Sonetos sobre Ar de Carlos Drummond de Andrade

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Sonetos de ar de Carlos Drummond de Andrade. Leia este e outros sonetos de Carlos Drummond de Andrade em Poetris.

RemissĂŁo

Tua memĂłria, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vĂŁo se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quĂȘ? perguntaria,
se esse travo de angĂșstia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senĂŁo contentamento de escrever,

enquanto o tempo, em suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?

Oficina Irritada

Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difĂ­cil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, nĂŁo ser.

Esse meu verbo antipĂĄtico e impuro
hĂĄ de pungir, hĂĄ de fazer sofrer,
tendĂŁo de VĂȘnus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrarå: tiro no muro,
cĂŁo mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.