Sonetos sobre Gigantes

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Sonetos de gigantes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Gonçalves Dias

(AO PÉ DO MAR)

SE EU PUDESSE cantar a grande histĂłria,
Que envolve ardente o teu viver brilhante…
Filho dos trĂłpicos que – audaz gigante –
Desceste ao tĂșmulo subindo Ă  GlĂłria!

Teu tĂșmulo colossal – nest’hora eu fito –
Altivo, rugidor, sonoro, extenso –
O mar!… e ……. O sim, teu crĂąnio imenso
SĂł podia conter-se no infinito…

E eu – sou louco talvez – mas quando, forte,
Em seu dorso resvala – ardente – norte,
E ele espumante estruge, brada, grita,

E em cada vaga uma canção estoura…
Eu – creio ser tu’alma que, sonora,
Em seu seio sem fim – brava – palpita!

CamÔes, Grande CamÔes, quão Semelhante

CamÔes, grande CamÔes, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrĂ­lego gigante;

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penĂșria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vĂŁos, que em vĂŁo desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

LudĂ­brio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao CĂ©u, pela certeza
De que sĂł terei paz na sepultura.

Modelo meu tu Ă©s, mas… oh, tristeza!…
Se te imito nos transes da Ventura,
NĂŁo te imito nos dons da Natureza.

Depois Da Orgia

O prazer que na orgia a hetaĂ­ra goza
Produz no meu sensorium de bacante
O efeito de uma tĂșnica brilhante
Cobrindo ampla apostema escrofulosa!

Troveja! E anelo ter, sĂŽfrega e ansiosa,
O sistema nervoso de um gigante
Para sofrer na minha carne estuante
A dor da força cósmica furiosa.

Apraz-me, enfim, despindo a Ășltima alfaia
Que ao comércio dos homens me traz presa,
Livre deste cadeado de peçonha,

Semelhante a um cachorro de atalaia
Às decomposiçÔes da Natureza,
Ficar latindo minha dor medonha!

Em louvor do grande CamÔes

Sobre os contrĂĄrios o terror e a morte
Dardeje embora Aquiles denodado,
Ou no rĂĄpido carro ensanguentado
Leve arrastos sem vida o Teuco forte:

Embora o bravo MacedĂłnio corte
Coa fulminante espada o nĂł fadado,
Que eu de mais nobre estĂ­mulo tocado,
Nem lhe amo a glĂłria, nem lhe invejo a sorte:

Invejo-te, CamÔes, o nome honroso;
Da mente criadora o sacro lume,
Que exprime as fĂșrias de Lieu raivoso:

Os ais de InĂȘs, de VĂ©nus o queixume,
As pragas do gigante proceloso,
O cĂ©u de Amor, o inferno do CiĂșme.

Eu Vi Dos PĂłlos O Gigante Alado

Eu vi dos pĂłlos o gigante alado,
Sobre um montĂŁo de pĂĄlidos coriscos,
Sem fazer caso dos bulcÔes ariscos,
Devorando em silĂȘncio a mĂŁo do fado!

Quatro fatias de tufĂŁo gelado
Figuravam da mesa entre os petiscos;
E, envolto em manto de fatais rabiscos,
Campeava um sofisma ensangĂŒentado!

– “Quem Ă©s, que assim me cercas de episĂłdios?”
Lhe perguntei, com voz de silogismo,
Brandindo um facho de trovÔes seródios.

– “Eu sou” – me disse, – “aquele anacronismo,
Que a vil coorte de sulfĂșreos Ăłdios
Nas trevas sepultei de um solecismo…”

Sonho Africano

Ei-lo em sua choupana. A lĂąmpada, suspensa
Ao teto, oscila; a um canto, um velho e ervado fimbo;
Entrando, porta dentro, o sol forma-lhe um nimbo
Cor de cinĂĄbrio em torno Ă  carapinha densa.

Estira-se no chĂŁo… Tanta fadiga e doença!
Espreguiça, boceja… O apagado cachimbo
Na boca, nessa meia escuridĂŁo de limbo,
Mole, semicerrando os dĂșbios olhos, pensa…

Pensa na pĂĄtria, alĂ©m… As florestas gigantes
Se estendem sob o azul, onde, cheios de mĂĄgoa,
Vivem negros reptis e enormes elefantes…

Calma em tudo. Dardeja o sol raios tranquilos…
Desce um rio, a cantar… Coalham-se Ă  tona d’ĂĄgua
Em compacto apertĂŁo, os velhos crocodilos…

Soneto

Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses incompletos 2 fevereiro 1911.

Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brĂŽnzea trama neuronial,

Que poder embriolĂłgico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogĂȘnese de infante
A minha morfogĂȘnese ancestral?!

Porção de minha plåsmica substùncia,
Em que logar irĂĄs passar a infĂąncia,
Tragicamente anĂŽnimo, a feder?!…

Ah! Possas tu dormir feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER!

A Segurança Destas Paralelas

A segurança destas paralelas
— a beira da varanda e o horizonte;
assim me pacifico, e Ă© por elas
que subo lentamente cada monte.

O tempo arrefecido, e sĂł soprado
por uma brisa tarda que do mar
torna este minuto leve aconchegado,
traz mansas as certezas de se estar.

E vĂȘm novos nomes: sĂŁo as fadas,
gigantes e anÔes, que são assim
alegres de o serem — parcos nadas

que enchendo de silĂȘncios este sim
dele fazem brinquedos, madrugadas…
Agora eu estou em ti e tu em mim.

A Vida Anterior

Longos anos vivi sob um pĂłrtico alto
De gigantes pilares, nobres, dominadores,
Que a luz, vinda do mar, esmaltava de cores,
Tornando-o semelhante Ă s grutas de basalto.

Chegavam até mim os ecos da harmonia
Do orfeĂŁo colossal das ondas chamejantes,
Ligando a sua voz Ă s tintas deslumbrantes
Da luz crepuscular que em meus olhos fugia.

Em meio do esplendor do céu, do mar, dos lumes,
Foi-me dado gozar, voluptuosas calmas!
Escravos seminus, rescendendo perfumes,

Minha fronte febril refrescavam com palmas,
E tinham por missĂŁo apenas descobrir
A misteriosa dor que eu andava a carpir

Tradução de Delfim Guimarães

Desenganado da AparĂȘncia Exterior

DESENGANADO DA APARÊNCIA EXTERIOR COM O EXAME INTERIOR E VERDADEIRO

VĂȘs tu este gigante corpulento
que solene e soberbo se reclina?
Pois por dentro Ă© farrapos e faxina,
e Ă© um carregador seu fundamento.

Com sua alma vive e Ă© movimento,
e onde ele quer sua grandeza inclina;
mas quem seu modo rĂ­gido examina
despreza tal figura e ornamento.

SĂŁo assim as grandezas aparentes
da presunção vazia dos tiranos:
fantĂĄsticas escĂłrias eminentes.

VĂȘs que, em pĂșrpura ardendo, sĂŁo humanos?
As mĂŁos com pedrarias sĂŁo diferentes?
Pois dentro nojo sĂŁo, terra e gusanos.

Tradução de José Bento

LVIII

Altas serras, que ao CĂ©u estais servindo
De muralhas, que o tempo nĂŁo profana,
Se Gigantes nĂŁo sois, que a forma humana
Em duras penhas foram confundindo?

lĂĄ sobre o vosso cume se estĂĄ rindo
O Monarca da luz, que esta alma engana;
Pois na face, que ostenta, soberana,
O rosto de meu bem me vai fingindo.

Que alegre, que mimoso, que brilhante
Ele se me afigura! Ah qual efeito
Em minha alma se sente neste instante!

Mas ai! a que delĂ­rios me sujeito!
Se quando no Sol vejo o seu semblante,
Em vĂłs descubro Ăł penhas o seu peito?

O PĂąntano

Podem vĂȘ-lo, sem dor, meus semelhantes!
Mas, para mim que a Natureza escuto,
Este pĂąntano Ă© o tĂșmulo absoluto,
De todas as grandezas começantes!

Larvas desconhecidas de gigantes
Sobre o seu leito de peçonha e luto
Dormem tranqĂŒilamente o sono bruto
Dos superorganismos ainda infantes!

Em sua estagnação arde uma raça,
Tragicamente, Ă  espera de quem passa
Para abrir-lhe, Ă s escĂąncaras, a porta…

E eu sinto a angĂșstia dessa raça ardente
Condenada a esperar perpetuamente
No universo esmagado da ĂĄgua morta!