Sonetos sobre Areia

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Sonetos de areia escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

VĂ©nus

I

À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!

PĂștrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrĂĄs, como voando…

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.

II

Singra o navio. Sob a ĂĄgua clara
VĂȘ-se o fundo do mar, de areia fina…
_ ImpecĂĄvel figura peregrina,
A distĂąncia sem fim que nos separa!

Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparĂȘncia luminosa
Repousam, fundos, sob a ĂĄgua plana.

E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrågios, perdiçÔes, destroços!
_ Ó fĂșlgida visĂŁo, linda mentira!

RĂłseas unhinhas que a marĂ© partira…
Dentinhos que o vaivĂ©m desengastara…

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Bastava-nos Amar

Bastava-nos amar. E nĂŁo bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.

Bastava-nos ficar. E nĂŁo bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
JĂĄ nĂŁo bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.

Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar

a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.

Caminho II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quĂȘ, nem eu o sei.
– Bom dia, companheiro, te saudei,
Que a jornada Ă© maior indo sozinho

É longe, Ă© muito longe, hĂĄ muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei…
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvårio,
E queima como a areia!… Foi no entanto

Que choramos a dor de cada um…
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.

Caminho

II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quĂȘ, nem eu o sei.
– Bom dia, companheiro – te saudei,
Que a jornada Ă© maior indo sozinho.

É longe, Ă© muito longe, hĂĄ muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei…
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvårio,
E queima como a areia!… Foi no entanto

Que chorĂĄmos a dor de cada um…
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.

Tarde Demais…

Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mĂĄgico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
PĂŽs-se o silĂȘncio, em volta, a escutar…

Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que nĂŁo pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
PĂ©s nus, olhos a rir, a boca em flor!

E hĂĄ cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!…”

No Egito

Sob os ardentes sĂłis do fulvo Egito
De areia estuosa, de candente argila,
Dos sonhos da alma o turbilhĂŁo desfila,
Abre as asas no pĂĄramo infinito.

O Egito Ă© sempre o amigo, o velho rito
Onde um mistério singular se asila
E onde, talvez mais calma, mais tranqĂŒila
A alma descansa do sofrer prescrito.

Sobre as ruĂ­nas d’ouro do passado,
No céu cavo, remoto, ermo e sagrado,
Torva morte espectral pairou ufana…

E no aspecto de tudo em torno, em tudo,
Árido, pétreo, silencioso, mudo,
Parece morta a prĂłpria dor humana!

Entre o Bater Rasgado dos PendÔes

Entre o bater rasgado dos pendÔes
E o cessar dos clarins na tarde alheia,
A derrota ficou: como uma cheia
Do mal cobriu os vagos batalhÔes.

Foi em vão que o Rei louco os seus varÔes
Trouxe ao prolixo prélio, sem idéia.
Água que mão infiel verteu na areia —
Tudo morreu, sem rastro e sem razÔes.

A noite cobre o campo, que o Destino
Com a morte tornou abandonado.
Cessou, com cessar tudo, o desatino.

Só no luar que nasce os pendÔes rotos
Mostram no absurdo campo desolado
Uma derrota herĂĄldica de ignotos.