Dos Tórrido SertÔes, Pejados De Oiro
Dos tórridos sertÔes, pejados de oiro,
Saiu um sabichĂŁo de escassa fama,
Que os livros preza, os cartapĂĄcios ama,
Que das lĂnguas repartem o tesoiro.Arranha o persiano, arranha o moiro,
Sabe que Deus em turco Allah se chama;
Que no grego alfabeto o G Ă© gama,
Que taurus em latim quer dizer toiro.Para papaguear saiu do mato:
Abocanha talentos, que nĂŁo goza;
Ă mono, e prega unhadas como gato.Ă nada em verso, quase nada em prosa:
NĂŁo conheces, leitor, neste retrato
O guapo charlatão Tomé Barbosa?
Sonetos sobre LĂngua
34 resultadosSoneto 434 A NĂ©stor Perlongher
Na frente esteve e estĂĄ, depois ou antes.
Poeta jĂĄ portento de portenho,
em NĂ©stor o barroco ganha engenho
e os verbos reverberam mais brilhantes.Da Frente mĂtico entre os militantes,
aqui tem maior campo seu empenho.
Da causa negra um dado a depor tenho:
tratou mais que os tratados dos tratantes.Aos putos imputou novo valor.
Da lĂngua tinha humor sempre na ponta.
Das classes, luta e amor, Ă© professor.Mediu o que a estatĂstica nĂŁo conta.
Territorializou do corpo a cor.
Deu tom de santa a tanta tinta tonta!
Aboio De Ternura Para Uma RĂȘs Desgarrada Para Astrid Cabral
Fora de tua tribo peixe fora dâĂĄgua,
bordando as muitas dores no ponto de cruz,
alinhavas rebanhos reunidos na frĂĄgua
dos rios da tua infĂąncia com escamas de luz.Versos tecidos na cambraia das anĂĄguas
de alices caboclas, yaras-cunhĂŁs do fundo,
encantadas dos peraus, afogando mĂĄgoas,
mas que sabem, sestrosas, dos botos do mundo.E os teus pés desgarrados pisaram em nuvens
de ventos sem mormaços, no azul de outras lĂnguas:
ĂĄguas despidas do alfenim de nossas chuvas.Te sabias folha de relva da ravina
irmĂŁ de Whitman e do Khayam simum
prĂłxima do teu gado e rĂȘs da prĂłpria sina.
Quem Quiser Ver D’amor Ăa ExcelĂȘncia
Quem quiser ver d’Amor ĂŒa excelĂȘncia
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me pÔe minha ventura,
por ter de minha fĂ© experiĂȘncia.Onde lembranças mata a longa ausĂȘncia,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade estĂĄ segura,
quando mor risco corre a paciĂȘncia.Mas ponha me Fortuna e o duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e prĂłspera ventura;Ponha me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na lĂngua o nome, n’alma a vista pura.
O Ăltimo NĂșmero
Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idĂ©ia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o Ășltimo nĂșmero cansado.Era de vĂȘ-lo, imĂłvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessĂŁo, estranho ao mundo,
Com o reflexo fĂșnebre do Increado:Bradei: – Que fazes ainda no meu crĂąnio?
E o Ășltimo nĂșmero, atro e subterrĂąneo,
Parecia dizer-me: “Ă tarde, amigo!Pois que a minha ontogĂȘnica Grandeza
Nunca vibrou em tua lĂngua presa,
NĂŁo te abandono mais! Morro contigo!”
A CamÔes
Quando n’alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glĂłria que nĂŁo passa,
Em teu poema de heroĂsmo e de beleza.GĂȘnio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pĂĄtria portuguesa.E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,NĂŁo morrerĂĄ, sem poetas nem soldados,
A lĂngua em que cantaste rudemente
As armas e os barÔes assinalados.
Soneto XVII
A Pero de Maris sobre o seu livro
Sentindo-se de força e vigor falta,
Mal a que o tempo enfim todos condena,
Renovar-se outra vez a Ăguia ordena,
Abre as asas ao Sol, e as nuvens salta.Depois que lĂĄ se vĂȘ soberba e alta,
Lança-se ao mar com fĂșria nĂŁo pequena,
E caindo-lhe a velha e antiga pena,
De nova glĂłria se reveste e esmalta.Mar sois Maris, a lĂngua lusitana
Ă esta Ăguia, que antiga se renova
E os ares sobre todas livre raia.Temo-lhe o caso de Ăcaro de ufana;
Mas se do Sol queimada em mar o prova,
SerĂĄ para que sempre nova saia.
A Idéia
De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incĂłgnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegraçÔes maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida Ă s cordas do laringe,
TĂsica, tĂȘnue, mĂnima, raquĂtica …Quebra a força centrĂpeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da lĂngua paralĂtica
Soneto Ditado Na Agonia
JĂĄ Bocage nĂŁo sou!… Ă cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento…
Eu aos CĂ©us ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura;Conheço agora jå quão vã figura,
Em prosa e verso fez meu louco intento:
Musa!… Tivera algum merecimento
Se um raio da razĂŁo seguisse pura.Eu me arrependo; a lĂngua quasi fria
Brade em alto pregĂŁo Ă mocidade,
Que atrĂĄs do som fantĂĄstico corria:Outro Aretino fui… a santidade
Manchei!… Oh! Se me creste, gente Ămpia,
Rasga meus versos, crĂȘ na eternidade!.
Pedra Tumular
A minha geração fugiu à guerra,
Por isso a paz que traz nĂŁo tem sentido:
Ă feita de ignorĂąncia e de castigo,
TĂŁo rĂgida e tĂŁo fria como a pedra.Desfazem-se-lhe as mĂŁos em gestos frĂĄgeis,
Duma verdade inĂștil por vazia,
E a lĂngua imĂłvel nega o som Ă vida,
Por hĂĄbito ou por falta de coragem.Se hĂĄ rumores lĂĄ de fora, Ă s vezes, lembra:
Porque é que pulsa o coração do mundo,
Precipitado, angustioso, ardente?Mas depressa submerge na indiferença
– Que lhe deram um tĂșmulo seguro;
E o relĂłgio dĂĄ-lhe horas certas, sempre.
CamÔes IV
Um dia, junto Ă foz de brando e amigo
Rio de estranhas gentes habitado,
Pelos mares aspérrimos levado,
Salvaste o livro que viveu contigo.E esse que foi Ă s ondas arrancado,
JĂĄ livre agora do mortal perigo,
Serve de arca imortal, de eterno abrigo,
Não só a ti, mas ao teu berço amado.Assim, um homem só, naquele dia,
Naquele escasso ponto do universo,
LĂngua, histĂłria, nação, armas, poesia,Salva das frias mĂŁos do tempo adverso.
E tudo aquilo agora o desafia.
E tão sublime preço cabe em verso.
O Anel de Corina
Enquanto espera a hora combinada
De o remeter com flores a Corina,
OvĂdio oscĂșla o anel que lhe destina
E em que uma gema fulge bem gravada.â « Como eu te invejo, Ăł prenda afortunada !
« Com ela vais dormir, mimosa e fina,
« Com ela has-de banhar-te na piscina
« Donde sairå, qual Venus, orvalhada,« O dorso e o seio lhe verås de rosas,
« E selarås as cartas deliciosas
« Com que em minh’alma alento e esp’rança verte…« E temendo (suprema f’licidade!)
« Que a cera adira å pedra, ai! então ha-de
« Com a ponta da lĂngua humedecer-te! »
Quando nĂŁo te Vejo Perco o Siso
Formosura do CĂ©u a nĂłs descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;Qual lĂngua pode haver tĂŁo atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti hĂĄ se vĂȘ perdida?Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraĂso,
Logo o engenho me falta, o espĂrito mĂngua.Mas o que mais me impede inda louvar-te,
Ă que quando te vejo perco a lĂngua,
E quando nĂŁo te vejo perco o siso.
HĂĄ em Toda a Beleza uma Amargura
HĂĄ em toda a beleza uma amargura
secreta e confundida que Ă© latente
ambĂgua indecifrĂĄvel duplamente
oculta a si e a quem na olhar obscuraNĂŁo fica igual aos vivos no que dura
e a nĂŁo pode entender qualquer vivente
qual no cabelo orvalho ou brisa rente
quanto mais perto mais se desfiguraFicando como Helena Ă luz do ocaso
a lĂngua dos dois reinos nĂŁo lhe Ă© azo
senão de apartar tranças ofuscanteMas à tua beleza não foi dado
qual morte a abrir teu juvenil estado
crescer e nomear-se em cada instante?Tradução de Vasco Graça Moura