Esta Velha AngĂșstia
Esta velha angĂșstia,
Esta angĂșstia que trago hĂĄ sĂ©culos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lågrimas, em grandes imaginaçÔes,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoçÔes sĂșbitas sem sentido nenhum.Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas nĂŁo: Ă© este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que…,
Isto.Um internado num manicÎmio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicĂŽmio sem manicĂŽmio.
Estou doido a frio,
Estou lĂșcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que sĂŁo loucura
Porque nĂŁo sĂŁo sonhos.
Estou assim…Pobre velha casa da minha infĂąncia perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que Ă© do teu menino? EstĂĄ maluco.
Que Ă© de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
EstĂĄ maluco.
Quem de quem fui? EstĂĄ maluco. Hoje Ă© quem eu sou.Se ao menos eu tivesse uma religiĂŁo qualquer!
Por exemplo,
Passagens sobre AngĂșstia
219 resultadosComo um Adeus PortuguĂȘs
Meu amor, desaparecido no sono como sonho de outro sonho,
meu amor, perdido na mĂșsica dos versos que faço e recomeço,
meu amor por fim perdido.Nenhuma lĂąmpada se acende na cĂąmara escura do esquecimento,
onde revelo em banho de prata as imagens que guardo de ti,
imagens que se desfiam na memĂłria de haver corpos,
na memória da alegria que sempre guardamos para dar a alguém,
tremendo de medo, tropeçando de angĂșstia,
enternecidos,
entontecidos,
como aves canoras soltas nos vendavais.Perdi-te no momento certo de perder-te.
Aqui estĂŁo os augĂșrios, alĂ©m o discernimento.
O amor em surdina desfez-se no seu dizer,
entre versos pobres, um corpo cansado,
e a doença sem fim do desejo mortal.Apagaram-se as luzes. Nunca o vento da indiferença
me abrirĂĄ as mĂŁos.
Nunca abdicarei deste quinhĂŁo de luz, o meu amor.
E agora vejo bem como as palavras caem,
nĂŁo valem,
se desfolham e são pisadas por qualquer afirmação da vida,
da vida que nĂŁo era para nĂłs.
Lisbon Revisited (1926)
Nada me prende a nada.
Quero cinqĂŒenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angĂșstia de fome de carne
O que nĂŁo sei que seja –
Definidamente pelo indefinido…
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.Fecharam-me todas as portas abstratas e necessĂĄrias.
Correram cortinas de todas as hipĂłteses que eu poderia ver da rua.
NĂŁo hĂĄ na travessa achada o nĂșmero da porta que me deram.Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
AtĂ© a vida sĂł desejada me farta – atĂ© essa vida…Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
NĂŁo sei que destino ou futuro compete Ă minha angĂșstia sem leme;
NĂŁo sei que ilhas do sul impossĂvel aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darĂŁo ao menos um verso.NĂŁo, nĂŁo sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma…
E, no fundo do meu espĂrito,
O Vencedor Vencido
NĂŁo Ă© fĂĄcil amar o que venceu,
o que leva alguns passos de avançada,
que o amor sĂł se oferece ao que perdeu,
muito embora com culpa declarada.
Todavia, o que vence multiplica
sobre si as angĂșstias de perder:
interroga, analisa e sĂł complica
aquilo que nĂŁo pode perceber;
e quando, em esgotamento prematuro,
ele aceita uma calma provisĂłria,
vĂȘm os homens que o lançam contra o muro
e lhe atiram ao rosto essa vitĂłria.
NĂŁo Ă© amar as raparigas tratĂĄ-las como seres que nĂŁo entendem senĂŁo as suas lisonjas e as suas anedotas; sĂł as amarĂĄ e sĂł elas o poderĂŁo amar a vocĂȘ, para alĂ©m das enganadoras aparĂȘncias, quando a sua alma se lhes abrir, e com todos os seus problemas, todas as suas angĂșstias, toda a sua seriedade, toda a sua gravidade humana.
7A Sombra – Dulce
Se houvesse ainda talismĂŁ bendito
Que desse ao pĂąntano – a corrente pura,
Musgo – ao rochedo, festa – Ă sepultura,
Das ĂĄguias negras – harmonia ao grito…,Se alguĂ©m pudesse ao infeliz precito
Dar lugar no banquete da ventura…
E tocar-lhe o velar da insĂŽnia escura
No poema dos beijos – infinito…,Certo. . . serias tu, donzela casta,
Quem me tomasse em meio do CalvĂĄrio
A cruz de angĂșstias que o meu ser arrasta!. . .Mas ,se tudo recusa-me o fadĂĄrio,
Na hora de expirar, Ăł Dulce, basta
Morrer beijando a cruz de teu rosĂĄrio!…
A AngĂșstia InsuportĂĄvel de Gente
Ah, onde estou onde passo, ou onde nĂŁo estou nem passo,
A banalidade devorante das caras de toda a gente!
Ah, a angĂșstia insuportĂĄvel de gente!
O cansaço inconvertĂvel de ver e ouvir!(MurmĂșrio outrora de regatos prĂłprios, de arvoredo meu.)
Queria vomitar o que vi, sĂł da nĂĄusea de o ter visto,
EstĂŽmago da alma alvorotado de eu ser…
A Invenção do Amor
Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares Ă porta dos edifĂcios pĂșblicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anĂșncios de apa-
relhos de rĂĄdio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no åtrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amorEm letras enormes do tamanho
do medo da solidĂŁo da angĂșstia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carĂĄcter de urgĂȘncia
deixando cair dos ombros o fardo incĂłmodo da monotonia
quotidianaUm homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inĂșteis
Apenas o silĂȘncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperadoNĂŁo saĂram de mĂŁos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativoUm homem uma mulher um cartaz de denĂșncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rĂĄdio jĂĄ falou A TV anuncia
iminente a captura A polĂcia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
Ă© possĂvel que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
Ă preciso encontrĂĄ-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeiaHå pesadas sançÔes para os que auxiliarem os fugitivos
(…)
A DependĂȘncia Ă© a Raiz de Todos os Males
O que deve um cĂŁo a um cĂŁo, um cavalo a um cavalo? Nada. Nenhum animal depende do seu semelhante. Tendo porĂ©m o homem recebido o raio da Divindade a que se chama razĂŁo, qual foi o resultado? Ser escravo em quase toda a terra. Se o mundo fosse o que parece dever ser, isto Ă©, se em toda parte os homens encontrassem subsistĂȘncia fĂĄcil e certa e clima apropriado Ă sua natureza, impossĂvel teria sido a um homem servir-se de outro. Cobrisse-se o mundo de frutos salutares. NĂŁo fosse veĂculo de doenças e morte o ar que contribui para a existĂȘncia humana. Prescindisse o homem de outra morada e de outro leito alĂ©m do dos gansos e cabras monteses, nĂŁo teriam os Gengis CĂŁs e TamerlĂ”es vassalos senĂŁo os prĂłprios filhos, os quais seriam bastante virtuosos para auxiliĂĄ-los na velhice.
No estado natural de que gozam os quadrĂșpedes, aves e rĂ©pteis, tĂŁo feliz como eles seria o homem, e a dominação, quimera, absurdo em que ninguĂ©m pensaria: para quĂȘ servidores se nĂŁo tivĂ©sseis necessidade de nenhum serviço? Ainda que passasse pelo espĂrito de algum indivĂduo de bofes tirĂąnicos e braços impacientes por submeter o seu vizinho menos forte que ele,
A obra de arte Ă© o resultado feliz de uma angĂșstia contĂnua.
Um Céu e Nada Mais
Um cĂ©u e nada mais â que sĂł um temos,
como neste sistema: sĂł um sol.
Mas luzes a fingir, dependuradas
em abĂłbada azul â como de tecto.
E o seu nĂșmero tal, que deslumbrados
neram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tĂŁo de ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levĂssimo toque de mistĂ©rio.
Pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a Ăąncora maior sobre o meu
coração. Que não te assuste o som
desse trovĂŁo que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caĂdo.
Mas, de verdade: natural fenĂłmeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tĂŁo frĂĄgil como ĂĄlcool, tĂŁo de
potente e liso como ĂĄlcool
implodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abĂłbada azul. Se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais â que nada temos,
que nĂŁo seja esta angĂșstia de
mortais (e a maldição da rima,
Regenerada
De mĂŁos postas, Ă luz de frouxos cĂrios
Rezas para as Estrelas do Infinito,
Para os Azuis dos siderais EmpĂreos
Das OraçÔes o doloroso rito.Todos os mais recĂŽnditos martĂrios,
As angĂșstias mortais, teu lĂĄbio aflito
Soluça, em preces de luar e lĂrios,
Num trĂȘmulo de frases inaudito.Olhos, braços e lĂĄbios, mĂŁos e seios,
Presos, d’estranhos, mĂsticos enleios,
JĂĄ nas MĂĄgoas estĂŁo divinizados.Mas no teu vulto ideal e penitente
Parece haver todo o calor veemente
Da febre antiga de gentis Pecados.
O PĂąntano
Podem vĂȘ-lo, sem dor, meus semelhantes!
Mas, para mim que a Natureza escuto,
Este pĂąntano Ă© o tĂșmulo absoluto,
De todas as grandezas começantes!Larvas desconhecidas de gigantes
Sobre o seu leito de peçonha e luto
Dormem tranqĂŒilamente o sono bruto
Dos superorganismos ainda infantes!Em sua estagnação arde uma raça,
Tragicamente, Ă espera de quem passa
Para abrir-lhe, Ă s escĂąncaras, a porta…E eu sinto a angĂșstia dessa raça ardente
Condenada a esperar perpetuamente
No universo esmagado da ĂĄgua morta!
Prazer filho da angĂșstia.
Existir Ă© Ser PossĂvel Haver Ser
Ah, perante esta Ășnica realidade, que Ă© o mistĂ©rio,
Perante esta Ășnica realidade terrĂvel â a de haver uma realidade,
Perante este horrĂvel ser que Ă© haver ser,
Perante este abismo de existir um abismo,
Este abismo de a existĂȘncia de tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
â Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem,
Tudo o que os homens dizem,
Tudo quanto constroem, desfazem ou se constrói ou desfaz através deles,
Se empequena!
NĂŁo, nĂŁo se empequena… se transforma em outra coisa â
Numa sĂł coisa tremenda e negra e impossĂvel,
Urna coisa que estå para além dos deuses, de Deus, do Destino
âAquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino,
Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres,
Aquilo que subsiste através de todas as formas,
De todas as vidas, abstratas ou concretas,
Eternas ou contingentes,
Verdadeiras ou falsas!
Aquilo que, quando se abrangeu tudo, ainda ficou fora,
Porque quando se abrangeu tudo nĂŁo se abrangeu explicar por que Ă© um tudo,
A Companhia da Literatura Ă© Perigosa
A companhia da literatura Ă© perigosa, tanto que eu, por vezes, a pessoas que aprecio nĂŁo vejo motivos nenhuns para lhes aplaudir que leiam muito e penetrem tanto nos livros, e o que lhes desejo Ă© o Bem, e qualquer um que tenha lido por exemplo Kafka conhece perfeitamente «quanta angĂșstia excessiva para nada» (como dizia Pessoa) hĂĄ na literatura.
Como diz Magris: «Kafka sabia perfeitamente que a literatura o afastava do territĂłrio da morte e permitia-lhe compreender a vida, mas deixando-o de fora. Assim como lhe permitia compreender a grandeza do padre judeu, modelo de homem, mas nĂŁo lhe permitia precisamente sĂȘ-lo.»
Precisamente porque a literatura nos permite compreender a vida, deixa-nos fora dela. Ă duro, mas Ă s vezes Ă© o melhor que nos pode acontecer. A leitura, a escrita, buscam a vida, mas podem perdĂȘ-la precisamente porque estĂŁo inteiramente concentradas na vida e na sua prĂłpria busca.
Talvez seja a melancolia da tarde em que estou a escrever isto, mas a verdade Ă© que estou a falar de um nĂł inextricĂĄvel de bem e de mal, de luzes e sombras inerentes Ă leitura e Ă literatura. Tudo isto Ă© duro, para quĂȘ nos enganarmos. Trata-se de uma dureza que,
VocĂȘ foi a esperança nos meus dias de solidĂŁo,a angĂșstia dos meus instantes de dĂșvida, a certeza nos momentos de fĂ©.
Nunca Conheci quem Tivesse Levado Porrada
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos tĂȘm sido campeĂ”es em tudo.E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes nĂŁo tenho tido paciĂȘncia para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridĂculo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando nĂŁo tenho calado, tenho sido mais ridĂculo ainda;
Eu, que tenho sido cĂłmico Ă s criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possiblidade do soco;
Eu que tenho sofrido a angĂșstia das pequenas coisas ridĂculas,
Eu que verifico que não tenho par nisto neste mundo.Toda a gente que eu conheço e que fala comigo,
Nunca teve um acto ridĂculo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senĂŁo princĂpe –
Ă tĂŁo Suave a Fuga deste Dia
Ă tĂŁo suave a fuga deste dia,
LĂdia, que nĂŁo parece, que vivemos.
Sem dĂșvida que os deuses
Nos são gratos esta hora,Em paga nobre desta fé que temos
Na exilada verdade dos seus corpos
Nos dĂŁo o alto prĂȘmio
De nos deixarem serConvivas lĂșcidos da sua calma,
Herdeiros um momento do seu jeito
De viver toda a vida
Dentro dum sĂł momento,Dum sĂł momento, LĂdia, em que afastados
Das terrenas angĂșstias recebemos
OlĂmpicas delĂcias
Dentro das nossas almas.E um sĂł momento nos sentimos deuses
Imortais pela calma que vestimos
E a altiva indiferença
Ăs coisas passageirasComo quem guarda a c’roa da vitĂłria
Estes fanados louros de um sĂł dia
Guardemos para termos,
No futuro enrugado,Perene Ă nossa vista a certa prova
De que um momento os deuses nos amaram
E nos deram uma hora
NĂŁo nossa, mas do Olimpo.
A angĂșstia Ă© a possibilidade da liberdade. Ă o medo dessa possibilidade. A angĂșstia Ă© o puro sentimento do possĂvel.
Se houver coragem de ir mais alĂ©m, se constatarĂĄ que a entĂŁo realidade serĂĄ muito mais leve do que era a possibilidade. E o grande salto serĂĄ o mais difĂcil, serĂĄ cair nas mĂŁos de Deus, serĂĄ a coragem.