Sonetos sobre Milagres de Florbela Espanca

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Sonetos de milagres de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

O Teu Olhar

Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendÔes ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
CĂ©us do Oriente, em brasa, como beijos,

Mares onde nĂŁo cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de herĂłis e marinheiros,
Lanças nuas em rĂștilos lampejos;

Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!

E ao sentir-te tĂŁo grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!

A Flor Do Sonho

A Flor do Sonho, alvĂ­ssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnĂłlia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruĂ­na.

Pende em meu seio a haste branda e fina
E nĂŁo posso entender como Ă© que, enfim,
Essa tĂŁo rara flor abriu assim! …
Milagre… fantasia… ou, talvez, sina…

Ó flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles sĂŁo tristes pelo amor de ti?!…

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi…

Blasfémia

SilĂȘncio, meu Amor, nĂŁo digas nada!
Cai a noite nos longes donde vim…
Toda eu sou alma e amor, sou um jardim,
Um pĂĄtio alucinante de Granada!

Dos meus cĂ­lios a sombra enluarada,
Quando os teus olhos descem sobre mim,
Traça trémulas hastes de jasmim
Na palidez da face extasiada!

Sou no teu rosto a luz que o alumia,
Sou a expressão das tuas mãos de raça,
E os beijos que me dĂĄs jĂĄ foram meus!

Em ti sou GlĂłria, Altura e Poesia!
E vejo-me — milagre cheio de graça! —
Dentro de ti, em ti igual a Deus!…

Tarde Demais…

Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mĂĄgico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
PĂŽs-se o silĂȘncio, em volta, a escutar…

Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que nĂŁo pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
PĂ©s nus, olhos a rir, a boca em flor!

E hĂĄ cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!…”