Sonetos sobre Morte de Augusto dos Anjos

18 resultados
Sonetos de morte de Augusto dos Anjos. Leia este e outros sonetos de Augusto dos Anjos em Poetris.

MĂĄgoas

Quando nasci, num mĂȘs de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.

Mais tarde da existĂȘncia nos verdores
Da infĂąncia nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infĂąncia nunca teve flores!

Volvendo Ă  quadra azul da mocidade,
Minh’alma levo aflita Ă  Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.

Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mĂĄgoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz das minhas dores!

Vozes Da Morte

Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

Ah! Esta noite Ă© a noite dos Vencidos!
E a podridĂŁo, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!

Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,

Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte inda teremos filhos!

O Coveiro

Uma tarde de abril suave e pura
Visitava eu somente ao derradeiro
Lar; tinha ido ver a sepultura
De um ente caro, amigo verdadeiro.

LĂĄ encontrei um pĂĄlido coveiro
Com a cabeça para o chão pendida;
Eu senti a minh’alma entristecida
E interroguei-o: “Eterno companheiro

Da morte, que matou-te o coração?”
Ele apontou para uma cruz no chĂŁo,
Ali jazia o seu amor primeiro!

Depois, tomando a enxada gravemente,
Balbuciou, sorrindo tristemente: –
“Ai! Foi por isso que me fiz coveiro!”

Guerra

Guerra Ă© esforço, Ă© inquietude, Ă© Ăąnsia, Ă© transporte…
E a dramatização sangrenta e dura
Vir Deus num simples grĂŁo de argila errante,
Da avidez com que o EspĂ­rito procura

É a SubconsciĂȘncia que se transfigura
Em volição conflagradora… E a coorte
Das raças todas, que se entrega à morte
Para a felicidade da Criatura!

É a obsessĂŁo de ver sangue, Ă© o instinto horrendo
De subir, na ordem cĂłsmica, descendo
A irracionalidade primitiva…

É a Natureza que, no seu arcano,
Precisa de encharcar-se em sangue humano
Para mostrar aos homens que estĂĄ viva!

O SarcĂłfago

Senhor da alta hermenĂȘutica do Fado
Perlustro o atrium da Morte… É frio o ambiente
E a chuva corta inexoravelmente
O dorso de um sarcĂłfago molhado!

Ah! Ninguém ouve o soluçante brado
De dor profunda, acérrima e latente.
Que o sarcĂłfago, ereto e imĂłvel sente
Em sua prĂłpria sombra sepultado!

DĂłi-lhe (quem sabe?!) essa grandeza horrĂ­vel
Que em toda a sua mĂĄscara se expande,
À humana comoção impondo-a, inteira…

DĂłi-lhe, em suma, perante o IncognoscĂ­vel
Essa fatalidade de ser grande
Para guardar unicamente poeira!

Asa De Corvo

Asa de corvos carniceiros, asa
De mau agouro que, nos doze meses,
Cobre às vezes o espaço e cobre às vezes
O telhado de nossa prĂłpria casa…

Perseguido por todos os reveses,
É meu destino viver junto a essa asa,
Como a cinza que vive junto Ă  brasa,
Como os Goncourts, como os irmĂŁos siameses!

É com essa asa que eu faço este soneto
E a indĂșstria humana faz o pano preto
Que as famĂ­lias de luto martiriza…

É ainda com essa asa extraordinária
Que a Morte – a costureira funerĂĄria –
Cose para o homem a Ășltima camisa!

A Meu Pai Depois De Morto

Podre meu Pai! A Morte o olhar lhe vidra.
Em seus lĂĄbios que os meus lĂĄbios osculam
Micro-organismos fĂșnebres pululam
Numa fermentação gorda de cidra.

Duras leis as que os homens e a hĂłrrida hidra
A uma sĂł lei biolĂłgica vinculam,
E a marcha das moléculas regulam,
Com a invariabilidade da clepsidra!…

Podre meu Pai! E a mĂŁo que enchi de beijos
RoĂ­da toda de bichos, como os queijos
Sobre a mesa de orgĂ­acos festins!…

Amo meu Pai na atĂŽmica desordem
Entre as bocas necrĂłfagas que o mordem
E a terra infecta que lhe cobre os rins!

Alucinação À Beira-Mar

Um medo de morrer meus pés esfriava.
Noite alta. Ante o telĂșrico recorte,
Na diuturna discĂłrdia, a equĂłrea coorte
Atordoadoramente ribombava!

Eu, ególatra céptico, cismava
Em meu destino!… O vento estava forte
E aquela matemĂĄtica da Morte
Com os seus nĂșmeros negros me assombrava!

Mas a alga usufructuĂĄria dos oceanos
E os malacopterĂ­gios subraquianos
Que um castigo de espécie emudeceu,

No eterno horror das convulsÔes marítimas
Pareciam também corpos de vítimas
Condenadas Ă  Morte, assim como eu!

Budismo Moderno

Tome, Dr., esta tesoura, e… corte
Minha singularĂ­ssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomåceas da lagoa
A criptĂłgama cĂĄpsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do Ășltimo verso que eu fizer no mundo!

A Esperança

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim nĂŁo pensa;
No entanto o mundo Ă© uma ilusĂŁo completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glĂłria no futuro – avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

O Último NĂșmero

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idĂ©ia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o Ășltimo nĂșmero cansado.

Era de vĂȘ-lo, imĂłvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessĂŁo, estranho ao mundo,
Com o reflexo fĂșnebre do Increado:

Bradei: – Que fazes ainda no meu crĂąnio?
E o Ășltimo nĂșmero, atro e subterrĂąneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!

Pois que a minha ontogĂȘnica Grandeza
Nunca vibrou em tua lĂ­ngua presa,
NĂŁo te abandono mais! Morro contigo!”

No Meu Peito Arde Em Chamas Abrasada

No meu peito arde em chamas abrasada
A pira da vingança reprimida,
E em centelhas de raiva ensurdecida
A vingança suprema e concentrada.

E espuma e ruge a cĂłlera entranhada,
Como no mar a vaga embravecida
Vai bater-se na rocha empedernida,
Espumando e rugindo em marulhada.

Mas se das minhas dores ao calvĂĄrio,
Eu subo na atitude dolorida
De um Cristo a redimir um mundo vĂĄrio,

Em luta co’a natura sempiterna,
JĂĄ que do mundo nĂŁo vinguei-me em vida,
A morte me serå vingança eterna.

Soneto

N’augusta solidĂŁo dos cemitĂ©rios,
Resvalando nas sombras dos ciprestes,
Passam meus sonhos sepultados nestes
Brancos sepulcros, pålidos, funéreos.

São minhas crenças divinais, ardentes
– Alvos fantasmas pelos merencĂłrios
TĂșmulos tristes, soturnais, silentes,
Hoje rolando nos umbrais marmĂłreos.

Quando da vida, no eternal soluço,
Eu choro e gemo e triste me debruço
Na lĂĄjea fria dos meus sonhos pulcros.

Desliza entĂŁo a lĂșgubre coorte,
E rompe a orquestra sepulcral da morte,
Quebrando a paz suprema dos sepulcros.

GĂȘnio Das Trevas LĂșgubres, Acolhe-me

GĂȘnio das trevas lĂșgubres, acolhe-me,
Leva-me o esp’rito dessa luz que mata,
E a alma me ofusca e o peito me maltrata,
E o viver calmo e sossegado tolhe-me!

Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me
N’asa da Morte redentora, e Ă  ingrata
Luz deste mundo em breve me arrebata
E num pallium de tĂȘnebras recolhe-me!

Aqui hĂĄ muita luz e muita aurora,
HĂĄ perfumes d’amor – venenos d’alma –
E eu busco a plaga onde o repouso mora,

E as trevas moram, e, onde d’ĂĄgua raso
O olhar nĂŁo trago, nem me turba a calma
A aurora deste amor que Ă© o meu ocaso!

VolĂșpia Imortal

Cuidas que o genesĂ­aco prazer,
Fome do ĂĄtomo e eurĂ­tmico transporte
De todas as moléculas, aborte
Na hora em que a nossa carne apodrecer?!

NĂŁo! Essa luz radial, em que arde o Ser,
Para a perpetuação da Espécie forte,
Tragicamente, ainda depois da morte,
Dentro dos ossos, continua a arder!

Surdos destarte a apĂłstrofes e brados,
Os nossos esqueletos descamados,
Em convulsivas contorçÔes sensuais,

Haurindo o gĂĄs sulfĂ­drico das covas,
Com essa volĂșpia das ossadas novas
HĂŁo de ainda se apertar cada vez mais!

Versos A Um Coveiro

Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal Ă©, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, trĂȘs, quatro, cinco… Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fĂșlgidos letreiros,
Na progressĂŁo dos nĂșmeros inteiros
A gĂȘnese de todos os abismos!

Oh! PitĂĄgoras da Ășltima aritmĂ©tica,
Continua a contar na paz ascética
Dos tĂĄbidos carneiros sepulcrais

TĂ­bias, cĂ©rebros, crĂąnios, rĂĄdios e Ășmeros,
Porque, infinita como os prĂłprios nĂșmeros
A tua conta nĂŁo acaba mais!

Agonia De Um FilĂłsofo

Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto
Rig-Veda. E, ante obras tais, me nĂŁo consolo…
O Inconsciente me assombra e eu nĂȘle tolo
Com a eĂłlica fĂșria do harmatĂŁ inquieto!

Assisto agora Ă  morte de um inseto!…
Ah! todos os fenĂŽmenos do solo
Parecem realizar de pĂłlo a pĂłlo
O ideal de Anaximandro de Mileto!

No hierĂĄtico areopago heterogĂȘneo
Das idĂ©as, percorro como um gĂȘnio
Desde a alma de Haeckel Ă  alma cenobial!…

Rasgo dos mundos o velĂĄrio espesso;
E em tudo, igual a Goethe, reconheço
O império da substùncia universal!

Último Credo

Como ama o homem adĂșltero o adultĂ©rio
E o Ă©brio a garrafa tĂłxica de rum,
Amo o coveiro este ladrĂŁo comum
Que arrasta a gente para o cemitério!

É o transcendentalĂ­ssimo mistĂ©rio!
É o nous, Ă© o pneuma, Ă© o ego sum qui sum,
É a morte, Ă© esse danado nĂșmero Um,
Que matou Cristo e que matou Tibério.

Creio como o filĂłsofo mais crente,
Na generalidade decrescente
Com que a substĂąncia cĂłsmica evolue…

Creio, perante a evolução imensa,
Que o homem universal de amanhã vença
O homem particular que eu ontem fui!