Triste Bahia! Oh Quão Dessemelhante
Triste Bahia! oh quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado.
Rica te vi eu já, tu a mim abundante.A ti tocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante.Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.Oh, se quisera Deus que, de repente,
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
Sonetos sobre Estado
53 resultadosNão Lamentes, Oh Nise, O Teu Estado;
Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cleópatra por puta alcança a c’roa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques, pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra é tudo peta.
Último Soneto
Já da noite o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!Do leito, embalde num macio encosto,
Tento o sono reter!… Já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece…
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade.Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos, por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!
Pelo Campo Cantando Vai Contente
Pelo campo cantando vai contente
o Lavrador seguindo o curvo arado:
e canta na prisão o desgraçado,
ao triste som de uma áspera corrente.Aquele, canta alegre, e docemente,
nas suaves pensões de seu Estado;
este, só por vingar-se de seu fado,
com o Canto disfarça o mal que sente.Eu também já em doces alegrias,
qual Lavrador, cantei nesta espessura,
sem conhecer do Fado as tiranias:porém hoje de Amor na prisão dura,
com o Canto disfarço as agonias,
por vingar-me de minha desventura.
Pede o Desejo, Dama, que Vos Veja
Pede o desejo, Dama, que vos veja:
Não entende o que pede; está enganado.
É este amor tão fino e tão delgado,
Que quem o tem não sabe o que deseja.Não há cousa, a qual natural seja,
Que não queira perpétuo o seu estado.
Não quer logo o desejo o desejado,
Só por que nunca falte onde sobeja.Mas este puro afecto em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,Assim meu pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre e humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.
Quem Quiser Ver D’amor Üa Excelência
Quem quiser ver d’Amor üa excelência
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me põe minha ventura,
por ter de minha fé experiência.Onde lembranças mata a longa ausência,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade está segura,
quando mor risco corre a paciência.Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e próspera ventura;Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na língua o nome, n’alma a vista pura.
Vivo em Lembranças, Morro de Esquecido
Doces lembranças da passada glória,
Que me tirou fortuna roubadora,
Deixai-me descansar em paz uma hora,
Que comigo ganhais pouca vitória.Impressa tenho na alma larga história
Deste passado bem, que nunca fora;
Ou fora, e não passara: mas já agora
Em mim não pode haver mais que a memória.Vivo em lembranças, morro de esquecido
De quem sempre devera ser lembrado,
Se lhe lembrara estado tão contente.Oh quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.
Portugal, Tão Diferente de seu Ser Primeiro
Os reinos e os impérios poderosos,
Que em grandeza no mundo mais cresceram,
Ou por valor de esforço floresceram,
Ou por varões nas letras espantosos.Teve Grécia Temístocles; famosos,
Os Cipiões a Roma engrandeceram;
Doze Pares a França glória deram;
Cides a Espanha, e Laras belicosos.Ao nosso Portugal, que agora vemos
Tão diferente de seu ser primeiro,
Os vossos deram honra e liberdade.E em vós, grão sucessor e novo herdeiro
Do Braganção estado, há mil extremos
Iguais ao sangue e mores que a idade.
Doce Contentamento Já Passado
Doce contentamento já passado,
em que todo meu bem já consistia,
quem vos levou de minha companhia
e me deixou de vós tão apartado?Quem cuidou que se visse neste estado
naquelas breves horas de alegria,
quando minha ventura consentia
que de enganos vivesse meu cuidado?Fortuna minha foi, cruel e dura,
aquela que causou meu perdimento,
com a qual ninguém pode ter cautela.Nem se engane nenhüa criatura,
que não pode nenhum impedimento
fugir do que [lhe] ordena sua estrela.
Que Vençais No Oriente Tantos Reis
Que vençais no Oriente tantos Reis,
que de novo nos deis da Índia o Estado,
que escureceis a fama que ganhado
tinham os que a ganharam a infiéis;que do tempo tenhais vencido as leis,
que tudo, enfim, vençais co tempo armado,
mais é vencer na pátria, desarmado,
os monstros e as Quimeras que venceis.E assi, sobre vencerdes tanto imigo,
e por armas fazer que, sem segundo,
vosso nome no mundo ouvido seja,o que vos dá mais nome inda no mundo,
é vencerdes, Senhor, no Reino amigo,
tantas ingratidões, tão grande enveja!
Senhor João Lopes, O Meu Baixo Estado
Senhor João Lopes, o meu baixo estado
ontem vi posto em grau tão excelente,
que vós, que sois enveja a toda a gente,
só por mim vos quiséreis ver trocado.Vi o gesto suave e delicado
que já vos fez, contente e descontente,
lançar ao vento a voz tão docemente
que fez o ar sereno e sossegado.Vi lhe em poucas palavras dizer, quanto
ninguém diria em muitas; eu só, cego,
magoado fiquei na doce fala.Mas mal haja a Fortuna, e o Moço cego!
Um, porque os corações obriga a tanto;
outra, porque os estados desiguala.
Eu Vi A Linda Jônia E, Namorado
Eu vi a linda Jônia e, namorado,
fiz logo voto eterno de querê-la;
mas vi depois a Nise, e é tão bela,
que merece igualmente o meu cuidado.A qual escolherei, se, neste estado,
eu não sei distinguir esta daquela?
Se Nise agora vir, morro por ela,
se Jônia vir aqui, vivo abrasado.Mas ah! que esta me despreza, amante,
pois sabe que estou preso em outros braços,
e aquela me não quer, por inconstante.Vem, Cupido, soltar-me destes laços:
ou faze destes dois um só semblante,
ou divide o meu peito em dois pedaços!
Soneto V
Qual Hércules estrela já mudado,
Que quando se quer pôr ao tempo certo,
Cabeça e corpo todo já coberto,
Fica só pelos pés dependurado,Tal c’ua grave dor, grave cuidado
Que o coração me tem de todo aberto,
Perdida a razão já, de meu fim perto
Me vejo agora em semelhante estado.Mas ai! paixão penosa, que além passas,
Que este, enfim, não é sempre no Céu visto,
Ainda que dos pés se ponha tarde.E tu, como meu mal e morte traças,
És qual a mão do filho de Calisto,
Que em todo [o] tempo ao mar cintila e arde.