Sonetos sobre Amigos de Augusto dos Anjos

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O Coveiro

Uma tarde de abril suave e pura
Visitava eu somente ao derradeiro
Lar; tinha ido ver a sepultura
De um ente caro, amigo verdadeiro.

LĂĄ encontrei um pĂĄlido coveiro
Com a cabeça para o chão pendida;
Eu senti a minh’alma entristecida
E interroguei-o: “Eterno companheiro

Da morte, que matou-te o coração?”
Ele apontou para uma cruz no chĂŁo,
Ali jazia o seu amor primeiro!

Depois, tomando a enxada gravemente,
Balbuciou, sorrindo tristemente: –
“Ai! Foi por isso que me fiz coveiro!”

Versos Íntimos

VĂȘs?! NinguĂ©m assistiu ao formidĂĄvel
Enterro de tua Ășltima quimera.
SĂłmente a IngratidĂŁo – esta pantera –
Foi tua companheira inseparĂĄvel!

Acostuma-te Ă  lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserĂĄvel,
Mora, entre feras, sente inevitĂĄvel
Necessidade de também ser fera.

Toma um fĂłsforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mĂŁo que afaga Ă© a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mĂŁo vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Ergue, Criança, A Fronte Condorina

Ergue, criança, a fronte condorina
Que é tua fronte, oh!, genial criança,
É como a estrela-d’alva da esperança,
Do talento sagrado que a ilumina!

Ergue-a, pois, e que, à auréola purpurina
Do Sol da CiĂȘncia, o rĂștilo tesouro
Do Estudo – o Grande Mestre – que te ensina,
Chova sobre ela suas gemas d’ouro!

E hoje que colhes um laurel bendito,
Aceita a saudação que num contrito
Fervor, eleva, qual penhor sincero

Um peito amigo a outro peito amigo,
A um gĂȘnio que desponta e que eu bendigo,
A um coração de irmão que tanto quero!

O Último NĂșmero

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idĂ©ia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o Ășltimo nĂșmero cansado.

Era de vĂȘ-lo, imĂłvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessĂŁo, estranho ao mundo,
Com o reflexo fĂșnebre do Increado:

Bradei: – Que fazes ainda no meu crĂąnio?
E o Ășltimo nĂșmero, atro e subterrĂąneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!

Pois que a minha ontogĂȘnica Grandeza
Nunca vibrou em tua lĂ­ngua presa,
NĂŁo te abandono mais! Morro contigo!”