Aquela Que, De Pura Castidade
Aquela que, de pura castidade,
de si mesma tomou cruel vingança
por üa breve e súbita mudança,
contrária a sua honra e qualidade(venceu à fermosura a honestidade,
venceu no fim da vida a esperança
porque ficasse viva tal lembrança,
tal amor, tanta fé, tanta verdade!),de si, da gente e do mundo esquecida,
feriu com duro ferro o brando peito,
banhando em sangue a força do tirano.[Oh!] estranha ousadia ! estranho feito !
Que, dando breve morte ao corpo humano,
tenha sua memória larga vida!
Sonetos sobre Peito
195 resultadosRuínas
I
E é triste ver assim ir desfolhando,
Vê-las levadas na amplidão do ar,
As ilusões que andámos levantando
Sobre o peito das mães, o eterno altar.Nem sabe a gente já como, nem quando,
Há-de a nossa alma um dia descansar!
Que as almas vão perdidas, vão boiando
Nesta corrente eléctrica do mar!…Ó ciência, minha amante, ó sonho belo!
És fria como a folha dum cutelo…
Nunca o teu lábio conheceu piedade!Mas caia embora o velho paraíso,
Caia a fé, caia Deus! sendo preciso,
Em nome do Direito e da Verdade.II
Morreu-me a luz da crença — alva cecém,
Pálida virgem de luzentas tranças
Dorme agora na campa das crianças,
Onde eu quisera repousar também.A graça, as ilusões, o amor, a unção,
Doiradas catedrais do meu passado,
Tudo caiu desfeito, escalavrado
Nos tremendos combates da razão.Perdida a fé, esse imortal abrigo,
Fiquei sozinho como herói antigo
Batalhando sem elmo e sem escudo.A implacável, a rígida ciência
Deixou-me unicamente a Providência,
Pecado Original
Sim, Mãe! sim, quanta vez te vi chorar…,
Sem desistir de te fazer sofrer!
Gozava então nem sei que atroz prazer
De te arranhar no peito… e me arranhar.Mas quis lutar comigo, Mãe! lutar
Contra esse monstro obscuro do meu ser.
Que sonho, Mãe!: ter-me eu em meu poder,
Talhar-me bom, feliz, simples, vulgar…Mãe! com que força eu vi que era impotente!
… Porque de bem mais longe e bem mais fundo
A culpa do meu ser a nós dois veio.Perdoemos um ao outro, humildemente:
Eu, Mãe! — ter-me o teu seio dado ao mundo;
Tu, — ter-me eu feito vida no teu seio.
Ilustre O Dino Ramo Dos Meneses
Ilustre o dino ramo dos Meneses,
aos quais o prudente e largo Céu
(que errar não sabe), em dote concedeu
rompesse os maométicos arneses;desprezando a Fortuna e seus reveses,
ide para onde o Fado vos moveu;
erguei flamas no Mar alto Eritreu,
e sereis nova luz aos Portugueses.Oprimi com tão firme e forte peito
o Pirata insolente, que se espante
e trema Taprobana e Gedrosia.Dai nova causa à cor do Arabo estreito:
assi que o roxo mar, daqui em diante,
o seja só co sangue de Turquia!
Campesinas V
De manhã tu vais ao gado
A cantar entre as giestas,
Com tuas graças modestas,
Correndo e saltando o prado.E a veiga e o rio e o valado
Que todos dormem as sestas
Acordam-se ante as honestas
Canções desse peito amado.As aves nos ares gozam,
Entre abraços se desposam,
No mais amoroso enlace.E as abelhas matutinas
Que regressam das boninas
Voam, te em torno da face.
Eu Vi A Linda Jônia E, Namorado
Eu vi a linda Jônia e, namorado,
fiz logo voto eterno de querê-la;
mas vi depois a Nise, e é tão bela,
que merece igualmente o meu cuidado.A qual escolherei, se, neste estado,
eu não sei distinguir esta daquela?
Se Nise agora vir, morro por ela,
se Jônia vir aqui, vivo abrasado.Mas ah! que esta me despreza, amante,
pois sabe que estou preso em outros braços,
e aquela me não quer, por inconstante.Vem, Cupido, soltar-me destes laços:
ou faze destes dois um só semblante,
ou divide o meu peito em dois pedaços!
Soneto Com Pássaro E Avião
Uma coisa é um pássaro que voa.
Outra um avião. Assim, quem o prefere
Não sabe às vezes como o espaço fere
Aquele, um vi morrer, voando à toaUm dia em Christ Church Meadows, numa antiga
Tarde, reminiscente de Wordsworth…
E tudo o que ficou daquela morte
Foi um baque de plumas, e a cantigaInterrompida a meio: espasmo? espanto?
Não sei. tomei-o leve em minha mão
Tão pequeno, tão cálido, tão lassoEm minha mão… Não tinha o peito de amianto.
Não voaria mais, como o avião
Nos longos túneis de cristal do espaço…
De Quantas Graças Tinha, A Natureza
De quantas graças tinha, a Natureza
fez um belo e riquíssimo tesouro;
e com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.Pôs na boca os rubis, e na pureza
do belo rostro as rosas, por quem mouro;
no cabelo o valor do metal louro;
no peito a neve em que a alma tenho acesa.Mas nos olhos mostrou quanto podia,
e fez deles um sol, onde se apura
a luz mais clara que a do claro dia.Enfim, Senhora, em vossa compostura
ela a apurar chegou quanto sabia
de ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.
Gênio Das Trevas Lúgubres, Acolhe-me
Gênio das trevas lúgubres, acolhe-me,
Leva-me o esp’rito dessa luz que mata,
E a alma me ofusca e o peito me maltrata,
E o viver calmo e sossegado tolhe-me!Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me
N’asa da Morte redentora, e à ingrata
Luz deste mundo em breve me arrebata
E num pallium de tênebras recolhe-me!Aqui há muita luz e muita aurora,
Há perfumes d’amor – venenos d’alma –
E eu busco a plaga onde o repouso mora,E as trevas moram, e, onde d’água raso
O olhar não trago, nem me turba a calma
A aurora deste amor que é o meu ocaso!
A Minha Mãe
Lembra alvuras de cisne sobre um lago
A minha vida imaculada e honesta…
Ouço bater meu coração em festa,
Pela bondade e amor que nele trago!Do meu orgulho olímpico de mago
Só o desdém aos inimigos resta,
Maior que às folhas mortas da floresta,
Que nos meus dedos pálidos esmago.Mas a piedade enche o meu peito, e vem,
Em vez de tão humano e vil desdém,
Ungir meus lábios de um perdão divino…Julguei ser Deus! E choro de cansaço…
Oh, mãe piedosa, embala no regaço
Meu coração exausto de menino!…
Esforço Grande, Igual Ao Pensamento;
Esforço grande, igual ao pensamento;
pensamentos em obras divulgados,
e não em peito timido encerrados
e desfeitos despois em chuva e vento;animo da cobiça baixa isento,
dino por isso só de altos estados,
fero açoute dos nunca bem domados
povos do Malabar sanguinolento;gentileza de membros corporais,
ornados de pudica continência,
obra por certo rara de natura:estas virtudes e outras muitas mais,
dinas todas da homérica eloquência,
jazem debaixo desta sepultura
Amar sem Possuir é um Tormento
Se a ti, onde Amor leva o pensamento,
Meu triste coração levar pudesse,
Dó terias, cruel, do que padece,
S’inda em teu peito cabe sentimento.Amar sem possuir é um tormento
Que só quem o suporta é que o conhece.
Não o conheces tu, pois te arrefece
Sempre, na ausência, o frio esquecimento.Tu tens um coração que se persuade
Dever amar só quando se deleita
Na posse do prazer, da sociedade.O meu segue outra estrada mais direita,
Ama distante, ferem-no a Saudade
O Ciúme infernal, a vil Suspeita.
8A Sombra – Último Fantasma
Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada…
Sobre as névoas te libras vaporoso …Baixas do céu num vôo harmonioso!…
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso! …Onde nos vimos nós? És doutra esfera ?
És o ser que eu busquei do sul ao norte. . .
Por quem meu peito em sonhos desespera?Quem és tu? Quem és tu? – És minha sorte!
És talvez o ideal que est’alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!
Bastava-nos Amar
Bastava-nos amar. E não bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirara tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.
A Minha Amada Será um Assombro de Beleza
Muitos hão-de julgar que a minha amada
Será um raro assombro de beleza.
Porém, não é assim, à Natureza
Ela só deve uma Alma bem formada.Os dotes pessoais de que é ornada
São filhos duma pura singeleza:
A constância, lealdade, amor, firmeza,
Nos versos meus a fazem decantada.O seu cândido ser só eu conheço,
O valor que ela tem não se presume:
Só eu, que os seus afectos lhe mereço.Em seu peito de Amor, não morre o lume
Eu amo um coração que não tem pressa,
Uma Alma singular, Marília, um Nume.