Poemas sobre Álcool

10 resultados
Poemas de álcool escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Natal Diferente

I

Catedrais de luz erguidas na cidade.
Neve artificial nas montras com brinquedos.
Soa um Cântico antigo no vento da tarde
que arrefece. Em cada rosto, em cada olhar,
um não-sei-quê de pasmo nesta hora de Natal.

Não é serenidade o que se bebe pelas ruas.
Cinzenta é a cor do céu. Decerto vai chover.
No ambiente superficial
representam-se alegrias.
As notícias nos jornais agravam
o cepticismo deste Natal a haver.

Sinto-me vazio. Lasso. Sem vontade.
Uma grande ternura a boiar dentro de rnirn:
Lástima, piedade, amor pelos humanos?
Mas de que serve comover-me assim?

Vou aceitar este Natal, tal como está.
Com álcool. Com prazer.
Embriagar-me de luz, de sons e de ilusões.
Ser como toda a gente. E possa o mundo arder!

II

Meu Menino Jesus que deves estar no Céu
vem tiritar nas cidades sem calor.
Vem dar realidade a este dia, vem!
— Trinta e três anos e a consciência em flor.
Mas não venhas de fraldas: a Estrela já brilhou.
Traz o corpo macerado,

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Resgate

Meus pés moídos na calçada,
minhas tardes envenenadas de álcoois nos cafés,
e o vazio por dentro
a encher o tédio das horas sem nome.

Tudo isto
– moeda triste
que nem chega a pagar o sol da tardinha
e a poeira de feno que pontilhou de oiro
teu corpo entre trigais.

Acendem-se as Luzes

Acendem-se as luzes
nas ruas da cidade.

Ainda há claridade
ao alto das cruzes
da igreja da praça
e para lá dos telhados
já meio esfumados
na mesma cor baça
do casario velho
que recobre a encosta
e mal entremostra
as cores de Botelho,
sobranceiro à massa
fluida e movente
das cordas de gente
por onde perpassa
um ar de alegria
que é do tempo quente
e deste andar contente
que no fim do dia
leva para casa,
a paz das varandas,
o álcool das locandas,
tanta vida rasa
minha semelhante.
Solidão povoada
que a tarde cansada
suspende um instante
ao acender das luzes.

Em cada olhar uma rosa
de propósito formosa
para que a uses.

O Livro Fechado

Quebrada a vara, fechei o livro
e não será por incúria ou descuido
que algumas páginas se reabram
e os mesmos fantasmas me visitem.
Fechei o livro, Senhor, fechei-o,

mas os mortos e a sua memória,
os vivos e sua presença podem mais
que o álcool de todos os esquecimentos.
Abjurado, recusei-o e cumpro,
na gangrena do corpo que me coube,

em lugar que lhe não compete,
o dia a dia de um destino tolerado.
Na raça de estranhos em que mudei,
é entre estranhos da mesma raça
que, dissimulado e obediente, o sofro.

Aventureiro, ou não, servidor apenas
de qualquer missão remota ao sol poente,
em amanuense me tornei do horizonte
severo e restrito que me não pertence,
lavrador vergado sobre solo alheio

onde não cai, nem vinga, desmobilizada,
a sombra elíptica do guerreiro.
Fechei o livro, calei todas as vozes,
contas de longe cobradas em nada.
Fale, somente, o silêncio que lhes sucede.

A Noite de Pavese

Raras vezes me franquearam a porta
e me deixaram entrar. A febre
sitia-me a alma e quem me vê
assusta-se do aspecto do meu rosto,
esta barba por fazer onde um rouxinol
se esconde. E mais ainda assusta
a minha altura, este lugar de vertigem
e palavras poderosas, a presença
de ilimitados segredos que ninguém quer conhecer,
o estremecimento que corre nos meus ombros.
Embora nada peça, sabem que sou um pedinte.
E quando entro nas casas os meus gestos
afeiçoam-se a alguma coisa enigmática
que contorna o pavor e o entrega
por não se saber que espécie de vida ou de morte
vem comigo. Obviamente, eu abençoo
quem me deixa entrar, dou a entender
que alguma coisa brilha nas minhas mãos
e posso matar a fome com uma ou outra palavra
próxima do amor, um dedo nos cabelos
de quem me recebe. Subi as escadas que vão dar a esta casa
em silêncio e em silêncio aceitei que me aguardassem
com as inefáveis sombras que vejo nos outros
e tento decifrar para meu contentamento.
Mandaram-me sentar e deram-me de beber.

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II Bacio

O Beijo! malva-rosa em jardim de carícias!
Vivo acompanhamento no piano dos dentes
Dos refrãos que Amor canta nas almas ardentes
Com a sua voz de arcanjo em lânguidas delícias!

Divino e gracioso Beijo, tão sonoro!
Volúpia singular, álcool inenarrável!
O homem, debruçado na taça adorável,
Deleita-se em venturas que nunca se esgotam.

Como o vinho do Reno e a música, embalas
E consolas a mágoa, que expira em conjunto
Com os lábios amuados na prega purpúrea…
Que um maior, Goethe ou Will, te erga um verso clássico.

Quanto a mim, trovador franzino de Paris,
Só te ofereço um bouquet de estrofes infantis:
Sê benévolo e desce aos lábios insubmissos
De Uma que eu bem conheço, Beijo, e neles ri.

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

Requiem por Muitos Maios

Conheci tipos que viveram muito. Estão
mortos, quase todos: de suicídio, de cansaço.
de álcool, da obrigação de viver
que os consumia. Que ficou das suas vidas? Que
mulheres os lembram com a nostalgia
de um abraço? Que amigos falam ainda, por vezes,
para o lado, como se eles estivessem à sua
beira?

No entanto, invejo-os. Acompanhei-os
em noites de bares e insónia até ao fundo
da madrugada; despejei o fundo dos seus copos,
onde só os restos de vinho manchavam
o vidro; respirei o fumo dessas salas onde as suas
vozes se amontoavam como cadeiras num fim
de festa. Vi-os partir, um a um, na secura
das despedidas.

E ouvi os queixumes dessas a quem
roubaram a vida. Recolhi as suas palavras em versos
feitos de lágrimas e silêncios. Encostei-me
à palidez dos seus rostos, perguntando por eles – os
amantes luminosos da noite. O sol limpava-lhes
as olheiras; uma saudade marítima caía-lhes
dos ombros nus. Amei-as sem nada lhes dizer – nem do amor,
nem do destino desses que elas amaram.

Conheci tipos que viveram muito –

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Villa Dei Misteri

Tiro os óculos e recua o mundo:
torno à mais árdua intimidade.
Diónisos ou Penteus, antes do sangue
pesa já a vinha sobre as colinas
de Outubro.

As bodas místicas
do deus e da noviça, meu destino
branco, minha face nocturna,
não os preserva a ciência
dos três livros, nem figurariam,

por certo, na cinza dos restantes.
Sei, entre névoas e azul, de uma
biblioteca deserta, cujas estantes,
por desnudas, não enjeitam
a mais discreta sabedoria.

Em sua transparência se inscrevem,
como a luz à luz se sobrepõe.
Trago na pele e nos olhos,
sobre a língua e o palato,
a memória escaldante

de uma mulher.
Devora-me
um álcool lento e sedicioso.
De todas as mortes sofridas,
só esta temo e não desejo.

Inocência

De um lado, a veste; o corpo, do outro lado,
Límpido, nu, intacto, sem defesa…
Mitológico rosto debruçado
Na noite que, por ele, fica acesa!

Se traz os lábios húmidos e lassos
É que a paixão sem mácula ainda o cega
E tatuou na curva de alvos braços
As sete letras da palavra: entrega.

Acre perfume o dessa flor agreste.
Álcool azul o desse verde vinho.
De um lado o corpo; do outro lado, a veste
Como luar deitado no caminho…

Em frente há um pinheiro cismador.
O rio corre, vagaroso ao fundo.
Na estrada ninguém passa… Ai! tanto amor
Sem culpa!
Ai! dos Poetas deste mundo!

Um Céu e Nada Mais

Um céu e nada mais — que só um temos,
como neste sistema: só um sol.
Mas luzes a fingir, dependuradas
em abóbada azul — como de tecto.
E o seu número tal, que deslumbrados
neram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tão de ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levíssimo toque de mistério.
Pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a âncora maior sobre o meu
coração. Que não te assuste o som
desse trovão que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caído.
Mas, de verdade: natural fenómeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tão frágil como álcool, tão de
potente e liso como álcool
implodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abóbada azul. Se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais — que nada temos,
que não seja esta angústia de
mortais (e a maldição da rima,

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