AngĂșstia
Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos dera calar a tua voz!
Quem nos dera cĂĄ dentro, muito a sĂłs,
Estrangular a hidra num momento!E nĂŁo se quer pensar! … e o pensamento
Sempre a morder-nos bem, dentro de nĂłs …
Querer apagar no cĂ©u â Ăł sonho atroz! â
O brilho duma estrela, com o vento! …E nĂŁo se apaga, nĂŁo … nada se apaga!
Vem sempre rastejando como a vaga …
Vem sempre perguntando: âO que te resta? …âAh! nĂŁo ser mais que o vago, o infinito!
Ser pedaço de gelo, ser granito,
Ser rugido de tigre na floresta!
Sonetos sobre Sempre de Florbela Espanca
25 resultadosEm Busca do Amor
O meu Destino disse-me a chorar:
âPela estrada da Vida vai andando,
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor, que hĂĄs-de encontrar.âFui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfilando …
E noite e dia, Ă chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando …Mesmo a um velho eu perguntei: âVelhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?â
E o velho estremeceu … olhou … e riu …Agora pela estrada, jĂĄ cansados,
Voltam todos pra trĂĄs desanimados …
E eu paro a murmurar: âNinguĂ©m o viu! …â
Os Versos que Te Fiz
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
SĂŁo talhados em mĂĄrmore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.TĂȘm dolĂȘncias de veludos caros,
SĂŁo como sedas brancas a arder…
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!Mas, meu Amor, eu nĂŁo tos digo ainda…
Que a boca da mulher Ă© sempre linda
Se dentro guarda um verso que nĂŁo diz!Amo-te tanto! E nunca te beijei…
E, nesse beijo, Amor, que eu te nĂŁo dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
RĂșstica
Ser a moça mais linda do povoado.
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bĂȘnção do Senhor em cada filho.Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho…
– Com o luar matar a sede ao gado,
Dar Ă s pombas o sol num grĂŁo de milho…Ser pura como a ĂĄgua da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer Ă “terra da verdade”…Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.
Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida nĂŁo tem norte,
Sou a irmĂŁ do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…Sombra de nĂ©voa tĂ©nue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…Sou aquela que passa e ninguĂ©m vĂȘ…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquĂȘ…Sou talvez a visĂŁo que AlguĂ©m sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!