Caminho Da GlĂłria
Este caminho Ă© cor de rosa e Ă© de ouro,
Estranhos roseirais nele florescem,
Folhas augustas, nobres reverdecem
De acanto, mirto e sempiterno louro.Neste caminho encontra-se o tesouro
Pelo qual tantas almas estremecem;
É por aqui que tantas almas descem
Ao divino e fremente sorvedouro.É por aqui que passam meditando,
Que cruzam, descem, trĂŞmulos, sonhando,
Neste celeste, lĂmpido caminhOs seres virginais que vĂŞm da Terra,
EnsangĂĽentados da tremenda guerra,
Embebedados do sinistro vinho.
Sonetos sobre Cores de Cruz e Souza
12 resultadosO Final Do Guarani
(Santos, 15 jul. 1883)
Ceci — Ă© a virgem loira das brancas harmonias,
A doce-flor-azul dos sonhos cor de rosa,
Peri — o Ăndio ousado das bruscas fantasias,
O tigre dos sertões — de alma luminosa.Amam-se com o amor indĂ´mito e latente
Que nunca foi traçado nem pode ser descrito.
Com esse amor selvagem que anda no infinito.
E brinca nos juncais, — ao lado da serpente.PorĂ©m… no lance extremo, o lance pavoroso,
Assim por entre a morte e os tons de um puro gozo,
Dos leques da palmeira a note musical…VĂŁo ambos a sorrir, Ă s águas arrojados,
Mansos como a luz, tranqüilos, enlaçados
E perdem-se na noite serena do ideal!…
Tortura Eterna
ImpotĂŞncia cruel, Ăł vĂŁ tortura!
Ó Força inútil, ansiedade humana!
Ă“ cĂrculos dantescos da loucura!
Ă“ luta, Ă“ luta secular, insana!Que tu nĂŁo possas, Alma soberana,
Perpetuamente refulgir na Altura,
Na Aleluia da Luz, na clara Hosana
Do Sol, cantar, imortalmente pura.Que tu nĂŁo posses, Sentimento ardente,
Viver, vibrar nos brilhos do ar fremente,
Por entre as chamas, os clarões supernos.Ă“ Sons intraduzĂveis, Formas, Cores!…
Ah! que eu nĂŁo possa eternizar as cores
Nos bronzes e nos mármores eternos!
Canção Da Formosura
Vinho de sol ideal canta e cintila
Nos teus olhos, cintila e aos lábios desce,
Desce a boca cheirosa e a empurpurece,
Cintila e canta apĂłs dentre a pupila.Sobe, cantando, a limpidez tranqĂĽila
Da tu’alma estrelada e resplandece,
Canta de novo e na doirada messe
Do teu amor, se perpetua e trila…Canta e te alaga e se derrama e alaga…
Num rio de ouro, iriante, se propaga
Na tua carne alabastrina e pura.Cintila e canta na canção das cores,
Na harmonia dos astros sonhadores,
A Canção imortal da Formosura!
Campesinas VI
As uvas pretas em- cachos
DĂŁo agora nas latadas…
Que lindo tom de alvoradas
Na vinha, junto aos riachos.Este ano arados e sachos
Deixaram terras lavradas,
Ă€ espera das inflamadas
Ondas do sol, como fachos.Veio o sol e fecundou-as,
Deu-lhes vigor, enseivou-as,
Tornou-as férteis de amor.Eis que as vinhas rebentaram
E as uvas amaduraram,
SanguĂneas, com sol na cor.
Amor
Nas largas mutações perpétuas do universo
O amor Ă© sempre o vinho enĂ©rgico, irritante…
Um lago de luar nervoso e palpitante…
Um sol dentro de tudo altivamente imerso.NĂŁo há para o amor ridĂculos preâmbulos,
Nem mesmo as convenções as mais superiores;
E vamos pela vida assim como os noctâmbulos
Ă fresca exalação salĂşbrica das flores…E somos uns completos, cĂ©lebres artistas
Na obra racional do amor — na heroicidade,
Com essa intrepidez dos sábios transformistas.Cumprimos uma lei que a seiva nos dirige
E amamos com vigor e com vitalidade,
A cor, os tons, a luz que a natureza exige!…
Roma PagĂŁ
Na antiga Roma, quando a saturnal fremente
Exerceu sobre tudo o báquico domĂnio,
NĂŁo era raro ver nos gozos do triclĂnio
A nudez feminina imperiosa e quente.O corpo de alabastro, olĂmpico e fulgente,
Lascivamente nu, correto e retilĂnio,
Num doce tom de cor, esplĂŞndido e sangĂĽĂneo,
Tinha o assombro da came e a forma da serpente.A luz atravessava em frocos d’oiro e rosa
Pela fresca epiderme, ebĂşrnea e setinosa,
Macia, da maciez dulcĂssima de arminhos.Menos raro, porĂ©m, do que a nudez romana
Era ver borbulhar, em férvida espadana
A pĂşrpura do sangue e a pĂşrpura dos vinhos.
GlĂłrias Antigas
Rubras como gauleses arruivados,
Voltam da guerra as hostes triunfantes,
Trazem nas lanças d’aço lampejantes,
Os louros das batalhas pendurados.Os escudos e arneses dos soldados
Rutilam como lascas de diamantes
E na armadura os mĂşsculos vibrantes,
Rijos, palpitam, batem nervurados.Dentre estandartes, flâmulas de cores,
Trazem dos olhos rufos de tambores,
RuĂdos de alegria estranha e louca.Chegam por fim, Ă pátria vitoriosa…
E entĂŁo, da ardente glĂłria belicosa,
Há um grito vermelho em cada boca!
Alma Que Chora
A JoĂŁo Saldanha
Em vão do Cristo aos olhos dulçurosos
Onde há o sol do bem e da verdade,
Cheios da luz eterna de saudade,
Como dois mansos corações piedosos,Em vão do Cristo os olhos lacrimosos
E aquela doce e pura suavidade
Do seu semblante, casto, de bondade,
Cor do luar dos sonhos venturosos,Servem de exemplo a dor escruciante
Que te apunhala e fere a cada instante,
A punhaladas rĂspidas, austeras!Viste partir a tua irmĂŁ, se, viste,
Como num céu enévoado e triste
O bando azul das fĂşlgidas quimeras…
Celeste
Vi-te crescer! tu eras a criança
Mais linda, mais gentil, mais delicada:
Tinhas no rosto as cores da alvorada
E o sol disperso pela loira trança.Asas tinhas tambĂ©m, as da esperança…
E de tal sorte eras sutil e alada
Que parecias ave arrebatada
Na luz do Espaço onde a razão descansa!Depois, então, fizeste-te menina,
VisĂŁo de amor, purĂssima, divina,
Perante a qual ainda hoje me ajoelho.Cresceste mais! És bela e moça agora…
Mas eu, que acompanhei toda essa aurora,
Sinto bem quanto estou ficando velho.
Eterno Sonho
Quelle est donc cette femme?
Je ne comprendrai pas.
Félix ArversTalvez alguém estes meus versos lendo
NĂŁo entenda que amor neles palpita,
Nem que saudade trágica, infinita
Por dentro dele sempre está vivendo.Talvez que ela não fique percebendo
A paixĂŁo que me enleva e que me agita,
Como de uma alma dolorosa, aflita
Que um sentimento vai desfalecendo.E talvez que ela ao ler-me, com piedade,
Diga, a sorrir, num pouco de amizade,
Boa, gentil e carinhosa e franca:— Ah! bem conheço o teu afeto triste…
E se em minha alma o mesmo nĂŁo existe,
É que tens essa cor e é que eu sou branca!
Dilacerações
Ă“ carnes que eu amei sangrentamente,
Ă“ volĂşpias letais e dolorosas,
EssĂŞncias de heliĂłtropos e de rosas
De essĂŞncia morna, tropical, dolente…Carnes virgens e tĂ©pidas do Oriente
Do Sonho e das Estrelas fabulosas,
Carnes acerbas e maravilhosas,
Tentadoras do sol intensamente…Passai, dilaceradas pelos zeros,
Através dos profundos pesadelos
Que me apunhalam de mortais horrores…Passai, passai, desfeitas em tormentos,
Em lágrimas, em prantos, em lamentos,
Em ais, em luto, em convulsões, em cores…