea
Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pés do caminhante.Era de ver a fúnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»— Não temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).Eu nĂŁo busco o teu corpo… Era um trofĂ©u
Glorioso de mais… Busco a tua alma —
Respondi-lhe: «A minha alma já morreu!»
Os Dias Conto, e cada Hora, e Momento
Os dias conto, e cada hora, e momento
qu’ alongando-me vou dos meus amores.
Nas árvores, nas pedras, ervas, flores,
parece que acho mágoa, e sentimento.As aves que no ar voam, o sol, e o vento,
montes, rios, e gados, e pastores,
as estradas, e os campos, mostram as dores
da minha saudade, e apartamento.E quanto m’era lá doce, e suave,
mais triste, e duro Amor cá mo apresenta,
a que entreguei da minha vida a chave.Em lágrimas força Ă© qu’ as faces lave,
ou que nĂŁo sinta a dor que na tormenta
memória da bonança faz mais grave.
As citações, no meu trabalho, são como ladrões à beira da estrada, que irrompem armados e arrebatam o consciente do ocioso viajante.
Parâmetro
Uma tarde amarela noroeste
modo nosso de amar lembrando a estrada,
que passa sempre a leste
de urna tarde espantada,de urna tarde amarela soterrada
numa caixa de pĂŞssegos, madura,
uma janela madura de bandeiras abortas
para o mar, e frias;encarcerada pelo verdoenga de pĂŞssegos
e açúcar cristalizado sobre a polpa
dos verdes apanhados na chácara. Setembro.
Ah, setembro, setembroessa menina e teus jardins sobre a cabeça
castanha e cacheada, numa tarde amarela
de vapores entrando a barra, de sinos
batendo, que reconheço de outra época,do espanto de outras torres, de outra tarde espantada,
que amarravas no inverno embora outubro:
esse rapaz que atravessa o corporal de pĂŞssegos
de urna tarde amarela,
como se fincasse a cisma de uma lança
no rosto da palavra genial
e seu ramo de rosas, sua neblina.
Profecia
Nem me disseram ainda
para o que vim.
Se logro ou verdade,
se filho amado ou rejeitado.
Mas sei
que quando cheguei
os meus olhos viram tudo
e tontos de gula ou espanto
renegaram tudo
— e no meu sangue veias se abriram
noutro sangue…
A ele obedeço,
sempre,
a esse incitamento mudo.
Também sei
que hei-de perecer, exangue,
de excesso de desejar;
mas sinto,
sempre,
que nĂŁo posso recuar.Hei-de ir contigo
bebendo fel, sorvendo pragas,
ultrajado e temido,
abandonado aos corvos,
com o pus dos bolores
e o fogo das lavas.
Hei-de assustar os rebanhos dos montes
ser bandoleiro de estradas.
— Negro fado, feia sina,
mas nĂŁo sei trocar a minha sorte!NĂŁo venham dizer-me
com frases adocicadas
(não venham que os não oiço)
que levo caminho errado,
que tenho os caminhos cerrados
Ă minha febre!
Hei-de gritar,
cair, sofrer
— eu sei.
Mas nĂŁo quero ter outra lei,
outro fado, outro viver.
NĂŁo importa lá chegar…
Boas estradas, canais e rios navegáveis, diminuindo a despesa de transporte, colocam as regiões remotas de um paĂs em um nĂvel mais prĂłximo do daquelas nas vizinhanças das cidades. Por causa disso, representam as maiores de todas as melhorias.
Beatriz
Bandeirante a sonhar com pedrarias
Com tesouros e minas fabulosas,
Do amor entrei, por Ănvias e sombrias
Estradas, as florestas tenebrosas.Tive sonhos de louco, Ă FernĂŁo Dias…
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
Selvas, o outro encontrei, e o Ă´nix, e as frias
Turquesas, e esmeraldas luminosas…E por eles passei. Vivi sete anos
Na floresta sem fim. Senti ressábios
De amarguras, de dor, de desenganos.Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
Com o rubi palpitante dos seus lábios
E os dois grandes topázios dos seus olhos!
Compreender e Unir
Já sĂŁo em nĂşmero demasiado os que vieram ao mundo para combater e separar; o progresso e valor de cada seita e de cada grupo dependeram talvez desta atitude descriminadora e intransigente; aceitemos como o melhor que foi possĂvel tudo o que nos apresenta o passado; mas procuremos que seja outra a atitude que tomarmos; lancemos sobre a terra uma semente de renovação e de Ăntimo aperfeiçoamento.
Reservemos para nós a tarefa de compreender e unir; busquemos em cada homem e em cada povo e em cada crença não o que nela existe de adverso, para que se levantem as barreiras, mas o que existe de comum e de abordável, para que se lancem as estradas da paz; empreguemos toda a nossa energia em estabelecer um mútuo entendimento; ponhamos de lado todo o instinto de particularismo e de luta, alarguemos a todos a nossa simpatia.
Reflitamos em que sĂŁo diferentes os caminhos que toma cada um para seguir em busca da verdade, em que muitas vezes sĂł um antagonismo de nomes esconde um acordo real. Surja Ă luz a Ăntima corrente tanta vez soterrada e nela nos banhemos. Aprendamos a chamar irmĂŁo ao nosso irmĂŁo e façamos apelo ao nosso maior esforço para que se nĂŁo quebre a atitude fraternal,
Não siga a estrada, apenas; ao contrário. Vá por onde não haja estrada e deixe uma trilha.