O Vinho De Hebe
Quando do Olimpo nos festins surgia
Hebe risonha, os deuses majestosos
Os copos estendiam-lhe, ruidosos,
E ela, passando, os copos lhes enchia…A Mocidade, assim, na rubra orgia
Da vida, alegre e prĂłdiga de gozos,
Passa por nós, e nós também, sequiosos,
Nossa taça estendemos-lhe, vazia…E o vinho do prazer em nossa taça
Verte-nos ela, verte-nos e passa…
Passa, e não torna atrás o seu caminho.Nós chamamo-la em vão; em nossos lábios
Restam apenas tĂmidos ressábios,
Como recordações daquele vinho.
Sonetos sobre Gozo
35 resultadosO Meu Nirvana
No alheamento da obscura forma humana,
De que, pensando, me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção, sincero
Encontrei, afinal, o meu Nirvana!Nessa manumissĂŁo schopenhauereana,
Onde a Vida do humano aspecto fero
Se desarraiga, eu, feito força, impero
Na imanĂŞncia da IdĂ©a Soberana!DestruĂda a sensação que oriunda fora
Do tacto – Ănfima antena aferidora
Destas tegumentárias mĂŁos plebĂ©as –Gozo o prazer, que os anos nĂŁo carcomem,
De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Idéas!
Para o Sexo a Expirar
Para o sexo a expirar eu me volto, expirante,
raiz de minha vida, em ti me enredo e afundo.
Amor, amor, amor — o braseiro radiante
que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.Pobre carne senil, vibrando insatisfeita,
a minha se rebela ante a morte anunciada.
Quero sempre invadir essa vereda estreita
onde o gozo maior me propicia a amada.AmanhĂŁ, nunca mais. Hoje mesmo quem sabe?
enregela-se o nervo, esvai-se-me o prazer
antes que, deliciosa, a exploração acabe.Pois que o espasmo coroe o instante do meu termo,
e assim possa eu partir, em plenitude o ser,
de sémen aljofrando o irreparável ermo.
Suave Mari Magno
Lembra-me que, em certo dia,
Na rua, ao sol de verĂŁo,
Envenenado morria
Um pobre cĂŁo.Arfava, espumava e ria,
De um riso espĂşrio e bufĂŁo,
Ventre e pernas sacudia
Na convulsĂŁo.Nenhum, nenhum curioso
Passava, sem se deter,
Silencioso,Junto ao cĂŁo que ia morrer,
Como se lhe desse gozo
Ver padecer.
Estrada A Fora
Ela passou por mim toda de preto,
Pela mĂŁo conduzindo uma criança…
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pálido dueto.Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher nĂŁo cansa,
N’uma alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mĂŁos dadas,
E o berço, Ă s vezes, leva Ă sepultura…No coração, – um horto de martĂrios! –
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campas desabrocham lĂrios.
Soneto VI – Ă€ Mesma Senhora
TĂŁo doce como o som da doce avena
Modulada na clave da saudade;
Como a brisa a voar na soledade,
Branda, singela, lĂmpida e serena;Ora em notas de gozo, ora de pena,
Já cheia de solene majestade,
Já lânguida exprimindo piedade,
Sempre essa voz Ă© bela, sempre amena.Mulher, do canto teu no dom supremo
A dádiva descubro mais subida
Que de um Deus pode dar o amor paterno.E minh’alma, num ĂŞxtase embebida,
Aos teus lábios deseja um canto eterno,
E, só para gozá-lo, eterna a vida.
LĂ©sbia
CrĂłton selvagem, tinhorĂŁo lascivo,
Planta mortal, carnĂvora, sangrenta,
Da tua carne báquica rebenta
A vermelha explosão de um sangue vivo.Nesse lábio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressĂŁo violenta
O Amor, trágico e triste, e passe, lenta,
A morte, o espasmo gĂ©lido, aflitivo…LĂ©sbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demonĂaca serpente
Das flamejantes atracões do gozo.Dos teus seios acĂdulos, amargos,
Fluem capros aromas e os letargos,
Os Ăłpios de um luar tuberculoso…
VĂŞnus I
Ă€ flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!PĂştrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrás, como voando…E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.
Avena Pastoral
Harmonia de coxas protetora
do presente esperado como prĂŞmio
antevéspera és, a domadora
dos gestos apressados no proscĂŞniodo palco em que inauguro-te pastora
de ovelha desgarrada,vil boĂŞmio,
peregrino da noite assoladora,
a solar no teu corpo um abstĂŞmiocanto, de partitura tĂŁo antiga,
em que tecidos sons alucinados
sĂŁo sedas de silĂŞncio na cantiga.Uma cantiga em gozo emparelhado.
E tu na flauta tocas pra que eu siga
lambendo o sal no lago desgarrado.
ApĂłs O Noivado
Em flácido divã ela resvala
Na alcova — bem feliz, alegremente,
E o fresco penteador alvinitente,
De nardo e benjoim o aroma exala.E o noivo todo amor, assim lhe fala,
Por entre vibrações do olhar ardente:
Pertences-me afinal, pomba dormente
Parece que a razĂŁo de gozo, estala.Mas eis — corre-se entĂŁo nĂvea cortina:
E a plácida, a ideal, a branca lua
Derrama nos vergĂ©is a luz divina…Depois… Oh! Musa audaz, ousada, e nua,
Não rompas esse véu de gaze fina
Que encerra um madrigal — Vamos… recua!…
O RelĂłgio
EbĂşrneo Ă© o mostrador: as horas sĂŁo de prata
LĂŞ-se a firma Breguet por baixo do gracioso
Rendilhado ponteiro; a tampa Ă© enorme e chata:
Nela o esmalte produz um quadro delicioso.Repara: eis um salĂŁo: casquilho malicioso
Das festas cortesĂŁs o mimo, a flor, a nata,
Junto a um cravo sonoro a alegre voz desata.
Uma fidalga o escuta Ă©bria de amor e gozo.Rasga-se ampla a janela; ao longe o olhar descobre
O correto jardim e o parque extenso e nobre.
As nuvens no alto céu flutuam como espumas.Da paisagem no fundo, em lago transparente,
Onde se espelha o azul e o laranjal frondente,
Um cisne Ă luz do sol estende as nĂveas plumas.
VĂ©nus
I
Ă€ flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda…
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razĂŁo se perde!PĂştrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.O seu esboço, na marinha turva…
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pĂ©s atrás, como voando…E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co’a salsugem.II
Singra o navio. Sob a água clara
VĂŞ-se o fundo do mar, de areia fina…
_ Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparĂŞncia luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrágios, perdições, destroços!
_ Ă“ fĂşlgida visĂŁo, linda mentira!RĂłseas unhinhas que a marĂ© partira…
Dentinhos que o vaivĂ©m desengastara…
Fervet Amor
Dá para a cerca a estreita e humilde cela
Dessa que os seus abandonou, trocando
O calor da famĂlia ameno e brando
Pelo claustro que o sangue esfria e gela.Nos florões manuelinos da janela
Papeiam aves o seu ninho armando,
VĂŞem-se ao longe os trigos ondulando ..
Maio sorri na Pradaria bela.Zumbe o inseto na flor do rosmaninho:
Nas giestas pousa a abelha Ă©bria de gozo:
Zunem besouros e palpita o ninho.E a freira cisma e cora, ao ver, ansioso,
Do seu catre virgĂneo sobre o linho
Um par de borboletas amoroso.
Abandonada
Ao meu irmĂŁo Odilon dos Anjos
Bem depressa sumiu-se a vaporosa
Nuvem de amores, de ilusões tão bela;
O brilho se apagou daquela estrela
Que a vida lhe tornava venturosa!Sombras que passam, sombras cor-de-rosa
– Todas se foram num festivo bando,
Fugazes sonhos, gárrulos voando
– Resta somente um’alma tristurosa!Coitada! o gozo lhe fugiu correndo,
Hoje ela habita a erma soledade,
Em que vive e em que aos poucos vai morrendo!Seu rosto triste, seu olhar magoado,
Fazem lembrar em noute de saudade
A luz mortiça d’um olhar nublado.
Dionysio
Ungido para o fado e a nova festa
Meu carnaval profano já celebra
As quarentenas dĂvidas da carne
Na cela de costelas das mulheres.Como devasso réu, confesso fauno,
No vinho das delĂcias me declaro
Sem culpa e sem pecado original
Pois nessa pena sou igual a tantos.Já disse certa vez em cantoria:
De nada me arrependo e reconfirmo
Agora que o meu tempo é só de gozo.A vida que me dou não dá guarida
Nem guarda desalentos de tristeza
Somente na alegria Ă© que me morro.