Os Versos, que Cantei Importunado
Os versos, que cantei importunado
Da mocidade cega a quem seguia,
Queimei (como vergonha me pedia)
Chorando, por haver tão mal cantado.Se nestes não ficar tão desculpado
Quanto mais alto estilo merecia,
Não me podem negar a melhoria
Da mudança, que diz dum noutro estado.Que vai que sejam bem ou mal aceitos?
Pois não os escrevi para louvores
Humanos, pelo menos perigosos,Senão para plantar em tenros peitos
Desejos de colher divinas flores
À força de suspiros saudosos.
Sonetos
2370 resultadosPlena Nudez
Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas…Não quero, a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
De transparente túnica através:Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus… toda nua, da cabeça aos pés!
Never More
A uma falsa amiga
I
Não te perdôo, não, meu tristes olhos
Não mais hei de fitar nos teus, sorrindo:
Jamais minh’alma sobre um mar de escolhos
Há de chamar por ti no anseio infindo.Jamais, jamais, nos delicados folhos
Do coração como n’um ramo lindo,
Há de cantar teu nome entre os abrolhos
A ária gentil de meu sonhar já findo.Não te perdôo, não! E em tardes claras,
Cheias de sonhos e delícias raras,
Quando eu passar à hora do Sol posto:Não rias para mim que sofro e penso,
Deixa-me só neste deserto imenso…
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
Beethoven Surdo
Surdo, na universal indiferença, um dia,
Beethoven, levantando um desvairado apelo,
Sentiu a terra e o mar num mudo pesadelo.
E o seu mundo interior cantava e restrugia.Torvo o gesto, perdido o olhar, hirto o cabelo,
Viu, sobre a orquestração que no seu crânio havia,
Os astros em torpor na imensidade fria,
O ar e os ventos sem voz, a natureza em gelo.Era o nada, a eversão do caos no cataclismo,
A síncope do som no páramo profundo,
O silêncio, a algidez, o vácuo, o horror no abismo.E Beethoven, no seu supremo desconforto,
Velho e pobre, caiu, como um deus moribundo,
Lançando a maldição sobre o universo morto!
As Vozes Da Natureza
As vozes que nos vêm da natureza
Traduzem sempre um mútuo sentimento.
Cantam as frondes pela voz do vento,
Pelo manancial canta a represa.Pelas estrelas canta o firmamento
Nas suas grandes noites de beleza.
Cada nota a outra nota vive presa,
É um pensamento de outro pensamento.Pelas folhas murmura a voz da estrada,
Pelos salgueiros canta a água parada
E o amigo sol, apenas se levanta,Jogando o manto de ouro ao céu deserto,
Chama as cigarras todas para perto,
Que é na voz das cigarras que ele canta.
Ardor Em Firme Coração Nascido
Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:Tu, que um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido.Se és fogo, como passas brandamente,
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama fria.
Paisagem Citadina
A pele por fulgurantes
instantes muitas vezes abre-se até onde
seria impensável que exercesse
com tão grande rigor o seu domínio.Não temos então dela senão rápidas
visões, onde os reclames
do coração se cruzam, solitários
e agrestes, reflectidospor trás nos ossos empedrados.
Em certas posições vêem-se as cordas
do nosso espírito esticadas num terraço.A roupa dói-nos porque, embora
nos cubra a pele, é dentro
do espírito que estão os tecidos amarrados.
A Freira Morta
(Desterro)
Muda, espectral, entrando as arcarias
Da cripta onde ela jaz eternamente
No austero claustro silencioso — a gente
Desce com as impressões das cinzas frias…Pelas negras abóbadas sombrias
Donde pende uma lâmpada fulgente,
Por entre a frouxa luz triste e dormente
Sobem do claustro as sacras sinfonias.Uma paz de sepulcro após se estende…
E no luar da lâmpada que pende
Brilham clarões de amores condenados…Como que vem do túmulo da morta
Um gemido de dor que os ares corta,
Atravessando os mármores sagrados!
Se me Comovesse o Amor
Se me comovesse o amor como me comove
a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo
as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro
em que ficou gravada a tua mão, e deixo o diacaminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.
Se me comovessem os teus passos entre os outros,
os que se perdem nas ruas, os que abandonam
a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecero sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém
comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar
os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.Por isso não me procures, não me encontres,
não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas
o pão, a palavra, as coisas possíveis. De longe.
Mãe Dolorosa
Vi-o doente, ouvi os seus gemidos;
Sinto a memoria negra, ao recordá-lo!
A Mãe baixava os olhos doloridos
Sobre o Filho. E era a Dôr a contemplá-lo!Depois, nesses instantes esquecidos,
Ou lhe falava ou punha-se a beijá-lo…
Mas, retomando, subito, os sentidos,
Estremecia toda em grande abalo!Fugia de ao pé dele suffocada,
A sua escura trança desgrenhada,
Os seus olhos abertos de terror!E então, num desespêro, a Mãe chorava,
E, por entre gemidos, só gritava:
Amôr! amôr! amôr! amôr! amôr!
Quando O Sol Encoberto Vai Mostrando
Quando o Sol encoberto vai mostrando
ao mundo a luz quieta e duvidosa,
ao longo de üa praia deleitosa,
vou na minha inimiga imaginando.Aqui a vi, os cabelos concertando;
ali, co a mão na face tão fermosa;
aqui, falando alegre, ali cuidosa;
agora estando queda, agora andando.aqui esteve sentada, ali me viu,
erguendo aqueles olhos tão isentos;
aqui movida um pouco, ali segura;qui se entristeceu, ali se riu;
enfim, nestes cansados pensamentos
passo esta vida vã, que sempre dura.
Mater Dolorosa
Quando se fez ao largo a nave escura,
na praia essa mulher ficou chorando,
no doloroso aspecto figurando
a lacrimosa estátua da amargura.Dos céus a curva era tranquila e pura;
Das gementes alcíones o bando
Via-se ao longe, em círculos, voando
Dos mares sobre a cérula planura.Nas ondas se atufara o Sol radioso,
E Lua sucedera, astro mavioso,
De alvor banhando os alcantis das fragas…E aquela pobre mãe, não dando conta
Que o sol morrera, e que o luar desponta,
A vista embebe na amplidão das vagas…
Anoitecer
A luz desmaia num fulgor d’aurora,
Diz-nos adeus religiosamente…
E eu, que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui… outrora…Não sei o que em mim ri, o que em mim chora
Tenho bênçãos d’amor pra toda a gente!
Como eu sou pequenina e tão dolente
No amargo infinito desta hora!Horas tristes que são o meu rosário…
Ó minha cruz de tão pesado lenho!
Meu áspero e intérmino Calvário!E a esta hora tudo em mim revive:
Saudades de saudades que não tenho…
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive…
A Morte
Oh! que doce tristeza e que ternura
No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
De que âncoras profundas se socorrem
Os que penetram nessa noite escura!Da vida aos frios véus da sepultura
Vagos momentos trêmulos decorrem…
E dos olhos as lágrimas escorrem
Como faróis da humana Desventura.Descem então aos golfos congelados
Os que na terra vagam suspirando,
Com os velhos corações tantalizados.Tudo negro e sinistro vai rolando
Báratro abaixo, aos ecos soluçados
Do vendaval da Morte ondeando, uivando…
Em Busca Da Beleza V
Braços cruzados, sem pensar nem crer,
Fiquemos pois sem mágoas nem desejos.
Deixemos beijos, pois o que são beijos?
A vida é só o esperar morrer.Longe da dor e longe do prazer,
Conheçamos no sono os benfazejos
Poderes únicos; sem urzes, brejos,
A sua estrada sabe apetecer.C’roado de papoilas e trazendo
Artes porque com sono tira sonhos,
Venha Morfeu, que as almas envolvendo,Faça a felicidade ao mundo vir
Num nada onde sentimo-nos risonhos
Só de sentirmos nada já sentir.
Soneto Ao Falso Fingidor
Há poeta que se ampara na velhice
como um cego que se apóia na bengala
tateando tristes trilhas da sandice
na claudicante fala que se entala.Empalado nos versos da mesmice
seus poemas-burocratas cospem lágrimas
num chororô nostálgico em pieguice
à procura de glória em ante-salas.Colhe, assim, as benesses oficiais,
prebendas, sinecuras, doutorados,
honoríficas causas e que tais.Em vala rasa cala desolado
despindo-se do linho das vestais
para juntar-se ao sono de olvidados.
O Nosso Mundo
Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Pousando em ti o meu olhar eterno
Como pousam as folhas sobre os lagos…Os meus sonhos agora são mais vagos…
O teu olhar em mim, hoje, é mais terno…
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!A Vida, meu Amor, quero vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas, hemos de bebê-la!Que importa o mundo e as ilusões defuntas?…
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?…
O mundo, Amor! … As nossas bocas juntas!…
Velho
Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um sulco de lágrimas pungidas,
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.Envolve-te o crepúsculo gelado
Onde vai soturno amortalhando as vidas
Ante o responso em músicas gemidas
No fundo coração dilacerado.A cabeça pendida de fadiga,
Sentes a morte taciturna e amiga
Que os teus nervos círculos governa.Estás velho, estás morto! Ó dor, delírio,
Alma despedaçada de martírio,
Ó desespero da Desgraça eterna!
Carta ao Mar
Deixa escrever-te, verde mar antigo,
Largo Oceano, velho deus limoso,
Coração sempre lyrico, choroso,
E terno visionario, meu amigo!Das bandas do poente lamentoso
Quando o vermelho sol vae ter comtigo,
– Nada é mais grande, nobre e doloroso,
Do que tu, – vasto e humido jazigo!Nada é mais triste, tragico e profundo!
Ninguem te vence ou te venceu no mundo!…
Mas tambem, quem te poude consollar?!Tu és Força, Arte, Amor, por excellencia! –
E, comtudo, ouve-o aqui, em confidencia;
– A Musica é mais triste inda que o Mar!
Terra Do Brasil
Espavorida agita-se a criança,
De noturnos fantasmas com receio,
Mas se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.Perdida é para mim toda a esperança
De volver ao Brasil; de lá me veio
Um pugilo de terra; e neste creio
Brando será meu sono e sem tardança…Qual o infante a dormir em peito amigo,
Tristes sombras varrendo da memória,
ó doce Pátria, sonharei contigo!E entre visões de paz, de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!