Chegou Enfim, E O Desembarque Dela
Chegou enfim, e o desembarque dela
Causou-me logo uma impressão divina!
É meiga, pura como sã bonina,
Nos olhos vivos doce luz revela!É graciosa, sacudida e bela,
Não tem os gestos de qualquer menina:
Parece um gênio que seduz, fascina,
Tão atraente, singular é ela!Chegou, enfim! eu murmurei contente!
Fez-se em minh’alma purpurina aurora,
O entusiasmo me brotou fervente!Vimos-lhe apenas a construção sonora,
Vimos a larva, nada mais, somente
Falta-nos ver a borboleta agora!
Sonetos sobre Alma de Cruz e Souza
127 resultadosPacto Das Almas (I) Para Sempre!
Ah! para sempre! para sempre! Agora
Não nos separaremos nem um dia…
Nunca mais, nunca mais, nesta harmoia
Das nossas almas de divina aurora.A voz do céu pode vibrar sonora
Ou do Inferno a sinistra sinfonia,
Que num fundo de astral melancolia
Minh’alma com a tu’alma goza e chora.Para sempre está feito o augusto pacto!
Cegos serenos do celeste tacto,
Do Sonho envoltas na estrelada rede.E perdidas, perdidas no Infinito
As nossas almas, no Clarão bendito,
Hão de enfim saciar toda esta sede…
Pacto Das Almas (II) Longe De Tudo
É livre, livre desta vã matéria,
Longe, nos claros astros peregrinos
Que havereemos de encontrar os dons divinos
E a grande paz, a grande paz sidérea.Cá nesta humana e trágica miséria,
Nestes surdos abismos assassinos
Termos de colher de atros destinos
A flor apodrecida e deletéria.O baixo mundo que troveja e brama
Só nos mostra a caveira e só a lama,
Ah! só a lama e movimentos lassos…Mas as almas irmãs, almas perfeitas,
Hão de trocar, nas Regiões eleitas,
Largos, profundos, imortais abraços!
De Alma Em Alma
Tu andas de alma em alma errando, errando,
como de santuário em santuário.
És o secreto e místico templário
As almas, em silêncio, contemplando.Não sei que de harpas há em ti vibrando,
que sons de peregrino estradivário
Que lembras reverências de sacrário
E de vozes celestes murmurando.Mas sei que de alma em alma andas perdido
Atrás de um belo mundo indefinido
De silêncio, de Amor, de Maravilha.Vai! Sonhador das nobres reverências!
A alma da Fé tem dessas florescências,
Mesmo da Morte ressuscita e brilha!
A Harpa
Prende, arrebata, enleva, atrai, consola
A harpa tangida por convulsos dedos,
Vivem nela mistérios e segredos,
É berceuse, é balada, é barcarola.Harmonia nervosa que desola,
Vento noturno dentre os arvoredos
A erguer fantasmas e secretos medos,
Nas suas cordas um soluço rola…Tu’alma é como esta harpa peregrina
Que tem sabor de música divina
E só pelos eleitos é tangida.Harpa dos céus que pelos céus murmura
E que enche os céus da música mais pura,
como de uma saudade indefinida.
O Cego Do Harmonium
Esse cego do harmonium me atormenta
E atormentando me seduz, fascina.
A minh’alma para ele vai sedenta
Por falar com a sua alma peregrina.O seu cantar nostálgico adormenta
Como um luar de mórbida neblina.
O harmonium geme certa queixa lenta,
Certa esquisita e lânguida surdina.Os seus olhos parecem dois desejos
Mortos em flor, dois luminosos beijos
Fanados, apagados, esquecidos…Ah! eu não sei o sentimento vário
Que prende-me a esse cego solitário,
De olhos aflitos como vãos gemidos!
Santos Óleos
Com os santos óleos de que vens ungido
Podes andar no mundo sem receio.
Quem veio para a Luz, por certo veio
Para ser valoroso e ser temido.Que tudo é embalde, tudo em vão, perdido
Quando se traz esse divino anseio,
Esse doce tranporte ou doce enleio
Que deixa tudo e tudo confundido.A Alma que comop a vela chega ao porto
Sente o melhor, consolador conforto
E a asa nas asas dos Arcanjos toca…Os santos óleos são a luz guiadora
Que vigia por ti na pecadora
Terra e o teu mundo celestial evoca
Na Luz
De soluço em soluço a alma gravita,
De soluço em soluço a alma estremece,
Anseia, sonha, se recorda, esquece
E no centro da Luz dorme contrita.Dorme na paz sacramental, bendita,
Onde tudo mais puro resplandece,
Onde a Imortalidade refloresce
Em tudo, e tudo em cânticos palpita.Sereia celestial entre as sereias,
Ela só quer despedaçar cadeias,
De soluço em soluço, a alma nervosa.Ela só quer despedaçar algemas
E respirar nas amplidões supremas,
Respirar, respirar na Luz radiosa.
Delírio Do Som
O Boabdil mais doce que um carinho,
O teu piano ebúrneo soluçava,
E cada nota, amor, que ele vibrava,
Era-me n’alma um sol desfeito em vinho.Me parecia a música do arminho,
O perfume do lírio que cantava,
A estrela-d’alva que nos céus entoava
Uma canção dulcíssima baixinho.Incomparável, teu piano — e eu cria
Ver-te no espaço, em fluidos de harmonia,
Bela, serena, vaporosa e nua;Como as visões olímpicas do Reno,
Cantando ao ar um delicioso treno
Vago e dolente, com uns tons de lua.
Visionários
Armam batalhas pelo mundo adiante
Os que vagam no mundos visionários,
Abrindo as áureas portas de sacrários
Do Mistério soturno e palpitante.O coração flameja a cada instante
Com brilho estranho, com fervores vários,
Sente a febre dos bons missionários
Da ardente catequese fecundante.Os visionários vão buscar frescura
De água celeste na cisterna pura
Da Esperança, por horas nebulosas…Buscam frescura, um outro novo encanto…
E livres, belos através do pranto,
Falam baixo com as almas misteriosas!
A Grande Sede
Se tens sede de Paz e d’Esperança,
Se estás cego de Dor e de Pecado,
Valha-te o Amor, ó grande abandonado,
Sacia a sede com amor, descansa.Ah! volta-te a esta zona fresca e mansa
Do Amor e ficarás desafogado,
Hás de ver tudo claro, iluminado
Da luz que uma alma que tem fé alcança.O coração que é puro e que é contrito,
Se sabe ter doçura e ter dolência
Revive nas estrelas do Infinito.Revive, sim, fica imortal, na essência
Dos Anjos paira, não desprende um grito
E fica, como os Anjos, na Existência.
Grande Amor
Grande amor, grande amor, grande mistério
Que as nossas almas trêmulas enlaça…
Céu que nos beija, céu que nos abraça
Num abismo de luz profundo e sério.Eterno espasmo de um desejo etéreo
E bálsamo dos bálsamos da graça,
Chama secreta que nas almas passa
E deixa nelas um clarão sidéreo.Cântico de anjos e de arcanjos vagos
Junto às águas sonâmbulas de lagos,
Sob as claras estrelas desprendido…Selo perpétuo, puro e peregrino
Que prende as almas num igual destino,
Num beijo fecundado num gemido.
Mundo Inaccessível
Tu’alma lembra um mundo inaccessível
Onde só astros e águias vão pairando,
Onde só se escuta, trágica, cantando,
A sinfonia da Amplidão terrível!Alma nenhuma, que não for sensível,
Que asas não tenha para as ir vibrando,
Essa região secreta desvendando,
Falece, morre, num pavor incrível!É preciso ter asas e ter garras
Para atingir aos ruídos de fanfarras
Do mundo da tu’alma augusta e forte.É preciso subir ígneas montanhas
E emudecer, entre visões estranhas,
Num sentimento mais sutil que a Morte!
Fogos-Fátuos
Há certas almas vãs, galvanizadas
De emoção, de pureza, de bondade,
Que como toda a azul imensidade
Chegam a ser de súbito estreladas.E ficam como que transfiguradas
Por momentos, na vaga suavidade
De quem se eleva com serenidade
Às risonhas, celestes madrugadas.Mas nada às vezes nelas corresponde
Ao sonho e ninguém sabe mais por onde
Anda essa falsa e fugitiva chama…É que no fundo, na secreta essência,
Essas almas de triste decadência
São lama sempre e sempre serão lama.
O Seu Boné
À atriz Adelina Castro
É um boné ideal, de feltros e de plumas,
Que ela usa agora, assim como um turbante
Turco, aveludado, doce como algumas
Nuvens matinais que rolam no levante.Lembro quando ao vê-lo a rubra marselhesa,
Lembro sensações e cousas de prodígio
E penso que ele tem a máscula grandeza
Desse sedutor, vital barrete frígio!…Às vezes meu olhar medindo-lhe o contorno
E a flácida plumagem que serve-lhe d’adorno,
— satânico, voraz, esplêndido de fé!Exclama num idílio cândido e singelo,
Por entre as convulsões artísticas do Belo; —
Oh! tem coração e alma, esse boné!…
Soneto
Brancas Aparições, Visões renanas,
Imagens dos Ascetas peregrinos,
Hinos nevoentos, neblinosos hinos
Das brumosas igrejas luteranas.Vago mistério das regiões indianas,
Sonhos do Azul dos astros cristalinos,
Coros de Arcanjos, claros sons divinos
Dos Arcanjos, nas tiorbas soberanas.Tudo ressurge na minh’alma e vaga
Num fluido ideal que me arrebata e alaga,
No abandono mais lânguido mais lasso…Quando lá nos sacrários do Cruzeiro
A lua rasga o trêmulo nevoeiro,
Magoada de vigílias e cansaço…
Eternidade Retrospectiva
Eu me recordo de já ter vivido,
Mudo e só, por olímpicas Esferas,
onde era tudo velhas primaveras
E tudo um vago aroma indefinido.Fundas regiões do Pranto e do Gemido
Onde as almas mais graves, mais austeras
Erravam como trêmulas quimeras
Num sentimento estranho e comovido.As estrelas, longínquas e veladas,
Recordavam violáceas madrugadas,
Um clarão muito leve de saudade.Eu me recordo d’imaginativos
Luares liriais, contemplativos
Por onde eu já vivi na Eternidade!
Acima De Tudo
Da gota d’água de um carinho agreste
Geram-se os oceanos da Bondade.
O coração que é livre e bom reveste
Tudo d’encanto e simples majestade.Ascender para a Luz é ser celeste,
Novos astros sentir na imensidade
Da alma e ficar nessa inconsútil veste
Da divina e serena claridade.O que é consolador e o que é supremo
Cada alma encontra no caminho extremo,
Quando atinge às estrelas da pureza.É apenas trazer o Ser liberto
De tudo e transformar cada deserto
Num sonho virginal da Natureza!
Divina
Eu não busco saber o inevitável
Das espirais da tua vi matéria.
Não quero cogitar da paz funérea
Que envolve todo o ser inconsolável.Bem sei que no teu circulo maleável
De vida transitória e mágoa seria
Há manchas dessa orgânica miséria
Do mundo contingente , imponderável .Mas o que eu amo no teu ser obscuro
E o evangélico mistério puro
Do sacrifício que te torna heroína.São certos raios da tu’alma ansiosa
E certa luz misericordiosa,
E certa auréola que te fez divina!
Abrigo Celeste
Estrela triste a refletir na lama,
Raio de luz a cintilar na poeira,
Tens a graça sutil e feiticeira,
A doçura das curvas e da chama.Do teu olhar um fluido se derrama
De tão suave, cândida maneira
Que és a sagrada pomba alvissareira
Que para o Amor toda a minh’alma chama.Meu ser anseia por teu doce apoio,
Nos outros seres só encontra joio
Mas só no teu todo o divino trigo.Sou como um cego sem bordão de arrimo
Que do teu ser, tateando, me aproximo
Como de um céu de carinhoso abrigo.